Crise na Ucrânia

Analistas veem o Brasil como ator importante na crise entre Rússia e Ucrânia

Rodrigo Craveiro
postado em 01/02/2022 06:00
 (crédito: Brendan Smialowski/AFP)
(crédito: Brendan Smialowski/AFP)

O telefonema do secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, ao ministro das Relações Exteriores brasileiro, Carlos Alberto Franco França, no domingo (30/1), foi visto por especialistas consultados pelo Correio como uma tentativa dos Estados Unidos de instar o Brasil a exercer maior pressão sobre a Rússia. Em publicação no Twitter, o Itamaraty afirmou que, ao abordarem a situação na Ucrânia, Blinken e França concordaram com a necessidade de desescalada das tensões e de uma solução diplomática. O ministro Carlos França também agradeceu o apoio dos EUA ao início do processo de inclusão do Brasil na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). 

Na condição de membro não permanente do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil passa a ser um player (ator) importante na busca pelo apoio a medidas tomadas pelos Estados Unidos em relação a sanções e ao conflito na Ucrânia. A opinião é de Denilde Oliveira Holzhacker, professora de relações internacionais da ESPM-SP.

Ela citou a viagem do presidente Jair Bolsonaro à Rússia — programada para entre 14 e 17 de fevereiro. "Também é parte do governo norte-americano fazer com que o Brasil possa ser um interlocutor e mais um país a pressionar a Rússia. O telefonema de domingo (30) de Blinken para França reafirma a posição da Casa Branca em prol de uma posição mais firme do Brasil em relação à Rússia. "O Brasil continua aliado dos EUA, mas prefere uma saída diplomática para a crise da Ucrânia", comentou.

Segundo Holzhacker, a aproximação norte-americana visa angariar o apoio brasileiro e reforçar que o Brasil pode pressionar Moscou. "A posição do governo Bolsonaro tem sido a de tentar equilibrar os interesses do Brasil frente aos EUA, mas também frente ao comércio com a Rússia."

A especialista aponta que a capacidade de atuação do Brasil deriva muito de sua presença no Conselho de Segurança. "Isso pode garantir uma mudança de rumo, em uma perspectiva mais diplomática e menos de acirramento. No entanto, a atuação do Brasil é limitada, pois a política externa de Brasília teve, nos últimos anos, um perfil muito menos ativo do que em outros momentos. O embaixador França tem um perfil mais diplomático e tradicional, que pode colocar o Brasil em uma situação de protagonista, mas nossas capacidades ainda são muito limitadas."

Alinhamento

Por sua vez, Marco Antônio de Meneses Silva — coordenador do curso de relações internacionais do Centro Universitário Iesb — ressaltou que, em um momento de acirramento de ânimos, é imperativo salientar a busca por soluções políticas negociadas. "A manifestação do chanceler brasileiro coaduna com a tradição diplomática de Brasília de longa data. Qualquer esforço em sentido contrário estaria substancialmente desalinhado com presumidos interesses brasileiros." De acordo com ele, o governo de Joe Biden tem sinalizado com a normalização das relações bilaterais entre EUA e Brasil, com a recente nomeação da embaixadora norte-americana em Brasília, Elizabeth Frawley Bagley. 

Silva é cético em relação à materialização do protagonismo brasileiro. Ele lembrou, apesar do credenciamento da dimensão da liderança regional exercida pelo Brasil — aliado à tradição na busca por soluções pacíficas em crises de segurança internacionais —, não há condições efetivas para a mediação. "O retrospecto do governo Bolsonaro é desfavorável, tendo em vista a atuação, à época, do chanceler Ernesto Araújo, quando alianças e a participação diplomática brasileira, erigida ao longo das últimas décadas, foram preteridas por posicionamentos de teor fortemente ideológicos e pouco condizentes com as tradições de nossa política externa. O desafio de reverter o relativo isolamento da diplomacia brasileira é uma tarefa ainda em curso", disse o professor do Iesb. 

Alianças

Cientista político da Faculdade de Direito da Case Western Reserve University, de Cleveland, Ohio, Juscelino Filgueiras Colares explicou que os EUA procuram ampliar o leque e as sanções que Washington vislumbra contra Putin e as lideranças russas.  "É importante o esforço de Blinken em abordar o Brasil. O americano espera que a comunidade internacional demonstre repúdio ao desrespeito da soberania territorial da Ucrânia e fortaleça as alianças, para que as sanções tenham uma 'mordida mais forte'", avaliou.

Colares crê que o Brasil, potência agrícola, torna-se aliado importante dos EUA. "Se forem impostas sanções com a Ucrânia ocupada, o papel do Brasil e dos EUA será o de coordenar restrições à exportação de alimentos para a Rússia." Para o estudioso, o Brasil pode ajudar Washington a implementar as sanções.

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