Perigo

A vida de medo no Vale do Panjshir, no Afeganistão

"Desde que chegaram, as pessoas não se sentem seguras, estão com medo e não podem falar livremente", disse um estudante de 22 anos perto da cidade de Safid Cherer

Agência France-Presse
postado em 11/08/2022 10:07
 (crédito: Wakil KOHSAR / AFP)
(crédito: Wakil KOHSAR / AFP)

Bazarak, Afeganistão- No Vale do Panjshir, antigo reduto histórico da resistência aos talibãs que caiu nas mãos dos fundamentalistas islâmicos em setembro de 2021, os habitantes vivem com medo dos novos donos do Afeganistão, acusados de abusos.

"Desde que chegaram, as pessoas não se sentem seguras, estão com medo e não podem falar livremente", diz à AFP Amir*, um estudante de 22 anos perto da cidade de Safid Cherer.

Em 6 de setembro de 2021, o Talibã anunciou que havia assumido o controle "completo" do Vale do Panjshir, onde a Frente de Resistência Nacional (FNR) o combatia desde a queda de Cabul em 15 de agosto.

O vale, cercado por altas montanhas 80 km ao norte da capital, ficou famoso no final dos anos 1980 graças ao comandante da resistência Ahmad Shah Massud, apelidado de "Leão do Panjshir" e assassinado pela Al-Qaeda em 2001.

A área resistiu à ocupação soviética na década de 1980 e, em seguida, ao Talibã, que chegou ao poder uma década depois e estabeleceu seu primeiro regime (1996-2001).

Um ano após o retorno dos fundamentalista, a FNR, liderada por Ahmad Massud, filho do comandante falecido, aparece como a única ameaça militar convencional aos novos governantes.

No início de maio, ele anunciou uma ampla ofensiva em Panjshir e em outras províncias do norte.

Houve alguns confrontos com o Talibã. E, como muitas vezes acontece, cada lado afirma ter causado dezenas de baixas nas fileiras inimigas.

A resistência foi então empurrada para as montanhas.

No vale há 6.000 combatentes talibãs que controlam a rota principal que margeia o sinuoso rio Panjshir por mais de 100 km.

- Torturas e detenções arbitrárias -
Sua presença não passa despercebida nas aldeias ou nos postos de controle.

“À noite, não podemos passear com amigos (...) Quando vamos a algum lugar para nos divertir, eles vêm nos parar, nos perguntam por que estamos sentados ali”, explica Amir.

“Provavelmente pensam que se os jovens se reúnem, planejam algo contra eles”, como se fossem parte da resistência, intui.

Em junho, as ONGs Anistia Internacional e Human Rights Watch acusaram o Talibã de torturas e prisões arbitrárias de civis acusados de pertencer à FNR naquela província.

"Estas graves violações dos direitos humanos criam um clima de medo e desconfiança na região", disse a Anistia.

O Talibã nega as acusações.

"Antes nos sentíamos muito bem aqui, nossos maridos podiam andar livremente", lembra Nabila, que chegou de Cabul com suas quatro irmãs para o funeral de sua mãe perto da cidade de Bazarak.

"Agora estamos com medo de que eles (os talibãs) os prendam. A maioria de nossos maridos não foi ao funeral", contou à AFP sem dar seu sobrenome.

Quando os talibãs chegaram em setembro, muitos habitantes fugiram.

"Provavelmente 2.000 famílias deixaram Panjshir, mas a maioria voltou", afirma Abubakar Sediq, porta-voz do governo de Panjshir, que tinha mais de 170.000 habitantes em agosto de 2021.

- Resistência ou propaganda? -
Questionado sobre as ações da FNR, Sediq responde: "Propaganda".

Abdul Hamid Kurasani, comandante local da unidade Badri, as forças especiais do Talibã, se expressa na mesma linha.

"Não vimos nada, a frente não existe", responde calmamente este combatente em Tawakh, no distrito de Anaba, que dá para a entrada do vale e se tornou seu quartel-general.

"Não há ameaça à segurança, em nenhum lugar (...) Algumas pessoas estão nas montanhas, estamos procurando por elas", diz o homem, cercado por um guarda armado até os dentes.

"Se somos poucos guerrilheiros e eles nos expulsaram para as montanhas, por que estão enviando milhares de combatentes?", comentou à AFP Ali Maisam Naary, chefe de relações internacionais da FNR.

"Temos uma base permanente em cada vale lateral do Panjshir, ou seja, mais de 20 bases" e também em outras províncias do nordeste, afirma.

A FNR alega um efetivo de 3.000 membros em todo o país, número que não pôde ser verificado.

Para Michael Kugelman, do think-tank americano Wilson Center, "há vontade (da FNR) de lutar, mas (...) a capacidade não", destacando que "grande parte" de líderes e combatentes estão no exterior, por exemplo, no vizinho Tadjiquistão.

A outra ameaça à autoridade talibã é o Estado Islâmico do Khorasan (EI-K), o ramo regional do EI, que está bastante ativo há um ano.

O grupo jihadista detonou bombas e executou ataques suicidas, mas especialmente contra minorias religiosas afegãs, como os xiitas, e não contra o Talibã.

As autoridades tentam minimizar a ameaça e travam uma luta impiedosa contra o grupo, prendendo centenas de pessoas.

Kugelman estima que a FNR poderia se beneficiar de uma intensificação dos ataques do EI-K.

"Se os afegãos virem o Estado Islâmico explodindo suas famílias (...) isso poderia ser um desserviço à legitimidade do Talibã", julga o analista.

*Nome alterado por segurança.

Notícias pelo celular

Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.


Dê a sua opinião

O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.

Os comentários não representam a opinião do jornal e são de responsabilidade do autor. As mensagens estão sujeitas a moderação prévia antes da publicação