Colômbia

Primeiro presidente de esquerda, Gustavo Petro será empossado na Colômbia

Ex-guerrilheiro Gustavo Petro fará história ao ser empossado como o 42º presidente do país e o único esquerdista. Francia Márquez assumirá como vice, a primeira mulher negra a ocupar o cargo. Analistas citam os principais desafios do novo governo

Rodrigo Craveiro
postado em 07/08/2022 06:00
 (crédito: Juan Barreto/AFP)
(crédito: Juan Barreto/AFP)

A Colômbia inicia, neste domingo (7/8), uma nova era, repleta de desafios e de expectativas. Pela primeira vez, a esquerda chega ao poder em um país que tenta cicatrizar as feridas de mais de meio século de conflito e implementar a paz. Às 15h de hoje (17h em Brasília), o ex-senador e ex-guerrilheiro Gustavo Petro, 62 anos, será empossado como o 42º presidente colombiano na Plaza de Bolívar, no centro de Bogotá, ante 100 mil pessoas e 10 mil membros das forças de segurança. Entre os chefes de Estado sul-americanos que confirmaram presença, estão Gabriel Boric (Chile), Guilhermo Lasso (Equador), Mario Abdo Benítez (Paraguai) e Alberto Fernández (Argentina). O Brasil estará representado pelo chanceler Carlos Alberto Franco França.

Além de Petro, também fará história Francia Márquez, a primeira mulher negra a ocupar o posto de vice. Após receber a faixa presidencial das mãos de Iván Duque, o novo ocupante do Palácio de Nariño tentará viabilizar uma agenda de governo marcada por transformações. 

No discurso da vitória, em 20 de junho, Petro anunciou uma "mudança de verdade" e jurou não trair o eleitorado. Chegou a falar em "política do amor". Por sua vez, Márquez discorreu sobre o que seria um "governo do povo, um governo dos 'ninguéns' da Colômbia", além de prometer justiça social.

Ontem, os povos indígenas, afrodescendentes e agricultores realizaram uma cerimônia simbólica, durante a qual "entregaram" o mandato presidencial a Petro. "Recebo com grande emoção este mandato popular e espiritual", disse ele, depois de um ritual ancestral em um parque central de Bogotá. Por meio de nota, as entidades e organizações sociais que promoveram o evento afirmaram que a cerimônia busca "harmonizar, desde a espiritualidade ancestral, o começo do novo ciclo na história dos povos colombianos".

Petro recebeu um documento com uma lista de demandas: paz nos territórios remotos, proteção das minorias, defesa dos direitos humanos, preservação do meio ambiente, reforma das forças armadas e mudanças na política antidrogas. Especialistas admitem que os 50 milhões de colombianos depositam esperança no novo governo, mas lembram que Petro e Márquez terão um trabalho árduo pelos próximos quatro anos. A Colômbia está castigada pela inflação (10,2%), pelo desemprego (11,7%) e pela pobreza (39%). Duque deixa o cargo, hoje, com aprovação de 44%. 

Expectativas

Magda Catalina Jiménez Jiménez, cientista política da Universidad Externado de Colombia (em Bogotá), afirmou ao Correio que os colombianos têm expectativas de que Petro implemente mudanças econômicas, principalmente no modelo de distribuição de renda e em melhorias no tema da desigualdade social. "Há outros assuntos-chave liberais de esquerda subjacentes, que estão atrasados no país, como a mobilidade social, a nova juventude urbana e uma classe média que necessita solidificar os valores do sistema político", disse. 

De acordo com Jiménez, o tema da paz também deverá se sobressair no governo Petro, assim como a capacidade econômica para levar adiante políticas setoriais públicas efetivas. "Os desafios de Petro são enormes. Primeiro, ele buscará conseguir uma boa governabilidade. Apesar do fato de que terá representatividade no Congresso, os legisladores nem sempre se mostram disciplinados. Por isso, haverá necessidade de formar uma coalizão de governo e de manter uma relação mais harmoniosa com o Legislativo", prevê. Ela acredita que Petro precisará trabalhar com a oposição e demonstrar que seu programa de governo não equivale ao de uma esquerda radical, como da Venezuela ou da Nicarágua. 

Outro desafio, segundo Jiménez, será implementar a paz, no âmbito de um governo que se posiciona como inclusivo frente às desigualdades étnicas, sociais, culturais e territoriais da Colômbia. Andrés Macías Tolosa, professor também da Universidad Externado de Colombia, disse à reportagem esperar que Petro realize mudanças cruciais no modo como se faz política e como se governa. "Isso foi sua bandeira de campanha e é a mensagem que pretende enviar com a chegada do primeiro governo de esquerda da Colômbia", explicou ao Correio. 

Tolosa afirmou que parte da população colombiana espera que a política econômica não sofra uma guinada radical à esquerda. "Evidencia-se uma situação de tensão na sociedade", reconheceu. Ele aposta que Gustavo Petro tentará uma revisão da política de segurança e defesa, algo sinalizado com a nomeação do novo ministro da Defesa, Iván Velásquez, que prometeu combater a corrupção do setor militar. "Petro deve remover a polícia do Ministério da Defesa e transferi-la para a pasta do Interior. Ele terá grande desafio na gestão fiscal, na obtenção de recursos. Uma reforma tributária similar à que Petro pensa agora provocou enormes protestos sociais, no passado", lembrou. 

Ainda segundo Tolosa, Petro precisará reduzir os índices de homicídio, que sofrem um aumento vertiginoso na Colômbia, e lidar com grupos ligados ao narcotráfico, como o Exército de Libertação Nacional (ELN) e o Cartel do Golfo. "Veremos se o presidente utilizará a força ou se abrirá um espaço legal para que eles se submetam à lei", afirmou. 

 

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"Mudança verdadeira"

Ernesto Samper Pizano

"O governo de Petro representa uma mudança verdadeira para a história da política colombiana. Não apenas pelo fato de um ex-guerrilheiro assumir o primeiro governo da Colômbia em dois séculos, mas porque o faz a partir de uma posição ideológica de esquerda que representará, entre outras transformações, a busca pela paz. 

O próprio Petro traçou os desafios para o primeiro ano de governo: levar adiante uma reforma tributária estrutural progressiva, que permita financiar um ambicioso programa de igualdade social, e uma reforma política para assegurar à oposição as garantias que não teve durante o governo de Iván Duque."

Presidente da Colômbia entre 1994 e 1998 e ex-secretário-geral da União de Nações Sul-Americanas (Unasul) em depoimento ao Correio.

 

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