Guerra no leste europeu

Rússia passa a controlar grande parte de cidade-chave da Ucrânia

Forças de Moscou dominam 70% da área de Severodonetk, na região do Donbass, e destróem 90% das casas. Conquista é crucial para a tomada do território de Luhansk, no leste. Bombardeio atinge indústria química e afeta tanque de ácido nítrico

Rodrigo Craveiro
postado em 01/06/2022 06:00
 (crédito: Serhiy Hayday/Facebook)
(crédito: Serhiy Hayday/Facebook)

Em um importante avanço militar no Donbass, região do leste da Ucrânia controlada parcialmente pelas forças separatistas pró-Moscou, as tropas russas dominam a maior parte da cidade de Severodonestk, que foi praticamente dividida ao meio. Em entrevista ao Correio, por meio do WhatsApp, Serhiy Hayday (leia Duas perguntas para) — chefe da administração militar da região de Luhansk — confirmou que as tropas russas controlam 70% de Severodonetsk. "A cidade não se rendeu, e os combates de rua continuam. Mas a infraestrutura crítica está completamente destruída. A cidade não tem água, gás, eletricidade ou comunicações por meio do celular. Eu diria que 90% da área residencial foram destruídos, e 60% das casas não podem mais ser recuperados", comentou. Segundo ele, cerca de 15 mil dos 150 mil habitantes de Severodonetsk e de vilarejos vizinhos não fugiram e estão escondidos.

Com a vizinha Lysychansk, na outra margem do Rio Donets, Severodonetsk está localizada a apenas 80km de Kramatorsk, a capital administrativa do Donbass sob controle de Kiev. "Hoje (ontem), os russos atacaram uma indústria química em Severodonetsk. Um projétil atingiu um tanque com os restos de ácido nítrico. No entanto, não existe ameaça para a população", disse Hayday.

O chefe da administração militar de Luhansk explicou que havia resíduos da substância dentro do tanque. "O perigo se resumiu a um raio de 400m. Praticamente não havia pessoas nas ruas. Caso houvesse, elas sentiriam um leve desconforto em forma de irritação de mucosas. Mas não existia uma ameaça letal", acrescentou.  

Vitória

Especialista da Escola de Análise Política (naUKMA), em Kiev, Anton Suslov explicou à reportagem que Severodonetsk é considerada crucial, sob os pontos de vista simbólico e estratégico. "Ela se tornou o centro administrativo de Luhansk, depois que a região foi ocupada, em 2014. Severodonetsk é a principal cidade da região e local de moradia e de trabalho de todas as autoridades regionais", lembrou. Moscou pretende anexar o Donbass, formado pelos terrriórios de Luhansk e de Donetsk. Os soldados russos dominam 95% da área de Luhansk. "É obvio que eles precisam fortemente de qualquer vitória no front, depois do fracasso em capturar Kiev. A situação no Donbass prova a necessidade de a Ucrânia receber suprimentos militares do Ocidente não em questão de semanas ou meses, mas agora. Cada momento de indecisão dos parceiros internacionais tem o mais alto preço — a vida dos cidadãos ucranianos", concluiu Suslov. 

Por sua vez, Olexiy Haran, professor de política comparativa da Universidade Nacional de Kiev-Mohyla, disse que, até recentemente, os ucranianos controlavam apenas 10% de Luhansk, incluindo as cidades de Severodonestk e de Lysychansk. "Se os russos conseguirem capturá-las, poderão declarar que a região de Luhansk foi 'liberada'. Seria uma espécie de vitória simbólica. Mas os ucranianos ainda controlam a maior parte de Donetsk. A situação em Severodonetsk talvez exija um recuo dos soldados ucranianos. No entanto, o controle total sobre a cidade não implica em que as forças da Ucrânia tenham sido esmagadas. Apesar de imensas perdas, a defesa ucraniana segue ativa", avaliou ao Correio. 

O ataque de ontem ao tanque de ácido nítrico causou alerta à população. "Não saiam dos abrigos. (O composto) É perigoso, caso inalado", recomendaram autoridades de Severodonetsk aos moradores. Serhiy Hayday publicou, no Telegram e em sua página do Facebook, fotografias de uma imensa coluna avermelhada subindo ao céu. O ácido nítrico, se absorvido pelo organismo, pode provocar lesões pulmonares  ou perda de visão. 

Crimes de guerra

A procuradora-geral da Ucrânia, Iryna Venediktova, revelou que a Justiça do país identificou 15 mil casos de crimes de guerra no Donbass desde 24 de fevereiro, data do início da invasão russa. Iryna citou torturas, assassinatos, destruição de infraestrutura civil e remoção forçada de pessoas. Ao ser questionado pelo Correio sobre crimes de guerra registrados pelas próprias autoridades locais, Hayday disse não dispor de tal informação. "Há combates nas ruas, não temos tempo para fazer esse levantamento. Nossos defensores tentam expulsar os invasores de Severodonestk."

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Duas perguntas para...

Serhiy Hayday, chefe da administração militar da região de Luhansk

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Qual é a situação humanitária dos moradores de Severodonetsk?

Neste momento, não temos a oportunidade de levar adiante uma retirada de moradores. Não é algo seguro. As estradas estão sendo bombardeadas. Também não podemos trazer qualquer tipo de ajuda humanitária à cidade. Até agora, as pessoas recebem tudo o que precisam, pois tínhamos estocado suprimentos no centro humanitário. Nós aconselhamos os moradores a não abandonarem os abrigos. Pessoas têm sido mortas todos os dias em Severodonetsk. Há casos em que elas saem para cozinhar sua própria comida em fogueiras e são atingidas pelos bombardeios. Dias atrás, um carro com voluntários foi alvejado. Eles ficaram feridos e nós conseguimos levá-los a um hospital, em outra região da Ucrânia. Também perdemos três médicos, apenas a ambulância destruída foi encontrada. Os corpos não estavam lá. Esperamos que esses médicos ainda estejam vivos. 

Caso as forças russas controlem a cidade totalmente, isso poderia levar a uma rápida queda do Donbass?

Não. Sob o ponto de vista militar, a cidade de Lisichansk — a 10km de Severodonetsk — é mais lucrativa para os russos. Não vale a pena dizer adeus a Severodonetsk agora, pois a situação pode mudar. As Forças Armadas da Ucrânia estão prontas para defender a cidade até o fim e para expulsar os russos para fora da cidade.

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