Estados Unidos

Trump vê retorno à Casa Branca ameaçado por investigação parlamentar

Comitê investiga a invasão ao Capitólio. Deputados acusam o ex-presidente de incitar insurreição. Especialistas avaliam riscos de condenação

Rodrigo Craveiro
postado em 24/07/2022 07:00
 (crédito: Al-Drago/Getty Images/AFP)
(crédito: Al-Drago/Getty Images/AFP)

Donald Trump quer voltar à Casa Branca, em 2024. Na terça-feira, o ex-presidente republicano desembarcará em Washington para "um grande discurso político". Será a primeira vez que o magnata retornará à capital dos Estados Unidos desde 20 de janeiro de 2021, quando embarcou rumo à Flórida sem entregar a faixa presidencial ao democrata Joe Biden. O futuro de Trump, no entanto, é uma incógnita. O comitê de investigação sobre a invasão ao Capitólio, instalado pela Câmara dos Representantes, atribui ao ex-líder uma série de crimes, como incitação à insurreição de simpatizantes e de milícias da extrema-direita, e inação ante o caos que provocou cinco mortes em 6 de janeiro do ano passado.

Autor de Nixon's shadow: The history of an image ("A sombra de Nixon: A história de uma imagem") e professor de jornalismo e de história política dos Estados Unidos pela University Rutgers (em Nova Brunswick, Nova Jersey), David Greenberg afirmou ao Correio que acusações criminais contra Trump "não estão fora de questão". "O fato de o Departamento de Justiça coletar os telefones de funcionários importantes do governo Trump sugere que um caso está sendo preparado contra o ex-presidente. O comitê investigador da Câmara dos Representantes claramente pretende que Trump seja incluído nele", observou. 

Para Greenberg, a suposta inação de Trump em conter os invasores do Capitólio e a sua recusa em reconhecer a derrota apontam paralelos com o caso Watergate, que levou à renúncia do presidente Richard Nixon, em 9 de agosto de 1974, após o escândalo de escutas clandestinas na sede do Partido Democrata, em Washington. "Nixon disse, certa vez, sobre Watergate: 'Se o presidente faz isso, significa que não é ilegal'. Ele se via no direito de fazer o que achasse necessário para alcançar suas metas. Trump operou da mesma forma. Ambos acreditavam que não havia limites legítimos para o uso de seus poderes presidenciais. A diferença era que, em 1974, havia republicanos suficientes que viam Nixon como um perigo à república e estavam prontos para removê-lo. Quando Trump surgiu, os republicanos não estavam mais dispostos a romper fileiras e, por isso, salvaram o presidente do impeachment por duas vezes."

Gravidade

Também especialista em Watergate, Ken Hughes — professor do Centro Miller de Assuntos Públicos da Universidade da Virgínia — ressalta que as audiências do comitê da Câmara têm sido dominadas por testemunhos de pessoas que fizeram parte do próprio governo Trump. "Os depoimentos estabeleceram que a ilegalidade vista em 6 de janeiro foi liderada e inflamada pelo presidente derrotado, em uma tentativa de se manter no poder, mesmo contra o desejo da maioria dos eleitores. As evidências que eles trouxeram à luz tornam mais provável que Trump enfrente punições criminais, e que ele mereça ser processado com toda a extensão e o rigor da lei", disse à reportagem.

Hughes considera que as ações de Trump foram mais "descaradas" do que as de Nixon. "As tentativas de Nixon de subverter o processo democrático foram sutis e secretas. Trump, por sua vez, carece de sutileza. Os Estados Unidos têm sorte de que a falta de compromisso de Trump com a nossa Constituição seja acompanhada por sua falta de habilidade em miná-la", avaliou. O historiador político James Naylor Green, da Universidade Brown (em Rhode Island), admite que as "provas contra Trump são tão evidentes e claras, que indicam uma condenação". "Ele deve ser condenado por incentivar a violação dos direitos democráticos, a invasão ao Capitólio e a promoção de uma insurreição contra o Estado", disse. Ele espera mais evidências capazes de intensificar a pressão sobre o procurador-geral Merrick Garland, para que leve adiante uma acusação. "As últimas revelações incentivarão os investigadores a obterem mais informações contra o republicano."

Dúvida

Por sua vez, Asher D. Hildrebrand, professor de políticas públicas da Universidade Duke (em Durham, Carolina do Norte) e funcionário por 15 anos em gabinetes do Capitólio, elogia a investigação dos congressistas, mas põe em dúvida uma punição contra Trump. "O trabalho do comitê foi tão convincente que seria chocante, em certo sentido, que o Departamento de Justiça nada faça. Parece óbvio que, no mínimo, o ex-presidente conspirou para fraudar o povo americano, ao tentar anular os resultados da eleição e ao conspirar para obstruir procedimentos oficiais durante a contagem de votos. Agora, parece provável que ele também tenha cometido crimes mais graves, possivelmente conspiração sediciosa e incitação à insurreição", advertiu, por e-mail.

No entanto, Hildebrand lembra que a imposição de acusações criminais, por parte do Departamento de Justiça, contra um ex-presidente é uma decisão tanto política quanto legal. O estudioso afirma que a decisão cabe a Garland. "É claro que o Departamento de Justiça não é a única agência de aplicação da lei a investigar Trump. Um indiciamento por crimes eleitorais no estado da Geórgia pode ser mais provável no curto prazo."

Ainda segundo Hildebrand, o vídeo em que não queria admitir que a eleição acabou não apenas ofereceu "uma janela impressionante" de seu estado de espírito, como mais provas sobre suas decisão em 6 de janeiro de 2021. Ao concluir a audiência da última quinta-feira, Liz Cheney, a deputada republicana fez um alerta à nação: "Donald Trump fez uma escolha proposital de violar seu juramento de posse. (...) Não podemos abandonar a verdade e permanecermos como um país livre".

 

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

HIPERFOTO - "Não quero dizer que a eleição acabou"

 (crédito: Al-Drago/Getty Images/AFP)
crédito: Al-Drago/Getty Images/AFP

A frase acima foi proferida pelo então presidente Donald Trump, em 7 de janeiro de 2021, um dia depois de seus simpatizantes invadirem o Capitólio. Ela faz parte de um vídeo no qual o republicano tenta gravar um pronunciamento à nação. "Gostaria de começar abordando o hediondo ataque de ontem", disse Trump, antes de fazer uma pausa. "Para aqueles que infringiram a lei, vocês vão pagar. Vocês não representam nosso movimento, vocês não representam nosso país. E se vocês infringiram a lei..." Trump se interrompe, balança o dedo e a cabeça e desabafa: “Não posso dizer isso. Eu não vou… eu já disse 'vocês pagarão'". Mais adiante, o então presidente afirma: "Essa eleição já acabou; o Congresso certificou os resultados". Mais uma vez, ele se censura. "Não quero dizer que a eleição acabou. Só quero dizer que o Congresso certificou os resultados sem dizer que a eleição acabou, OK?". As imagens foram divulgadas, pela primeira vez, na noite da última quinta-feira, quando o comitê instalado pela Câmara dos Representantes para investigar o ataque ao Legislativo recapitulou os 187 minutos entre o discurso de Trump aos apoiadores e o vídeo em que o magnata lhes pedia que voltassem para casa, na tarde de 6 de janeiro de 2021, uma quarta-feira. 

Pontos de vista

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Por David Greenberg

Doutrinação fechada

"É muito difícil prever se os simpatizantes leais a Donald Trump serão influenciados pelas conclusões do comitê da Câmara. Para muitos norte-americanos, os eventos de 6 de janeiro de 2021 foram o bastante para convencê-los de que Trump nunca mais deveria ser presidente. Mas, para esses simpatizantes que conseguiram minimizar os incidentes de 6 de janeiro em suas próprias mentes, é difícil imaginar o que fará com que mudem de ideia. Há muitas evidências condenatórias por aí, mas elas precisam ser vistas com uma mente aberta." 

Autor de Nixon's shadow: The history of an image e professor de jornalismo e de história política norte-americana pela Rutgers University (Nova Jersey)

Por Ken Hughes

Poder acima da nação

"Trump destoou do que fizeram todos os candidatos presidenciais quando perdiam as eleições. Ele fracassou em aceitar a maioria e tentou colocar o seu desejo pelo poder acima da necessidade de um governo da maioria. Antes, candidatos derrotados colocaram o seu país à frente da própria ambição e instaram os eleitores a aceitarem a vontade da maioria. Trump semeou divisão, ao falsamente alegar vitória e ao tentar subverter os processos constitucionais. A maioria dos americanos rejeita Trump e sua recusa em respeitar os resultados das eleições."

Especialista em escândalo Watergate pelo

Centro Miller de Assuntos Públicos da

Universidade da Virgínia

Por James Naylor Green

Os crimes detalhados

"A negação dos resultados das eleições não é a conclusão-chave, até o momento, do comitê. O ponto principal, até o momento, é a maneira como os investigadores conseguiram mostrar todos os crimes cometidos por Trump, a começar pela grande mentira do discurso sobre a vitória e sobre supostas fraudes; as tentativas de ele mobilizar o Departamento de Justiça e de entregar listas de eleitores falsos; a mobilização dos simpatizantes. Para quem acompanha a situação no Brasil, parece que Bolsonaro copia o roteiro de Trump, o que é chocante."

Historiador político, brasilianista discípulo de Thomas Skidmore e professor da Universidade

Brown (em Rhode Island)

 Por Asher Hildebrand

Ataque à democracia 

"Ficou claro que a conduta de Trump durante a insurreição de 6 de janeiro não foi meramente um caso de 'abandono do dever'. Ele incitou a turba violenta a descer até o Capitólio; Trump queria muito se juntar a eles; também os elogiou por meio do Twitter e, conscientemente, se recusou a intervir, mesmo após as trágicas consequências de sua decisão. Isso não foi uma questão simplesmente de 'inação', mas de ação em apoio a um ataque violento contra a democracia norte-americana."

Professor de políticas públicas da Universidade Duke (em Durham, na Carolina do Norte). Trabalhou por 15 anos no Capitólio