Guerra no Leste Europeu

Ucrânia vê indícios de tortura em cova com 450 cadáveres

Autoridades começam a exumar 450 corpos enterrados na cidade de Izyum, perto de Kharkiv, e relatam que alguns dos mortos tiveram as mãos amarradas. Ocidente reage com indignação. Prefeito fala ao Correio

Rodrigo Craveiro
postado em 17/09/2022 06:00
 (crédito: Sergey Bobok/AFP)
(crédito: Sergey Bobok/AFP)

Especialistas ucranianos em medicina legal começaram, ontem, a exumação de 450 corpos que teriam sido encontrados em uma floresta de pinheiros de Izyum, cidade situada a 120km de Kharkiv, no nordeste da Ucrânia. O presidente do país, Volodymyr Zelensky, disse que centenas de jornalistas testemunharam o trabalho dos legistas ao desenterrar os cadáveres sepultados nas covas coletivas. "Hoje, o mundo deve ver o que o Exército russo deixou para trás. Outra fossa comum com pessoas assassinadas. Crianças e adultos, civis e militares. Torturados, executados a tiros, mortos por bombardeios", declarou, em vídeo transmitido pela internet. "Uma família inteira está enterrada ali: pai, mãe e filha. Mais de 400 túmulos estão na floresta perto de Izyum", acrescentou.

Izyum ficou seis meses em poder das forças russas e foi libertada em uma contraofensiva ucraniana recente. "Ainda não sabemos quantos corpos estão lá, pois a exumação apenas teve início. Hoje, recebemos evidências de mais atrocidades cometidas durante a ocupação russa. Encontramos o corpo de uma pessoa, estrangulada com uma corda ao redor do pescoço. Cadáveres com braços fraturados e outros sinais de abusos. Uma cova coletiva com soldados assassinados, 17 corpos. Alguns deles com indícios óbvios de tortura", afirmou Zelensky, ao denunciar um exército de "assassinos" e "torturadores".

"Vimos Bucha, vimos Mariupol. Agora, Izyum. Quanto tempo mais isso pode durar?", questionou o presidente. Ele exortou a comunidade internacional a considerar a Rússia um Estado patrocinador do terrorismo. Em entrevista ao Correio, o prefeito de Izyum, Valery Marchenko, denunciou um "genocídio do povo ucraniano" e classificou como "terror brutal e sangrento" o que ocorreu na cidade que administra há sete anos (leia ao lado).

O chefe da polícia ucraniana, Igor Klimenko, também anunciou que as autoridades encontraram dez supostos "centros de tortura" na região de Kharkiv, dois deles na cidade de Balakliya. Por meio do aplicativo de mensagens Telegram, o Defensor do Povo ucraniano, Dmitro Loubinets, estimou em mais de mil cidadãos ucranianos "torturados e assassinados nos territórios libertados".

Reação

A comunidade internacional reagiu com indignação à descoberta das covas. "Os relatos de um túmulo coletivo com 450 homens, mulheres e crianças em Izyum, na Ucrânia, são de partir o coração e deveriam galvanizar nosso apoio aos bravos ucranianos que buscam libertar sua pátria. Nós estamos com a Ucrânia na busca da responsabilização por esses crimes", declarou o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken. O presidente da França, Emmanuel Macron, disse que condena "nos mais fortes termos possíveis as atrocidades" em Izyum. "Os autores serão responsabilizados por suas ações. Não há paz sem justiça", escreveu no Twitter.

A União Europeia (UE) externou "profunda consternação" pelas "atrocidades". O chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, destacou que "este comportamento desumano das forças russas (...) deve cessar imediatamente". O Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos defendeu o envio de peritos para "determinar as circunstâncias da morte dessas pessoas".

A deputada ucraniana Inna Sovsun, vice-presidente da Faculdade de Economia de Kiev, contou ao Correio que, quando viu a foto da cova coletiva em Izyum, lembrou-se de Bucha. "Naquele momento, não poderíamos imaginar que tal coisa fosse possível. Mas vimos os corpos. Centenas. Cadáveres de civis, crianças com as mãos atadas, mulheres. O massacre de Bucha não foi um caso isolado, mas uma política proposital de extermínio de ucranianos", disse.

De acordo com Sovsun, a descoberta perto de Izyum é "prova dessa política de genocídio". "Acharemos covas similares em todos os territórios liberados", acrescentou a parlamentar. Durante cúpula no Uzbequistão, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, foi pressionado pelo colega turco, Recep Tayyip Erdogan, a encerrar o conflito "o quanto antes". O premiê indiano, Narendra Modi, repetiu o líder chinês, Xi Jinping, e mostrou preocupação com a guerra. Putin tornou a se reunir com Xi e assegurou que deseja pôr fim à invasão "o mais rápido possível", mas avisou: "Não temos pressa".

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"A maior parte das sepulturas nem sequer tem um nome"

 (crédito: Arquivo pessoal )
crédito: Arquivo pessoal

Desde 2015, Valery Marchenko, 52 anos, ocupa o cargo de prefeito de Izyum. Por meio do WhatsApp e em ucraniano, ele deu ao Correio detalhes sobre a cova coletiva encontrada em uma região de mata fechada e denunciou "um terror brutal e sangrento". "Esse é um genocídio do povo ucraniano!", afirmou. O prefeito culpou a Rússia pelos "crimes".

O que o senhor pode dizer sobre a cova coletiva encontrada em sua cidade?

Infelizmente, Izyum esteve sob ocupação temporária por quase seis meses. Por isso, a escala dos crimes de guerra dos ocupantes russos é maior do que a conhecida por nós nas cidades de Bucha e de Irpin. Uma cova coletiva foi encontrada na floresta, na Rua Shakespeare. Descobrimos centenas de cruzes, identificadas sem nomes e com apenas números. Após exames, os corpos serão sepultados com o devido respeito.

Quantos corpos foram descobertos no local e como essas pessoas morreram?

Até o momento, 450 corpos de civis com indícios de morte violenta e de tortura foram descobertos. É difícil imaginar algo em pleno século 21. A maior parte das sepulturas nem sequer tem nomes sobre elas. Há apenas uma marca com um número. Entre os corpos que exumamos na sexta-feira, 99% apresentavam sinais de morte violenta. Como afirmou o governador de Kharkiv, Oleg Synegubov, há vários corpos com as mãos amarradas atrás das costas. É óbvio que essas pessoas foram torturadas e executadas. Também há crianças entre os civis enterrados.

O que o senhor teria a dizer sobre o que ocorreu em Izyum?

A escala dos crimes cometidos pelos ocupantes em Izyum é enorme. Isso foi um terror brutal e sangrento. Esse é um genocídio do povo ucraniano! Todos aqueles culpados dessas atrocidades devem ser punidos. Contamos com parceiros internacionais para nos ajudarem a trazer cada criminoso de guerra à Justiça. Nós esperamos que a Ucrânia, e toda a comunidade civilizada, façam o necessário para assegurar que a Rússia nunca volte a ser capaz de cometer terrorismo e de matar pessoas com impunidade. As agências de aplicação da lei realizam todas as ações investigativas necessárias para estabelecer as violações dos direitos humanos. Defenderemos os interesses dos cidadãos e ajudaremos todos a obterem a justiça.

Quantas pessoas vivem em Izyum e de que modo elas têm lidado com essa guerra?

Cerca de 10 mil pessoas estão na cidade. A maioria delas precisa não apenas de ajuda humanitária e material, mas também moral e psicológica. Faremos todos os esforços para auxiliá-las a se recuperarem, o mais breve possível, do horror ao qual foram forçadas a experimentar durante a ocupação russa de Izyum. 

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