Estados Unidos

Ketanji Brown toma posse como a primeira juíza negra na Suprema Corte dos EUA

Ketanji Brown Jackson toma posse como a 116ª integrante da Suprema Corte e a primeira juíza negra a ocupar o cargo desde a criação da instituição, em 1789. Conservadores mantêm a maioria na casa, com seis membros contra três progressistas

Rodrigo Craveiro
postado em 01/07/2022 06:00
 (crédito: Suprema Corte dos EUA/AFP)
(crédito: Suprema Corte dos EUA/AFP)

A história foi feita no coração de Washington, capital dos Estados Unidos. Pouco depois de se tornar a 116ª magistrada da Suprema Corte dos Estados Unidos e a primeira mulher negra a vestir a toga da mais alta instância do Judiciário, Ketanji Brown Jackson, 51 anos, externou sua gratidão pela oportunidade. "Com todo o coração, aceito solenemente a responsabilidade de apoiar e defender a Constituição dos Estados Unidos e de administrar a justiça sem medo ou favor. Que Deus me ajude. Sou verdadeiramente grata por ser parte da promessa de nossa grande Nação", afirmou. "Com o apoio de minha família e amigos, e sempre consciente do dever de promover o Estado de Direito, estou bem posicionada para servir ao povo americano."

Dos nove membros da Suprema Corte, cinco são homens e quatro mulheres — sete brancos e dois negros, Clarence Thomas e Ketanji Brown Jackson. Em relação à composição ideológica, os conservadores formam a maioria sobre os progressistas: seis contra três. Ketanji chegou à Sala de Conferência dos Juízes acompanhada do marido, Patrick Jackson, e das filhas, Talia e Leila. Trajava um vestido azul escuro, usava salto baixo e ostentava um sorriso largo. O chefe da Suprema Corte, John G. Roberts Jr., recebeu a mais nova magistrada e administrou-lhe o Juramento Constitucional.

"Está preparada para tomar o juramento?", perguntou Roberts. "Sim, estou", respondeu Jackson. Com a mão esquerda sobre dois exemplares da Bíblia segurados pelo marido, ela repetiu os termos do documento: "Eu, Ketanji Brown Jackson, juro que apoiarei e defenderei a Constituição dos EUA contra todos os inimigos, externos e domésticos."

O juiz aposentado Stephen Breyer, a quem Ketanji substituirá, comandou o Juramento Judicial. "Juro solenemente administrar a justiça, respeitar as pessoas e igualar os direitos para os ricos e para os pobres", repetiu a juíza, no início do segundo juramento. "Todos os membros da Suprema Corte, por favor, recebam a juíza Jackson na Corte e como nossa colega em comum", pediu Roberts, atraindo aplausos. 

O presidente dos EUA, Joe Biden, responsável pela indicação da magistrada, prestou duas homenagens a Ketanji. Em comunicado à imprensa, o líder democrata afirmou que "o juramento histórico representa um profundo passo adiante para a nossa nação, para todas as jovens, as garotas negras, que agora se veem refletidas em nossa mais alta Corte e para todos nós, americanos". "A Suprema Corte acaba de ganhar uma colega com intelecto de classe mundial, com o temperamento digno que o povo americano espera de um juiz e com as credenciais mais fortes imagináveis", acrescentou, ao destacar que Jackson é a personificação do trabalho duro, da graça e da perseverança. Pouco depois, no Twitter, ele garantiu que "teria dificuldade em encontrar alguém mais qualificado para o trabalho".

Por sua vez, a vice-presidente, Kamala Harris, publicou um vídeo em que ambas aparecem sorridentes. "Bem-vinda à Suprema Corte, juíza Ketanji Brown Jackson. Você inspirará gerações de líderes. Os jovens de nossa nação aprenderão com a experiência, o julgamento e a sabedoria que aplicará em cada caso que surgir diante de você", escreveu.

"Ataque cruel"

Nancy Pelosi, líder da bancada democrata na Câmara dos Representantes (Deputados), fez menção ao avanço da pauta conservadora na Suprema Corte. "Enquanto a juíza Ketanji Brown Jackson toma seu assento, nossa nação dá um passo histórico em direção à realização de nossos mais altos ideais", declarou Pelosi. "Em meio ao ataque cruel deste tribunal à saúde, à liberdade e à segurança dos americanos, ela será uma força muito necessária para a igualdade de justiça para todos", disse ela. Nos últimos dias, o alto tribunal ampliou o direito dos civis de portarem armas, eliminou o direito federal ao aborto e, ontem, limitou o poder do governo de combater os gases causadores do efeito estufa.

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Biden sofre derrota no clima e vitória na imigração

 (crédito: MARK WILSON)
crédito: MARK WILSON

No dia em que a primeira juíza negra da história foi empossada, a Suprema Corte tomou duas decisões de impactos contrários para o governo do democrata Joe Biden. Na área do combate às mudanças climáticas, por seis votos a três, a máxima instância do Judiciário determinou que a Agência de Proteção Ambiental (EPA, pela sigla em inglês) não poderá emitir regras gerais para regular as emissões de usinas a carvão — responsáveis por quase 20% da eletricidade dos Estados Unidos.

No campo da política imigratória, por cinco votos a quatro, os magistrados autorizaram Biden a pôr fim ao programa "Fique no México". Criado na gestão do republicano Donald Trump, ele enviava de volta ao México os solicitantes de asilo, que eram obrigados a aguardar, no país vizinho, a apreciação de seu caso pelos tribunais. 

"A decisão da Suprema Corte (sobre a EPA) é mais uma devastadora, que visa levar o nosso país para trás. Embora essa decisão arrisque prejudicar a capacidade de nossa nação de manter nosso ar limpo e combater as mudanças climáticas, não cederei em usar minhas autoridades legais para proteger a saúde pública e enfrentar a crise climática", declarou Biden. "Meu governo continuará a usar a autoridade executiva legal (...) para manter o nosso ar limpo, para proteger a saúde pública e para enfrentar a crise climática."

Professor de engenharia civil e ambiental da Universidade Rice, em Houston (Texas), Daniel Cohan explicou ao Correio que a decisão da Suprema Corte elimina uma opção já descartada sobre como a EPA poderia ter regulado as emissões das usinas de energia. "Mas, não tira a capacidade da agência de regular emissões de outros setores ou veículos, ou de promulgar regras mais tradicionais para as usinas", explicou. "É ainda mais importante que Biden e o Congresso atuem para promover a energia limpa."

Cohan destaca que a resolução do Judiciário não muda a autoridade da EPA sobre as emissões dos gases de automóveis e indústrias que não sejam usinas de energia. "Permanece essencial que o governo Biden e o Congresso acelerem a transição para alternativas mais limpas de veículos, manufaturas e agricultura. De qualquer forma, as emissões de usinas de energia já estão em declínio mais rápido do que o Plano de Energia Limpa previa. A EPA, a Casa Branca e o Congresso têm muitas opções para acelerar essa tendência", disse o especialista, para quem Biden sofre uma "derrota estreita".

Ex-procurador-geral assistente interino que trabalhou no caso durante o governo de Donald Trump, Jonathan Brightbill admitiu ao Correio, por e-mail, que considera a decisão uma "vitória pessoal". "Ficou definido que a EPA não tem autoridade legal para promover um novo e abrangente programa para limitar gases de efeito estufa por meio de uma disposição anteriormente obscura e pouco usada da Lei do Ar Limpo", afirmou. O advogado reforça que grande parte do programa regulatório da EPA não será afetado. "No entanto, pode haver impacto na abordagem do governo Biden para reduzir as emissões de gases do efeito estufa", acrescentou Brightbill. Isso porque, segundo ele, reguladores econômicos serão obrigados a pensar mais sobre a implementação de programas de mudança climática. 

"Fique no México"

Até o fechamento desta edição, Biden não havia se pronunciado sobre o fim do programa "Fique no México" — parte da política linha-dura implementada por Trump. Professor de práticas de leis de imigração da Universidade de Cornell (em Ithaca, Nova York), Stephen Yale-Loehr disse à reportagem que a decisão é importante porque reafirma que os tribunais não devem adivinhar o que as agências governamentais pretendem fazer em relação à política imigratória. "Vale destacar que o caso não acabou. A Suprema Corte acionou o tribunal de primeira instância para determinar se o governo Biden seguiu os procedimentos corretos para encerrar o programa 'Fique no México'", alertou. 

Yale-Loehr reconhece um triunfo político para Biden, depois de a Justiça entender que o presidente tem a autoridade legal para pôr fim ao programa. "No entanto, a batalha não acabou. O governo no Texas processará novamente nos tribunais inferiores para tentar restabelecer a política no México por outros motivos."

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