América Latina

Vitória de Gabriel Boric no Chile anima forças progressistas da região

Vitória de Boric impulsiona hegemonia ante matizes da direita. Especialistas atribuem as mudanças políticas aos anseios sociais abastecidos pela pandemia da covid-19

Rodrigo Craveiro
postado em 26/12/2021 06:00
 (crédito: Arquivo pessoal)
(crédito: Arquivo pessoal)

Ao se consagrar como o mais jovem presidente eleito da história do Chile, o progressista Gabriel Boric, 35 anos, moveu as peças do tabuleiro político da América Latina e ampliou as expectativas em relação a um domínio da esquerda após o fim de 2022 — ano em que Colômbia e Brasil escolherão seus próximos líderes. Em entrevista ao Correio, especialistas em relações internacionais analisaram a configuração do mapa regional e admitiram que a pandemia da covid-19 escancarou a desigualdade e a pobreza, além de expor o fracasso dos governos na gestão da crise sanitária. A eleição de Boric também foi um alerta à ultradireita, que prioriza a agenda neoliberal às questões sociais. 

Professor adjunto do Departamento de Relações Internacionais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Maurício Santoro explicou que a vitória de Boric teve gosto especial para a esquerda latino-americana, pois o Chile era considerado tradicionalmente como o grande exemplo de sucesso do modelo liberal na região. "Desde 2019, os chilenos têm questionado esse pressuposto, em grandes manifestações de rua e na convocação de uma Assembleia Constituinte inspirada por pautas mais próximas da social-democracia e de um papel mais abrangente para o Estado", afirmou. 

Para Santoro, a esquerda é favorita nas eleições presidenciais de 2022 no Brasil e na Colômbia, cujos primeiros turnos estão marcados, respectivamente, para 2 de outubro e 29 de maio. "Se os candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro vencerem essas disputas, pela primeira vez, presidentes de esquerda governarão todas as cinco maiores economias da América Latina — as outras são México, Argentina e Chile", lembrou. Petro, ex-guerrilheiro do Movimento 19 de Abril (M-19) e ex-prefeito de Bogotá, é o mais cotado a suceder Iván Duque. Atualmente, a direita está no poder no Brasil, na Colômbia, Paraguai, Uruguai e em alguns países da América Central, como El Salvador. "Os casos brasileiro e salvadorenho se destacam pela radicalidade de seus chefes de Estado. Nas outras nações são governos conservadores, mas não extremistas", disse o especialista. 

Mazelas

O professor da UERJ entende que a pandemia da covid-19 exacerbou vários problemas sociais na América Latina — entre eles, a pobreza, as desigualdades e a má qualidade dos serviços públicos de educação e saúde. "A fome, ou o medo dela, voltou a fazer parte do cotidiano de boa parte da população. São demandas sociais muito profundas, que representam pressões por maior engajamento do Estado, uma pauta tradicionalmente forte para a esquerda. Os partidos e movimentos dessas correntes políticas têm se posicionado melhor para responder a esse tipo de reivindicação", acrescentou Santoro. 

Gilberto Aranda Bustamante, professor do Instituto de Estudios Internacionales de la Universidad de Chile e doutor em Estudos Latino-Americanos, considera que o mapa político latino-americano está mais fragmentado do que duas décadas atrás. De acordo com ele, a direita comanda cinco países da América do Sul (Brasil, Colômbia, Equador, Paraguai e Uruguai), enquanto a esquerda governa quatro (Argentina, Bolívia, Peru e Chile — considerando-se a vitória de Boric).  

"O triunfo de Boric constitui-se em um ponto de inflexão das esquerdas latino-americanas bastante diversas. De fato, o presidente eleito chileno representa uma nova esquerda, que combina a luta pela igualdade social com a política de identidades excluídas, além de um discurso de corte antiautoritário. Espera-se um aumento de sintomia com os governos dos vizinhos Argentina e Peru", disse à reportagem. A variedade das esquerdas inclui regimes considerados autoritários, como os de Nicolás Maduro (Venezuela) e Daniel Ortega (Nicarágua), e outros moderados, como os de Alberto Fernández (Argentina) e Pedro Castillo (Peru). 

Resposta

Ao analisar a resposta dos países latino-americanos à pandemia da covid-19, Bustamante acredita que todos os governos tiveram um desempenho ruim e, por isso, sofreram consequências sociais. "Se observarmos as últimas eleições, como as legislativas na Argentina, o governo peronista de Alberto Fernández não se saiu bem em relação à oposição conservadora. Também em 2021, os conservadores assumiram o controle do Equador. Ao mesmo tempo, Estados com governos de direita foram substituídos por forças de esquerda com clara ênfase social para o pós-pandemia. No Chile, ainda que a política de imunização tenha sido rápida e eficaz, o mal-estar social ante o modelo de desenvolvimento econômico e seus deficits sociais explicam a derrota da direita no último domingo", avaliou.

Sobre o Brasil, o professor chileno aposta que a forma do governo Jair Bolsonaro de abordar a pandemia e suas sequelas sociais desempenhará papel-chave na decisão da cidadania, em outubro, quando será realizado o primeiro turno das eleições presidenciais."

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  •  Chilean president-elect Gabriel Boric addresses supporters following the official results of the runoff presidential election, in Santiago, on December 19, 2021. - With almost 100 percent of ballots counted, leftist lawmaker Gabriel Boric, 35, became Chile's youngest-ever president leading with 55.87 percent to 44 percent for his far-right rival Jose Antonio Kast, said the Servel website. (Photo by JAVIER TORRES / AFP)
    Chilean president-elect Gabriel Boric addresses supporters following the official results of the runoff presidential election, in Santiago, on December 19, 2021. - With almost 100 percent of ballots counted, leftist lawmaker Gabriel Boric, 35, became Chile's youngest-ever president leading with 55.87 percent to 44 percent for his far-right rival Jose Antonio Kast, said the Servel website. (Photo by JAVIER TORRES / AFP) Foto: Javier Torres/AFP
  • Depois de se encontrarem em Buenos Aires, Fernández e Lula voltam a discutir, em Brasília, ajuda para a crise econômica argentina — desta vez, com todos os países do subcontinente
    Depois de se encontrarem em Buenos Aires, Fernández e Lula voltam a discutir, em Brasília, ajuda para a crise econômica argentina — desta vez, com todos os países do subcontinente Foto: Esteban Collazo/AFP
  • Gilberto Aranda Bustamante, professor do Instituto de Estudios Internacionales de la Universidad de Chile e doutor em Estudos Latino-Americanos
    Gilberto Aranda Bustamante, professor do Instituto de Estudios Internacionales de la Universidad de Chile e doutor em Estudos Latino-Americanos Foto: Arquivo pessoal
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