Preconceito racial

'Racismo e xenofobia são entranhados na sociedade portuguesa', diz antropóloga

Manuela Martins ainda disse que as principais vítimas de discriminação no país são as mulheres

Lisboa – O racismo é estrutural em Portugal e, infelizmente, não há disposição da sociedade portuguesa em discutir esse tema. Foi o que disse a antropóloga e jurista Manuela Martins, que pesquisa migrações internacionais. “O racismo não surgiu por geração espontânea, é uma construção social muito bem estruturada. E Portugal é racista e xenofóbico sim, e as mulheres são as principais vítimas”, reforça ela, que têm ouvido dezenas de relatos sobre esses crimes, inclusive em escolas. Mães estão sendo obrigadas a tirarem os filhos dos colégios tamanhos são os ataques que as crianças vêm sofrendo por serem negras ou estrangeiras.

No entender de Manuela, muito do racismo estrutural de Portugal tem a ver com a história de colonização, que subjugou muitas nações e comandou o tráfico de mais de 4 milhões de negros da África para o Brasil e mesmo para o país. Há registros oficiais mostrando que, além dos negros, houve escravização dos mouros. Durante séculos, praticamente todas as casas de Portugal, mesmo dos cidadãos mais pobres, tiveram escravos. Mas temas como esses não são discutidos abertamente nem enfrentados pelas autoridades de uma forma mais contundente.

Os ataques racistas e xenofóbicos em Portugal têm sido tão explícitos e frequentes, que o presidente do país, Marcelo Rebelo de Souza vem se manifestando constantemente sobre o tema. Em 17 de fevereiro deste ano, por exemplo, ele disse: “O povo português sabe — até por experiência histórica — que o caminho do racismo, da xenofobia e da discriminação, além de representar a violação da dignidade da pessoa humana e dos seus direitos fundamentais, é um caminho dramático em termos de cultura, de civilização e de paz social”.

Nesta segunda-feira (1º/8), o chefe de governo voltou a se manifestar diante da repercussão dos ataques sofridos pelos filhos da atriz Giovanna Ewbank e do ator Bruno Gagliasso. Eles estavam em um restaurante na Costa da Caparica, no sábado (30/07), quando uma mulher passou a gritar “negros imundos, voltem para a África”. Ela também agrediu uma família de angolanos. A mulher foi presa, mas liberada em seguida. Nos registros policiais, não há, segundo os jornais portugueses, acusação de racismo, mas de desrespeito aos policiais.

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Rebelo de Souza assinalou que qualquer comportamento racista ou xenófobo é condenável e intolerável, e deve ser devidamente punido, seja qual for a vítima. Ele foi além e reconheceu o racismo e a xenofobia entranhados na sociedade portuguesa. “Não vale a pena negar que há, infelizmente, setores racistas e xenófobos entre nós, mas não se pode, nem deve generalizar, pois o comportamento da sociedade portuguesa é, em regra, respeitador dos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana. O mesmo se dirá, especificamente, quanto às comunidades dos países irmãos de língua portuguesa, que têm vindo a aumentar a sua presença entre nós e são motivo de gratidão e de orgulho para Portugal”, destacou.

Agressões constantes

Na madrugada de quinta-feira (28/07), a brasileira Barbara Thomaz e mais duas amigas foram vítimas de xenofobia de um motorista da Uber em Lisboa. Elas saíam de um jantar e, quando o motorista se deparou com as três mulheres, passou a agir de forma violenta, inclusive dirigindo em alta velocidade, colocando em risco a vida delas. Em relatos nas redes sociais, Bárbara ressaltou que ela e as amigas estavam completamente consternadas com o ocorrido, uma vez que a segurança delas, a nacionalidade e o gênero foram atacados de forma gratuita.

“Portugal precisa tanto do turismo quanto da imigração para manter sua economia, mas os casos de xenofobia não param de crescer. Afinal, o que nós brasileiros fizemos para vocês? Qual o sentido dessa raiva?”, questionou ela. “Portugal foi quem nos violentou, invadiu, saqueou, matou, estuprou e deixou essa terra (Brasil) arrasada. Por isso mesmo, nós temos uma ligação sanguínea e cultural inquebrantável. Todo mundo aqui tem antepassados portugueses”, emendou. “Espero que esse caso não fique impune.”
O relato de Bárbara motivou outros desabafos ante a xenofobia em Portugal, que atinge, sobretudo, as mulheres. Disse Lene Ribeiro “Eu também vivi um episódio terrível com um motorista do aplicativo de nacionalidade portuguesa (um senhor por volta de 50 anos). Estava em Sintra, às 22h, saindo da escola, de um curso que estava a fazer. E, infelizmente, vivi um momento de horror. Também sofri com preconceitos e palavrões com outro motorista de aplicativo quando estava saindo de um shopping. Foi terrível… Minha fala é um alerta. Confirmo que não pensem ser casos à parte. Não, é uma maldita realidade que deixa dores e traumas”.

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