Guerra no leste europeu

Biden volta a chamar Putin de "criminoso de guerra" e pede condenação

Presidente dos Estados Unidos volta a classificar o líder russo como "criminoso de guerra" e diz que ele deve ser "responsabilizado" pelo massacre na cidade de Bucha. Volodymyr Zelensky visita cidade e, fala em "genocídio". Procuradoria-geral da Ucrânia adverte para situação ainda mais grave em Borodyanka

Rodrigo Craveiro
postado em 05/04/2022 06:00
 (crédito: Ronaldo Schemidt/AFP)
(crédito: Ronaldo Schemidt/AFP)

O helicóptero Marine One tinha acabado de pousar no Fort Lesley J. McNair, em Washington, quando o presidente norte-americano, Joe Biden, fez um pronunciamento espontâneo à imprensa. "Tenho um comentário a fazer antes de começar o dia. Vocês se lembram que fui criticado ao chamar (Vladimir) Putin de criminoso de guerra. Bem, a verdade é que você viu o que aconteceu em Bucha. O termo se aplica a ele — é um criminoso de guerra", disse o democrata, ao se referir ao líder russo. "Temos que reunir a informação, (...) temos que ter todos os detalhes para que isso possa ser real — um julgamento de guerra. (...) Isso é um crime de guerra. Ele (Putin) deve ser responsabilizado", acrescentou, ao anunciar que busca mais sanções.

Os EUA e o Reino Unido defendem a suspensão da Rússia do Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas. Por sua vez, o conselheiro de Segurança da Casa Branca, Jake Sullivan, declarou que Washington e aliados anunciarão ainda "esta semana" novas sanções financeiras contra Moscou, que devem se focar no setor de energia.

Segundo a Procuradoria-Geral da Ucrânia, 410 corpos foram encontrados jogados nas ruas de Bucha, cidade situada a 30km do centro de Kiev, depois da retirada das tropas da Rússia. Pouco antes da declaração de Biden, Bucha recebeu a visita de Volodymyr Zelensky e de uma comitiva de parlamentares, além de jornalistas. O presidente da Ucrânia ficou visivelmente transtornado ao observar os rastros de destruição e de mortes na localidade. Zelensky cobrou da comunidade internacional o reconhecimento de um "genocídio" supostamente promovido pelas tropas de Putin.

"São crimes de guerra e serão reconhecidos pelo mundo como genocídio. (...) Sabemos que milhares de pessoas foram mortas e torturadas, com os membros decepados. Mulheres, estupradas, e crianças, assassinadas. Corpos foram encontrados em barris e porões, estrangulados e torturados", disse o líder. Hoje, Zelensky falará ao Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), reunido para debater Bucha. Não ficou claro se o discurso será ao vivo ou gravado. Em retaliação aos incidentes em Bucha, a França expulsou 35 diplomatas russos, e a Alemanha, 40.

Ontem, cinco cadáveres do sexo masculino foram achados no porão de um hospital infantil. A procuradoria informou que eles tinham as mãos amarradas. Sem dar detalhes, a procuradora-geral ucraniana, Iryna Venediktova, assegurou que a situação é pior em Borodyanka, cidade de 13 mil habitantes a 23km de Bucha. Imagens de satélite divulgadas ontem mostram uma vala comum junto a uma igreja, em Bucha. O prefeito Anatoly Fedoruk disse à agência France-Presse que 280 corpos foram sepultados em covas coletivas.

O embaixador da Rússia na ONU, Vasily Nebenzya, acusou a Ucrânia de montar uma encenação em Bucha e de forjar o massacre. "Os líderes ocidentais já se alinharam para promover a falsa narrativa", disse. O diplomata falou em "provocação perversa dos radicais ucranianos". 

A ativista Oleksandra Matviichuk, do Centro para Liberdades Civis (em Kiev), revelou ao Correio que a ONG recebeu dezenas de denúncias de moradores de Bucha, Irpin e Marakiv, além de vilarejos no entorno da capital, antes mesmo da saída das tropas russas dessas regiões. "Algumas pessoas conseguiram fugir dessas áreas e nos contaram sobre desaparecimentos forçados, violência física e assassinatos de civis. Quando vi as fotos e os vídeos de cadáveres jogados nas ruas, com as mãos amarradas às costas, fiquei em choque. Não estava preparada para isso."

Mercenários

Oleksandra adverte que as violações vistas em Bucha se repetem, neste momento, em cidades tomadas pelos soldados de Putin. "A questão não é como documentar os crimes de guerra, mas como pará-los. Precisamos de uma ação preventiva eficaz por parte da comunidade internacional. Precisamos de armas e de sanções mais duras", comentou. A ativista explicou que pretende ir, hoje, a Borodyanka. Segundo ela, a cidade está tomada por mercenários chechenos.

Refugiada na República Tcheca depois de fugir de Bucha, onde morava, a economista Inna Sheremet, 42 anos, desabafou à reportagem: "Estou muito mal, chorando e em choque". "Os russos assassinaram o meu vizinho, que molhava as flores do meu jardim. Meus amigos estão recolhendo corpos. Ninguém tem mais lágrimas. Apenas um grito mudo e horror nos olhos." Inna rejeita a versão russa sobre conspiração da Ucrânia. "A Rússia é uma nação mentirosa. Não se pode crer em uma palavra deles." 

O jornalista freelancer britânico-libanês Oz Katerji tinha acabado de chegar de Bucha, quando falou ao Correio, por telefone. "Eu vi uma imensa coletiva no meio da cidade, com um número não determinado de cadáveres. Por todos os lados, havia evidências de violência indiscriminada contra civis. Também vi uma idosa de 95 anos, morta dentro da própria casa. Os russos saquearam o imóvel."

Katerji disse ter conversado com testemunhas. "Eles contaram ter visto soldados executarem civis. Se o mundo fracassar em punir Putin, crimes de guerra serão normalizados para cada regime que se voltar contra seu povo ou contra nações vizinhas."

A Casa Branca alertou que os russos se reposicionam para concentrar a ofensiva no leste e em partes do sul da Ucrânia.

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  • Cova coletiva em Bucha, a 30km de Kiev: pelo menos 280 corpos
    Cova coletiva em Bucha, a 30km de Kiev: pelo menos 280 corpos Foto: Oz Katerji/Divulgação
  • Vasily Nebenzya, embaixador da Rússia na ONU:
    Vasily Nebenzya, embaixador da Rússia na ONU: "encenação" Foto: Spencer Platt/Getty Images/AFP

"Eles não viam pão havia 30 dias"

"Você já viu um homem pular longe quando ouve a porta de um carro fechar? Vi isso acontecer em Bucha, ao visitar meus pais, no domingo. Os moradores de lá não quiseram falar sobre como sobreviveram. Apenas disseram que estavam felizes em ver as tropas ucranianas e rezavam para que os fascistas não voltassem. Algumas pessoas me pediram um pedaço de pão, o que eles não viam havia 30 dias. Um menino ficou tão feliz ao ganhar uma caixa de doces que parecia um homem depois de comprar uma Mercedes. 

As pessoas me perguntavam: 'Você tem mais arenque (peixe)? Posso comer mais? Você tem comida enlatada?'. Elas tiravam água de um poço, turva e intragável. Os fascistas deixaram pelo caminho muitos cadáveres de civis. Muitos lugares estão minados. Apartamentos foram saqueados e revirados."

Ucraniano que visitou os pais em Bucha, no domingo. Depoimento ao Correio

 

Desespero de mãe

 (crédito: Instagram/Reprodução)
crédito: Instagram/Reprodução

As mães ucranianas recorrem a estratégias desesperadoras para assegurar que seus filhos tenham um futuro em um ambiente de carinho e amor, caso sejam mortas durante bombardeio ou alvejadas por soldados russos. Elas escrevem o nome da criança, a data de nascimento e os telefones de contatos de familiares, a quem caberá educar e criar os pequenos, caso o pior aconteça aos pais. A foto mostra Vira, de apenas 2 anos, com as costas riscadas. "Escrevi com as mãos tremendo muito. Vocês sabem como é acordar com o som de poderosas explosões a dezenas de quilômetros?", escreveu a mãe, no Instagram.

Eu acho...

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

"O governo da Rússia tem cometido crimes de guerra na Síria, na Geórgia, Chechênia e Ucrânia há décadas. Os russosnegam, em um primeiro momento, todos os crimes de guerra e crimes contra a humanidade que cometem. Depois, culpam as vítimas. Os russos mentem todas as vezes que assassinam alguém. O mundo precisa ter ciência desse jogo. Basta! Chega de mentiras russas! Eu vi as covas coletivas com os meus próprios olhos! Essas pessoas foram assassinadas pelo governo russo. É simples assim!"

Oz Katerji, jornalista freelancer que visitou Bucha, segunda-feira (4/4)

"O que aconteceu em Bucha foi um genocídio. Voltarei a viver em Bucha, apesar de haver dor nas ruas da minha cidade. Pessoas foram brutalmente torturadas e assassinadas. Elas só queriam viver em suas terras, e esses canalhas as mataram. Que o mundo veja o câncer que destrói o centro da Europa, rápida e brutalmente." 

Inna Sheremet, 42 anos, moradora de Bucha, hoje refugiada em Praga (República Tcheca)

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