Irã

Comerciantes do Irã aderem a greve geral e reforçam atos contra regime

Comerciantes fecham estabelecimentos por três dias, em rara exibição de poder. Ativistas de direitos humanos mostram ceticismo em relação à decisão das autoridades de abolirem a "polícia da moralidade"

Lojas fechadas na Rua Satarkhan, também na capital: desafio ao governo -  (crédito: Atta Kenare/AFP)
Lojas fechadas na Rua Satarkhan, também na capital: desafio ao governo - (crédito: Atta Kenare/AFP)
Rodrigo Craveiro
postado em 06/12/2022 06:00 / atualizado em 30/08/2023 16:12

A notícia sobre a extinção da Gasht-e-Ershad — a "polícia da moralidade", unidade das forças de segurança que fiscaliza o cumprimento do código de vestimenta islâmico no país — foi recebida com ceticismo por opositores iranianos. Também mostrou-se insuficiente para arrefecer os ânimos internamente. Em Teerã e em várias cidades, lojas fecharam suas portas em adesão a uma greve geral transformada em protesto contra o regime teocrático e a repressão às manifestações. Uma revolta popular sacode o Irã desde 16 de setembro passado, quando Mahsa Amini, uma jovem iraniana de 22 anos, foi espancada e assassinada pela Gasht-e-Ershad por supostamente não utilizar o hijab (véu islâmico) de forma adequada.

Diretor da ONG Iran Human Rights (IHR), Mahmood Amiry-Moghaddam classificou o dia de ontem como "histórico". "Tivemos a maior greve geral em mais de 40 cidades. Muitas pessoas fecharam seus estabelecimentos comerciais. Foi a mais ampla paralisação no país desde o início dos protestos. Uma das pessoas que se uniu a esse movimento foi o lendário ex-jogador de futebol Ali Daei. O maior artilheiro da história do Irã fechou suas lojas por três dias, em solidariedade aos manifestantes", relatou ao Correio. "Essas greves são muito importantes e sinalizam que os protestos continuarão e entrarão em uma nova fase."

Amiry-Moghaddam desqualificou a informação sobre o desmantelamento da polícia da moralidade. "Não é verdadeiro esse anúncio. Não acreditamos nisso. Achamos que se trata apenas de uma propaganda para aliviar a pressão internacional. Ninguém no Irã crê nisso. Mesmo que eles suprimam a Gasht-e-Ershad, não significa que as mulheres estarão livres para escolherem seu código de vestimenta", afirmou. A polícia da moralidade começou a atuar nas ruas em 2006, ano de sua criação, durante a presidência do ultraconservador Mahmud Ahmadinejad (2005-2013).

De acordo com Amiry-Moghaddam, as autoridades iranianas e o procurador-geral Mohammad Javad Montazeri defenderam o combate ao uso "inapropriado" do hijab. "As pessoas têm tomado as ruas porque estão fartas desse regime repressivo, corrupto e incompetente. Isso nunca se tratou apenas da existência da polícia da moralidade. Os iranianos querem acesso aos seus direitos fundamentais e não aprovam esse governo", acrescentou. 

Solidariedade

Para Roya Boroumand, cofundadora e diretora executiva do Centro para Direitos Humanos do Irã Abdorrahman Boroumand (com sede nos Estados Unidos), as greves gerais são simbolicamente muito importantes enquanto símbolos de solidaridade. "Além disso, esses movimentos podem ser muito perturbadores para a economia. O Irã testemunhou grandes greves antes da revolução de 1979. A diferença para a situação atual é que a paralisação atual pode levar à prisão. Ajudar as famílias daquelas pessoas em greve ou detidas também é perigoso. Isso torna as greves que presenciamos hoje um sinal mais poderoso de descontentamento e de solidariedade com os manifestantes", disse a iraniana à reportagem.

Boroumand não mostra otimismo em relação à informação de que Montazeri estaria avaliando o fim da exigência do hijab. "O procurador-geral não tem autoridade para legislar. Isso é um assunto para o Parlamento decidir e, embora estejam discutindo soluções para o problema, incluindo a mudança da punição para o uso indevido do véu, não creio que a abolução da obrigatoriedade da lei do véu seja aceita pelo Conselho dos Guardiães, que detém a última palavra sobre as leis", afirmou. Na opinião dela, o véu compulsório é parte da identidade da República Islâmica e sua abolição seria um reconhecimento de grande derrota ideológica.

Por sua vez, Shadi Sadr — advogada de direitos humanos iraniana e diretora executiva da ONG Justiça pela Irã — também ressaltou ao Correio a importância da greve geral. "É um imenso desdobramento. Desde o começo, os manifestantes têm apelado por greves nacionais em cada indústria. A situação econômica iraniana é terrível, e muitas pessoas lutam para alimentar seus filhos. O fato de tantas vezes pararem de trabalhar sem pagamento é uma grande demonstração de insatifação com o regime e de apoio aos protestos", comentou.

De acordo com a IHR, a violenta repressão às manifestações no Irã deixou pelo menos 448 mortos — média de 5,5 por dia.

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