Argentina

Cristina Kirchner vai recorrer em liberdade e denuncia "máfia judicial"

Tribunal também condenou a vice-presidente à inabilitação perpétua para ocupar cargos públicos por fraude e corrupção. Decisão cabe recurso. Em discurso, a peronista denunciou "máfia judicial" e disse que o veredicto estava escrito desde 2019

Rodrigo Craveiro
postado em 07/12/2022 05:00
 (crédito: Twitter/Reprodução)
(crédito: Twitter/Reprodução)

A vice-presidente da Argentina e senadora peronista Cristina Fernández de Kirchner foi condenada, na tarde de terça-feira (6/12), a seis anos de prisão pelo crime de corrupção. A Justiça determinou que ela ficará inabilitada de exercer cargos públicos pelo resto da vida. Além de poder recorrer da sentença, Cristina responderá em liberdade, por ter foro privilegiado. As acusações de corrupção implicam mais 11 réus, dos quais oito também receberam sentenças entre quatro e seis anos de reclusão.

Kirchner, 69 anos, foi considerada culpada de corrupção de "administração fraudulenta" em detrimento do Estado na concessão de obras rodoviárias na província de Santa Cruz (Patagônia Austral), seu berço político. Ela teria atuado em favorecimento a Lázaro Báez, considerado próximo de sua família. O empresário também foi sentenciado a seis anos de prisão. 

Menos de meia hora depois da leitura do veredicto sobre a "Causa Vialidad", a ex-presidente adotou uma postura desafiadora e apontou uma "máfia judicial". "Há três anos, avisamos que a condenação estava escrita. Está claro que a ideia era me condenar", disse, em vídeo transmitido por suas redes sociais. "É um Estado paralelo e uma máfia. Máfia judicial", reiterou. Em 29 de novembro, a ex-presidente havia classificado o próprio julgamento de "pelotão de fuzilamento". 

Foro privilegiado

No pronunciamento de 56 minutos, Cristina lembrou que, a partir de 10 de dezembro de 2023, não terá foro privilegiado. Nesta data, assumirá o próximo governo eleito em 22 de outubro. "Não serei mais vice. (...) Nao serei candidata a nada. Nem a presidente, nem a senadora. Meu nome não estará em nenhuma cédula. Termino em 10 de dezembro e regresso (...) para minha casa", assegurou. Mesmo assim, tratou de criticar a condenação de inabilitação política. "Todos os cargos que ocupei foram por meio de eleição popular. Quatro governos em nome do peronismo."

Professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA), Facundo Gabriel Galván disse ao Correio que Cristina deverá entrar com a apelação no início de 2023. "A sentença não é definitiva. A vice-presidente poderá ser candidata à Casa Rosada nas primárias de agosto e nas eleições presidenciais. Mesmo após a apelação, ela estará dentro dos prazos eleitorais, sem prejuízos para a apresentação da candidatura", explicou Galván. "Cristina esclareceu que não disputará nenhum cargo. Não sabemos o que ocorrerá na política argentina em três ou quatro meses. Tudo pode mudar", opinou.

De acordo com Galván, a Argentina está polarizada entre os que festejam a decisão da Justiça e aqueles que se enfurecem e veem uma operação para desprestigiar Cristina. "Nos últimos dias, um suposto vazamento de dados do Telegram de funcionários do Judiciário (leia ao lado), próximos da coalizão opositora Juntos por el Cambio, esquentou o ambiente político. Parecia impensável que em algum momento o Judiciário chegaria a uma condenação de Cristina."

Colega de Galván na UBA, o cientista político Miguel De Luca afirmou à reportagem que o veredicto da Causa Vialiad apenas agrava o conflito entre os Poderes Executivo e Judiciário. "Esse choque é gravíssimo. O impacto será visto na paralisia do Congresso, na escalada dos meios de comunicação e nas mobilizações nas ruas", previu. "A polarização política tende a aumentar."

 

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Inquérito polêmico

 (crédito: Eitan Abramovich/AFP)
crédito: Eitan Abramovich/AFP

Não bastasse o conteúdo, o discurso do presidente argentino, Alberto Fernández, caiu como uma bomba em Buenos Aires também pelo momento: véspera da sentença de Cristina Kirchner. Na segunda-feira, o líder peronista defendeu a abertura de um inquérito sobre uma viagem que reuniu juízes, promotores e empresários da mídia para o Lago Escondido, na Patagônia argentina. "Fere a democracia ver a promiscuidade antirrepublicana com que se movem alguns empresários, juízes, promotores e funcionários. Até aqui, eles se sentiram impunes. É hora de começarem a prestar contas por suas condutas", disse Fernández.

A oposição atacou o presidente por dois motivos: um dos participantes da viagem é o chefe dos assessores da Casa Rosada; e juízes envolvidos no julgamento de Cristina estavam na viagem. 

O pedido de investigação dos magistrados se baseia em conversas por meio do aplicativo Telegram, nas quais os participantes da viagem combinavam estratégias para impedir sua divulgação e tentavam ocultar a origem do financiamento. O passeio de luxo, em 13 de outubro, envolveu o uso de um avião particular e hospedagem na casa de campo do milionário britânico Joe Lewis. Um comunicado conjunto difundido pela coalizão governista Frente de Todos qualificou as conversas interceptadas como um "escândalo institucional". 

Cientista político da Universidad de Buenos Aires, Miguel De Luca cita a manipulação e o uso de recursos em dissonância com a divisão de poderes. "O mais sério é que o escândalo se apoie em vazamentos ilegais ou de procedência duvidosa", ressaltou. 

 

Palavra do especialista:

"Há várias acusações contra o presidente Alberto Fernández de ter interferido em questões judiciais. Ele emitiu opiniões sobre o promotor e sobre juízes da Causa Vialidad. O presidente cometeu vários erros no sentido de se expressar e de se manifestar, algo que não poderia fazer no âmbito do julgamento. A opinião pública está mais concentrada na Copa do Mundo do que na política. Por isso, não creio em uma crise de governabilidade imediata. Mas vemos manifestações dos setores kirchneristas mais radicalizados contra o veredicto."

Facundo Galván, especialista e investigador sobre processos eleitorais da Universidad de Buenos Aires

"O governo de Alberto Fernández seguirá promovendo iniciativas para reformar a Justiça e remover juízes. Sobre a reputação de Cristina Kirchner, os argentinos têm opinião consolidada sobre o tema. Um terço da população acredita que ela seja inocente, apesar do veredicto e da apresentação de evidências. Dois terços sustentam que Cristina é culpada, sem se importarem com a existência ou não de provas."

Miguel De Luca, professor de ciência política da Universidad de Buenos Aires (UBA) 

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