Ao se consagrar como o mais jovem presidente eleito da história do Chile, o progressista Gabriel Boric, 35 anos, moveu as peças do tabuleiro político da América Latina e ampliou as expectativas em relação a um domínio da esquerda após o fim de 2022 — ano em que Colômbia e Brasil escolherão seus próximos líderes. Em entrevista ao Correio, especialistas em relações internacionais analisaram a configuração do mapa regional e admitiram que a pandemia da covid-19 escancarou a desigualdade e a pobreza, além de expor o fracasso dos governos na gestão da crise sanitária. A eleição de Boric também foi um alerta à ultradireita, que prioriza a agenda neoliberal às questões sociais.
Professor adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro explicou que a vitória de Boric teve gosto especial para a esquerda latino-americana, pois o Chile era considerado tradicionalmente como o grande exemplo de sucesso do modelo liberal na região. "Desde 2019, os chilenos têm questionado esse pressuposto, em grandes manifestações de rua e na convocação de uma Assembleia Constituinte inspirada por pautas mais próximas da social-democracia e de um papel mais abrangente para o Estado", afirmou.
Para Santoro, a esquerda é favorita nas eleições presidenciais de 2022 no Brasil e na Colômbia, cujos primeiros turnos estão marcados, respectivamente, para 2 de outubro e 29 de maio. "Se os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro vencerem essas disputas, pela primeira vez, presidentes de esquerda governarão todas as cinco maiores economias da América Latina — as outras são México, Argentina e Chile", lembrou. Petro, ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (M-19) e ex-prefeito de Bogotá, é o mais cotado a suceder Iván Duque. Atualmente, a direita está no poder no Brasil, na Colômbia, Paraguai, Uruguai e em alguns países da América Central, como El Salvador. "Os casos brasileiro e salvadorenho se destacam pela radicalidade de seus chefes de Estado. Nas outras nações são governos conservadores, mas não extremistas", disse o especialista.
Saiba Mais
- Mundo O menino herói que com apenas 11 anos salvou duas pessoas no mesmo dia
- Mundo Saturnália: rito romano pagão ao qual se atribui a origem da celebração do Natal
- Mundo Rainha Elizabeth homenageia príncipe Philip em discurso de Natal
- Mundo O povo da Colômbia que celebra o Natal em fevereiro e com um Menino Jesus negro
Mazelas
O professor da UERJ entende que a pandemia da covid-19 exacerbou vários problemas sociais na América Latina — entre eles, a pobreza, as desigualdades e a má qualidade dos serviços públicos de educação e saúde. "A fome, ou o medo dela, voltou a fazer parte do cotidiano de boa parte da população. São demandas sociais muito profundas, que representam pressões por maior engajamento do Estado, uma pauta tradicionalmente forte para a esquerda. Os partidos e movimentos dessas correntes políticas têm se posicionado melhor para responder a esse tipo de reivindicação", acrescentou Santoro.
Gilberto Aranda Bustamante, professor do Instituto de Estudios Internacionales de la Universidad de Chile e doutor em Estudos Latino-Americanos, considera que o mapa político latino-americano está mais fragmentado do que duas décadas atrás. De acordo com ele, a direita comanda cinco países da América do Sul (Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai), enquanto a esquerda governa quatro (Argentina, Bolívia, Peru e Chile — considerando-se a vitória de Boric).
"O triunfo de Boric constitui-se em um ponto de inflexão das esquerdas latino-americanas bastante diversas. De fato, o presidente eleito chileno representa uma nova esquerda, que combina a luta pela igualdade social com a política de identidades excluídas, além de um discurso de corte antiautoritário. Espera-se um aumento de sintomia com os governos dos vizinhos Argentina e Peru", disse à reportagem. A variedade das esquerdas inclui regimes considerados autoritários, como os de Nicolás Maduro (Venezuela) e Daniel Ortega (Nicarágua), e outros moderados, como os de Alberto Fernández (Argentina) e Pedro Castillo (Peru).
Resposta
Ao analisar a resposta dos países latino-americanos à pandemia da covid-19, Bustamante acredita que todos os governos tiveram um desempenho ruim e, por isso, sofreram consequências sociais. "Se observarmos as últimas eleições, como as legislativas na Argentina, o governo peronista de Alberto Fernández não se saiu bem em relação à oposição conservadora. Também em 2021, os conservadores assumiram o controle do Equador. Ao mesmo tempo, Estados com governos de direita foram substituídos por forças de esquerda com clara ênfase social para o pós-pandemia. No Chile, ainda que a política de imunização tenha sido rápida e eficaz, o mal-estar social ante o modelo de desenvolvimento econômico e seus deficits sociais explicam a derrota da direita no último domingo", avaliou.
Sobre o Brasil, o professor chileno aposta que a forma do governo Jair Bolsonaro de abordar a pandemia e suas sequelas sociais desempenhará papel-chave na decisão da cidadania, em outubro, quando será realizado o primeiro turno das eleições presidenciais."
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.