Imigração

Brasileiros são humilhados em Portugal ao tentarem regularizar documentação

O ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, diz que há questões de segurança em jogo

Vicente Nunes - Correspondente
postado em 19/10/2022 13:31 / atualizado em 19/10/2022 13:35
"Temos tomado uma série de medidas para amenizar os problemas", diz José Luís Carneiro - (crédito: Vicente Nunes/CB)

O governo de Portugal tem flexibilizado a legislação de imigração para atrair estrangeiros, pois falta mão de obra em vários setores da economia, mas tem tratado com discriminação e descaso aqueles que precisam regularizar a situação no país. Há mais de 200 mil pedidos pendentes de manifestação de interesse de pessoas em permanecer em território luso junto ao Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF), sendo que pelo menos um terço é de brasileiros. Muitos têm se submetido a constantes humilhações para ser atendidos, sem sucesso, gastam o que não têm com advogados e perdem oportunidades de emprego que lutaram para conseguir.

Mesmo cidadãos europeus, que estão com o cartão de permanência em Portugal vencidos, têm enfrentado problemas por total desinteresse do governo português em melhorar o atendimento. Segundo o ministro da Administração Interna (MAI), José Luís Carneiro, o país tem que seguir uma série de protocolos dentro do espaço Schengen, de livre trânsito na União Europeia, o que acaba travando os processos. Ele disse, porém, que há um projeto de reestruturação em curso do SEF, que transferirá parte da burocracia para os Institutos de Registros e do Notariado (IRNs), os cartórios locais. Esses órgãos ficarão responsáveis por receber os pedidos de residência e cidadania.

“Temos tomado uma série de medidas para amenizar os problemas. Autorizamos, em alguns casos, a renovação automática de residência, reabrimos (depois de quatro meses) o serviço de agendamento (no SEF) e estamos avançando no processo de reestruturação do sistema, que deve estar concluído no início de 2023”, afirmou Carneiro a um grupo de correspondentes estrangeiros. O problema é que pouca gente acredita que as prometidas facilidades sairão tão cedo do papel. A reestruturação do SEF, que seria extinto — com a fiscalização de fronteiras e terminais aeroportuários e marítimos sendo assumida pela Guarda Nacional Republicana (GNR) e a Polícia de Segurança Pública (PSP) —, se arrasta há anos.

Caos vai aumentar

As queixas contra o sistema de imigração de Portugal aumentam justamente às vésperas de entrar em vigor as novas regras para concessão de vistos a trabalhadores e a nômades digitais — 30 de outubro. Pelo que foi aprovado pelo Parlamento e regulamentado pelo governo, cidadãos da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP), da qual o Brasil faz parte, os interessados em procurar emprego em terras lusitanas terão a possibilidade de permanecer por lá ao longo de 120 dias, renováveis por mais 60, desde que comprovem renda disponível de três salários mínimos portugueses, um total de 2.115 euros ou de R$ 11,2 mil.

Passado esse prazo e com os empregos garantidos, haverá, no entanto, a necessidade de esses trabalhadores recorrerem ao SEF, que, segundo o ministro, conta com apenas 1,5 mil servidores, dos quais pouco mais de 500 na área administrativa. Ou seja, o caos só tenderá a aumentar, pois o governo português não fala em ampliar o número de atendentes a estrangeiros na mesma proporção que essa população aumenta no país. Somente a comunidade brasileira soma quase 300 mil cidadãos, oficialmente.
Diante desse quadro desastroso, a advogada Jamile Jambeiro Portela, inscrita na Ordem dos Advogados de Portugal sob o número 54072L, lançou uma petição pública on-line, na qual recolhe assinaturas para que o governo português dê um mínimo de dignidade no atendimento pelo SEF. Segundo ela, desde setembro de 2021, quando foram reabertas as fronteiras de Portugal, “o SEF começou a adotar uma logística totalmente desumana com os imigrantes que se encontram regularizados, possuidores de título de residência e que não conseguem a qualquer altura obter um simples agendamento para o reagrupamento familiar”.

O resultado disso, ressaltou a advogada na petição, é o desespero das pessoas, muitas delas vendo o sonho de imigração se frustrar. Ela lembrou, ainda, que, depois de quatro meses com o atendimento interrompido, o SEF reabriu um número limitado de vagas, apesar do acúmulo de pedidos. Pior, disponibilizou dois números de telefone para agendamentos, que ficam ocupado o dia todo. “Infelizmente, torna-se maçante e desumano para o imigrante e para os profissionais pararem 3-4 dias da semana para tentar apenas obter uma chamada completada, mesmo que os escritórios de advocacia, por muitas vezes com uma equipa grande de pessoas, façam tentativas de 10 mil a 20 mil chamadas, muitas vezes sem efeito.”

Revolta geral

Lúcio Gonçalves, 57 anos, não esconde a revolta com o descaso do governo. Cidadão português, ele está há quase cinco meses tentando agendar junto ao Sistema de Estrangeiros e Fronteiras um pedido de cidadania para seu marido, com o qual está casado, oficialmente, há 20 anos. “Já fiz de tudo. Contratei advogado, gastei 1 mil euros (R$ 5.300), e nada até agora. Nos últimos dias, o SEF abriu 30 mil vagas de agendamento dos serviços. Fiquei o tempo todo ligando e não houve meio de as ligações completarem. Isso é revoltante”, acrescentou. Gonçalves não descarta a possibilidade de processar o governo de seu país.

Mesmo aqueles que pagaram caro pelo visto gold para ter direito à cidadania portuguesas não escapam da falta de respeito do serviço de imigração de Portugal. “Investi mais de 500 mil euros (R$ 2,7 milhões) para comprar um apartamento em Lisboa com a garantia de que teria tranquilidade para morar legalmente no país. Meu visto e os da minha filha e do meu marido venceram e, desde o início do ano, estamos tentando regularizar a nossa situação, sem sucesso. É triste ser tratada dessa maneira”, disse uma brasileira que preferiu não se identificar. “É importante lembrar ao governo que todos nós, que estamos nessa situação, pagamos impostos em Portugal e movimentamos a economia do país”, acrescentou.

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