Peru

Suspeita de genocídio no Peru preocupa Estados Unidos e ONU

Ministério Público investiga a presidente Dina Boluarte e outras autoridades pela morte de dezenas de civis durante manifestações, em pouco mais de um mês. Washington apoia inquérito e pede moderação. Nações Unidas exigem garantia aos direitos humanos

Familiares e amigos carregam o caixão com o corpo de Edgar Huaranca, na cidade de Juliaca, no sul do país: 17 assassinados na segunda-feira -  (crédito: Juan Carlos Cisneros/AFP)
Familiares e amigos carregam o caixão com o corpo de Edgar Huaranca, na cidade de Juliaca, no sul do país: 17 assassinados na segunda-feira - (crédito: Juan Carlos Cisneros/AFP)
postado em 12/01/2023 06:00 / atualizado em 10/10/2023 14:46

Entre os 17 caixões conduzidos pelas ruas de Juliaca, no extremo sul do Peru, o que levava o corpo de Edgar J. Huaranca trazia uma acusação escrita em um papel: "(A presidente) Dina (Boluarte) me assassinou a balas". O rapaz de 22 anos e outros 16 manifestantes foram mortos pela polícia, durante confrontos, na última segunda-feira. O Ministério Público abriu uma investigação contra Boluarte; além do presidente do Conselho de Ministros, Alberto Otárola; do ministro do Interior, Victor Rojas; e do ministro da Defesa, Jorge Chávez, por suposto genocídio. Em 34 dias, os protestos — que se espalham por várias cidades do país — deixaram 47 mortos, além de 50 civis e 300 policiais feridos. Os Estados Unidos apoiaram a investigação, pediram "moderação" e defenderam que o uso da força contra as manifestações seja reduzido "ao mínimo". 

"Reconhecemos o direito ao protesto pacífico e à expressão de queixas por meio de canais democráticos, e fazemos um apelo à calma, ao diálogo e para que todas as partes exerçam moderação e não violência", declarou um porta-voz do Departamento de Estado americano. "Encorajamos o governo a usar o mínimo de força para proteger os cidadãos, a propriedade e a livre circulação de pessoas e bens." A chancelaria dos EUA acrescentou que "apoia o compromisso do governo peruano de investigar todas as mortes e garantir que suas forças de segurança respeitem a lei e a ordem, de acordo com os direitos humanos e a legislação peruana".

Uma missão de observação da Comissão Interamericana de Direitos Humanos desembarcou em Lima para avaliar "a situação dos direitos humanos no âmbito dos protestos sociais". Na noite de terça-feira, a Organização das Nações Unidas (ONU) exortou ao governo Boluarte que "tome medidas urgentes para garantir o respeito aos direitos humanos, incluindo o direito à manifestação pacífica". O país enfrenta uma rotina de velórios coletivos, bloqueios e tentativas de ocupação de aeroportos. Os piquetes em rodovias se estenderam a oito das 25 regiões do Peru, afetando Tacna, Moquegua, Puno, Cusco, Apurímac, Arequipa, Madre de Dios e Amazonas. Também em Juliaca, o policial José Luis Quispe, 29 anos, fazia uma patrulha quando foi atacado e queimado vivo, na noite de segunda-feira. 

Autogolpe

A onda de violência teve início em 7 de dezembro, quando o ex-presidente esquerdista Pedro Castillo tentou fechar o Congresso e governar por decreto. O autogolpe fracassou,e Castillo foi preso e Boluarte assumiu o poder. Yunior Luque Reyems, 19 anos, lamenta que o amigo Edgar esteja na lista de mortos pela repressão. "A Polícia Nacional do Peru deu ordens para os agentes dispararem contra civis que protestavam em Juliaca" , desabafou ao Correio. "Edgar foi um grande amigo trabalhador, lutador e humilde. Ele tinha muitos sonhos pela frente. Também foi um herói, aqui em Juliaca, por defender a sua pátria", acrescentou.

Segundo Yunior, o amigo estava insatisfeito com o cenário político no Peru e, por isso, resolveu somar-se aos protestos. Os dois se conheciam desde 2016. "A situação aqui, em Juliaca, é muito grave e triste, ante a perda de tantos cidadãos que defendiam o país da corrupção", disse. Em Cusco, 344km ao norte de Juliaca, a polícia cercou o Aeroporto Alejandro Velasco Astete com blindados. Houve choques com manifestantes. Cusco é o principal acesso para a cidadela inca de Machu Picchu, uma das sete maravilhas do mundo moderno e patrimônio mundial da humanidade. Também ontem, de acordo com a agência de notícias France-Presse, centenas de pessoas foram às ruas de Arequipa, a segunda maior cidade do país, para exigir a renúncia de Boluarte. Em Tacna, na fronteira com o Chile, os moradores começaram uma paralisação por tempo indeterminado. Houve queima de cabines de pedágio e tentativa de saque a um shopping center.  

Professora de ciência política da Universidade George Mason (na Virgínia) e vice-presidente da Associação de Estudos Latino-Americanos (Lasa), Jo-Marie Burt afirmou ao Correio que Boluarte "não quis dar-se conta de que herdou um país em grave deterioração institucional". "Isso se evidencia no fato de que o Peru teve seis presidentes em cinco anos. Quase todos os ex-presidentes foram acusados ou condenados por graves atos de corrupação. A grande maioria dos peruanos expressa insatisfação com o sistema político", acrescentou a especialista em política peruana. Segundo Burt, ante o saldo de 17 mortos na última segunda-feira, o governo somente prometeu restaurar a ordem. "Não houve compromisso de escutar a sociedade, que sente um cansaço generalizado com o status quo."

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