Guerra no leste europeu

Rússia vê risco "real" de a guerra na Ucrânia virar um conflito global

Chanceler Serguei Lavrov alerta que não se pode subestimar o perigo de o confronto se espalhar. Secretário de Defesa americano diz que os EUA querem o enfraquecimento militar de Moscou. Reino Unido avalia em 15 mil o número de soldados russos mortos

Rodrigo Craveiro
postado em 26/04/2022 06:00 / atualizado em 26/04/2022 06:03
 (crédito: Yasuyoshi China/AFP)
(crédito: Yasuyoshi China/AFP)

Horas depois de visitar Kiev e de se reunir com o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, o secretário de Defesa norte-americano, Lloyd Austin, deu uma declaração que foi interpretada como indicativo da estratégia dos Estados Unidos para o conflito no leste da Europa. "Nós queremos ver a Rússia enfraquecida a ponto de não poder fazer o tipo de coisas que fez ao invadir a Ucrânia", afirmou Austin, acompanhado do secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, em entrevista no lado polonês da fronteira ucraniana. Eles anunciaram ajuda militar adicional de US$ 322 milhões (ou R$ 1,5 bilhão) à Ucrânia.

No mesmo dia, Moscou acusou Kiev de atacar a aldeia de Juravliovka, em território da Rússia, ferindo dois civis. O chanceler russo, Serguei Lavrov, advertiu que "o perigo" de uma Terceira Guerra  Mundial "é real e não se pode subestimá-lo". Ele avisou que a ajuda à Ucrânia significa que a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) "está, em essência, engajada em uma guerra contra a Rússia". Lavrov também disse que as armas ocidentais são "alvos legítimos". Os EUA, a França, a República Tcheca e outros aliados estão mandando dezenas de projéteis de artilharia de longo alcance à Ucrânia.

Zelensky assegurou que a vitória ucraniana é "inevitável". "Muitas cidades estão sob controle temporário do Exército russo. Não tenho dúvidas de que é uma questão de tempo até liberarmos nossa terra." Ben Wallace, ministro da Defesa britânico, estima em 15 mil o número de soldados russos mortos em combate.  

Diretor da ONG Eurasia Democracy Initiative, em Kiev, Peter Zalmayev disse que os EUA têm agravado a retórica bélica e admitem o desejo de verem a derrota da Rússia. "É bem próximo a uma declaração de guerra", afirmou ao Correio. Segundo ele, as sanções financeiras começam a impactar a invasão à ex-república soviética. "Os russos não querem travar uma batalha pela ocupação de Mariupol, que pode ter custo muito alto. Sabem que a Otan está unida contra eles."

Zalmayev minimiza a ameaça moscovita. "Os generais e diplomatas russos, entre eles Lavrov, estão desesperados para fornecer retórica triunfante. Uma guerra mundial pode ou não ocorrer. Existe um risco, mas a Rússia travaria esse 'conflito mundial' por conta própria. O perigo maior repousa sobre Moscou."

Anton Suslov — especialista da Escola de Análise Política, em Kiev — avalia que as declarações das autoridades russas são quase inócuas e alvejam a opinião pública interna. "A Rússia quer assustar a Ucrânia. Ela entende somente a linguagem das armas. As principais forças do Exército da Rússia se concentram na fronteira entre os dois países, o que torna a abertura de nova frente algo irracional", disse à reportagem. 

Oleksandr Pogrebyskyi, sargento do batalhão de voluntários "Irmãos em Armas", viajará de Kiev ao leste do país para combater os russos. Ele crê que Putin está ciente de uma derrota. "Por isso, Moscou busca ameaçar o mundo a não ajudar a Ucrânia. É preciso reforçar as sanções, para que a Rússia não implemente as ameaças", admitiu ao Correio.  

Combates

Odesa, cidade portuária às margens do Mar Negro, sofreu bombardeios intensos pelo terceiro dia consecutivo, desde que a Rússia anunciou o desejo de capturar o sul e criar um corredor entre a região do Donbass (leste) e a Crimeia, península anexada em 2014. Abrigada com a irmã e a mãe em um apartamento, Karyna Lohvynenko, 17 anos, precisa se refugiar na garagem subterrânea sempre que as sirenes antiaéreas soam. "Os últimos três dias foram muito difíceis. As sirenes tocam com intervalos de poucas horas. De repente, foguetes começam a voar sobre a cidade. É muito assustador, fico sem saber o que fazer. Sei que preciso correr, mas para onde?", desabafou ao Correio.

Karyna vivia em Oleshky, na região de Kherson (sul), ocupada pela Rússia. "Desde o primeiro dia da guerra até 6 de abril, quando fugimos, passávamos as noites no porão de uma loja. Caças sobrevoavam Oleshky todos os dias, escutávamos os tanques e as rajadas de metralhadoras. Meu amigo foi morto pelos russos, ontem (domingo), sobre a Ponte Antonovsky. Era militar. A ambulância tentou salvá-lo e foi fuzilada." Ontem, os russos bombardearam cinco estações ferroviárias nas cidades de Khmerynka e Koziatyn, na região de Vinnytsia (centro-oeste).

Eu acho...

Karyna Lohvynenko, 17 anos, refugiada em Odesa (sudoeste da Ucrânia)
Karyna Lohvynenko, 17 anos, refugiada em Odesa (sudoeste da Ucrânia) (foto: Arquivo pessoal )

"Eu vivia em Oleshky, na região ocupada de Kherson (sul). Minha mãe, minha irmã e eu fugimos de lá em 6 de abril. Depois de passarmos os postos de controle russos, chegamos a uma base montada pelos ucranianos. Chorei. Pela primeira vez em um mês, me senti segura. Estamos incrivelmente orgulhosos de nosso exército e do fato de termos defensores tão corajosos, além de voluntários que ajudam a encontrar apartamentos e trazem ajuda humanitária."

Karyna Lohvynenko, 17 anos, refugiada em Odesa (sudoeste da Ucrânia)

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

  • Morador de Bucha observa sua casa destruída por míssil, depois de retornar à cidade, antes ocupada pelos russos
    Morador de Bucha observa sua casa destruída por míssil, depois de retornar à cidade, antes ocupada pelos russos Foto: Sergei Supinsky/AFP
  • Karyna Lohvynenko, 17 anos, refugiada em Odesa (sudoeste da Ucrânia)
    Karyna Lohvynenko, 17 anos, refugiada em Odesa (sudoeste da Ucrânia) Foto: Arquivo pessoal

Três perguntas para

 (crédito: Arquivo pessoal)
crédito: Arquivo pessoal

Oleksandr Pogrebyskyi, sargento do batalhão de voluntários "Irmãos em Armas", fundador do 206º Batalhão de Defesa Antiterror (em Kiev) e deputado do Conselho Municipal de Kiev 

Como o senhor vê a meta dos EUA de enfraquecer militarmente a Rússia?

É possível. As tropas da Rússia estão perdendo muito de sua eficácia de combate. A maioria das unidades prontas para o combate das Forças Armadas da Rússia está envolvida na guerra desde 24 de fevereiro. A maioria perdeu a capacidade de combate, graças à destruição de equipamentos e às baixas, especialmente em Kiev. A Rússia teve que atrair mercenários da Síria e da Chechênia para a Ucrânia, mas muitos deles estão mortos.

Os russos estão perdendo a batalha?

Desde o começo da guerra, eu não apenas acreditei na derrota da Rússia. Eu sabia que era isso que eles teriam. A Ucrânia tem Forças Armadas poderosas e motivadas, e um povo igualmente forte, que para os tanques de mãos vazias. A Rússia tem perdido em eficácia de combate e em estabilidade econômica, devido às sanções econômicas. Somos gratos pelos aliados ocidentais. Moscou perdeu oito de seus generais na guerra contra a Ucrânia. Putin começou uma "caça às bruxas" entre a liderança do Exército, o que sempre tem efeito negativo no front. Se falarmos de erros de cálculos estratégicos, o governo russo e o Exército tornaram-se vítimas de sua própria propaganda...

Por que a tomada de Kiev não se concretizou?

Os soldados russos foram incapazes de invadir Kiev porque as Forças Armadas da Ucrânia são mais fortes. O Exército russo estava convencido de que, quando entrasse na região de Kiev com comboios militares, seria recebido com flores. Eles não estavam prontos para a resistência forte. Quando a sentiram, sofreram pesadas baixas. Perceberam que estavam cercados e que os suprimentos de combustível, comida e munição estavam acabando. Então, começaram a recuar para Belarus.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação