Entrevista exclusiva

Rafael Correa, ex-presidente do Equador: "Sofri brutal perseguição"

O economista que governou o país entre 2007 e 2017 ataca o líder direitista Guillermo Lasso, critica a dissolução da Assembleia Nacional, reconhece o correísmo como principal força política e se diz vítima de injustiça

Rodrigo Craveiro
postado em 06/06/2023 06:00 / atualizado em 06/06/2023 07:00
Rafael Correa, ex-presidente do Equador -  (crédito: Arquivo pessoal )
Rafael Correa, ex-presidente do Equador - (crédito: Arquivo pessoal )

Entre 2007 e 2017, o economista esquerdista Rafael Correa, 60 anos, ocupou o principal posto do Palácio de Carondelet. O 53º presidente do Equador hoje vive na Bélgica, de onde exerce protagonismo nas decisões de seu país. Durante 18 minutos, ele falou com exclusividade ao Correio, por meio do aplicativo de videoconferência Zoom. Correa acusou o atual presidente Guillermo Lasso de criar uma armadilha política, ao dissolver a Assembleia Nacional e ao convocar eleições antecipadas. "Como governo, teria que fazer o correto. E o correto era respeitar a Constituição", afirmou. Ele disse que o atual líder de direita "está implicado diretamente na responsabilidade penal em vários casos" de corrupção e criticou a decisão de Lasso de não apresentar a própria candidatura para a eleição de 20 de agosto. "Foi uma pura covardia, pois ele sabe que tem a rejeição de toda a população", comentou. O ex-chefe de Estado assegurou que o correísmo segue como principal força política do Equador e tergiversou ao ser questionado se pensa em retornar à Presidência do Equador. "O importante é que o país recupere o caminho do desenvolvimento que teve durante uma década, entre 2007 e 2017, com a Revolução Cidadã", respondeu, ao citar o período de seu governo. Correa defendeu a integração sul-americana como fator determinante para o desenvolvimento do Equador e se disse vítima de lawfare, ao ser acusado de corrupção. Ele lembrou que o julgamento ocorreu durante a pandemia da covid-18 e garantiu que a Justiça inventou acusações contra ele. "Quando me impediram de ser candidato, roubaram a democracia do Equador e fizeram Lasso presidente", declarou.  

Rafael Correa, ex-presidente do Equador
Rafael Correa, ex-presidente do Equador (foto: Arquivo pessoal)

Como o senhor vê a decisão do presidente Guillermo Lasso de dissolver a Assembleia Nacional?

Foi uma armadilha. A Constituição é a mais virtuosa para superar a crise política. Ela permite antecipar as eleições, um mecanismo que não existia. Mas tudo isso estava sob controle da Corte Constitucional. Claramente, a convocação de eleições antecipadas foi para evitar a destituição por parte da Assembleia Nacional. Havia um julgamento político. Quem poderia parar isso seria a Corte Constitucional, mas ela foi cúmplice de Lasso e lhe permitiu (dissolver a Assembleia). Então, foi uma armadilha... No entanto, apesar da armadilha, creio que, ao fim do dia, o que mais conviesse era o melhor. Não estou de acordo. Sobretudo, como governo, teria que fazer o correto. E o correto era respeitar a Constituição. Não o que considera ser bom. Creio que foi o melhor para o país. Para conseguir dissipar todas as tensões existentes, no âmbito político, houve a convocação das eleições. Foi uma armadilha para as instituições. Não era o correto, mas era o que mais se adequava ao país, pois se dissiparam as tensões políticas. Se Lasso renunciasse e o vice-presidente assumisse, seria basicamente o mesmo governo. 

Havia elementos suficientes para condená-lo no julgamento político?

Devemos distinguir duas coisas: responsabilidade política e responsabilidade jurídico-penal. Para a Assembleia Nacional, Lasso estava politicamente implicado em gravíssimos casos de corrupção. Ao fim do dia, a Corte Constitucional, cúmplice de Lasso, permitiu apenas um causal: um peculato na frota petroleira equatoriana. Para que ocorresse esse gravíssimo caso de peculato, houve, pelo menos, extrema negligência de Lasso e de seu governo.  Ele tinha a responsabilidade política. Isso era o que a Assembleia Nacional discutia. Ele seria condenado. Caso contrário, não teria convocado as eleições antecipadas. Lamentavelmente, para o meu país, Lasso está implicado diretamente na responsabilidade penal em vários casos. Para chegar ao poder, ele mentiu, disse que não tinha uma rede offshore. No caso Pandora Papers, 600 jornalistas afirmaram que Lasso tinha offshore. De acordo com a nossa lei, ninguém pode ser candidato ou servidor público se tiver operações em paraísos fiscais. É bastante provável que ele também estivesse diretamente envolvido, pelo menos como acobertador, nos gravíssimos casos de corrupção em seu governo. 

Falta uma moralização da política equatoriana? O que explica tantas crises políticas nas últimas décadas?

Houve uma estabilidade sem precedentes em meu país, de 2007 a 2017. Ganhei todas as eleições. Depois, saí com índices impressionantes de popularidade. Não quis postular a candidatura à reeleição. Saí sem uma infração de trânsito. Aí vem a cultura da armadilha: "como não podemos derrotar Correa nas urnas, vamos aniquilá-lo judicialmente". Foi aí que começou a brutal perseguição. Antes de nosso governo, nenhum outro presidente havia terminado seu mandato. Em dez anos, houve sete presidentes. Nenhum governo terminou sem mandato... Durante nosso governo, em dez anos, ganhei três eleições presidenciais consecutivas, duas delas no primeiro turno. Algo que jamais havia ocorrido em meu país. Houve uma história política: um governo que trabalhou pelo bem comum, um projeto com verdadeiro apoio popular. Um fator-chave é a imprensa. O problema maior para a democracia e para o desenvolvimento, na América Latina, é a comunicação. Sem comunicação, sem verdade, não há democracia, não há eleições livres. Há manipulação, em vez de informação. Sem verdade e sem informação, como você toma as ações e as decisões coletivas corretas? Elegeram Lasso, com todas as mentiras que lançaram sobre (Andrés) Arauz (candidato correísta nas eleições de 2021). Veja a tragédia que estamos vivendo. A ação coletiva é fundamental para que haja desenvolvimento. Os responsáveis por isso são os meios de comunicação. São os guardiões da verdade. Para mim, o fator gravitacional é a imprensa latino-americana. Se não melhorarmos a imprensa latino-americana em termos de moral, de profissionalismo, não teremos democracia nem desenvolvimento. Quando há um bom governo, como o meu, tratam de demonizá-lo todos os dias. Quando é um mau governo, como o de Lasso, tratam de mantê-lo a sangue e fogo, e a pressão social aumenta a cada dia. 

O senhor foi condenado pela Justiça do Equador pelo caso Suborno 2012-2016. O que tem a dizer sobre isso?

Você revisou o caso Suborno? Eu consegui um asilo político na Bélgica. Não há nada mais a discutir. A Bélgica, capital da Europa, reconheceu que sou um perseguido político, não que sou um corrupto. (...) Fizeram essa montagem para impedir-me de ser candidato em 2021 e, assim, tornaram Lasso presidente. Com o lawfare, a guerra jurídica, não apenas roubam nossa reputação, nossa liberdade e nossa tranquilidade. Roubam a democracia toda. Quando (Sérgio) Moro prendeu Lula, não apenas roubou a liberdade de Lula. Roubou a democracia do Brasil. Com Lula livre, Bolsonaro jamais teria sido presidente. Quando me colocaram uma condenação, em plena pandemia da covid-19, milhares de julgamentos estavam parados, à exceção do nosso. Como não tinham provas, inventam acusações criminais que não existem, de um caso Suborno que não existe... Quando me impediram de ser candidato, roubaram a democracia do Equador e fizeram Lasso presidente. A primeira a denunciar isso deveria ser a imprensa. Com uma boa imprensa jamais ocorreria algo assim.

Lasso descartou se apresentar como candidato para as eleições...

É uma lástima. Ficaria encantado que se apresentasse, a fim de que tivesse uma resposta do povo equatoriano. Creio que foi uma pura covardia, pois sabe que tem a rejeição de toda a população. 

Analistas políticos afirmam que, com Lasso fora da disputa, o correísmo se enfraquece. O senhor está de acordo?

Creio que isso é irrelevante. Com essa decisão, talvez ele tenha atomizado ainda mais a direita, não? Mas não acredito que tenha maiores efeitos no panorama eleitoral. 

O correísmo, hoje, é uma força política viva no Equador?

Somos, de longe, uma força política, depois de seis anos de brutal perseguição, difamação, censura à imprensa... Somos, de longe, a principal força política, mesmo tendo cinco ou seis vezes menos apoio dos movimentos políticos. Graças a Deus, também de longe sou o dirigente político com maior apoio e maior credibilidade. 

Quais suas pretensões políticas?

O desenvolvimento de meu país. Não verei isso em vida. Creio que esta é a pretensão política de todo o político são e honesto na América Latina. Duzentos anos de desenvolvimento, como no Brasil, creio que são suficientes. 

O senhor pensa em voltar à Presidência do Equador?

Isso não é importante. O importante é que o país recupere o caminho do desenvolvimento que teve durante uma década, entre 2007 e 2017, com a Revolução Cidadã. Com políticas para o bem comum. 

Quem o senhor pretende apoiar nas eleições de 20 de agosto?

A quem apoiarei? A nosso candidato (risos) da Revolução Cidadã. Normalmente, será alguém que faça parte do birô de campanha. Em princípio, iremos ao México, onde há muitos ministros exilados, perseguidos, e buscaremos parte da campanha. Outra parte será buscada no Equador. Trabalharemos em conjunto, graças à tecnologia. É sempre um problema não estar presencialmente, mas podemos fazer muito pelos meios tecnológicos. 

Mas quem é o candidato mais cotado?

Estão manejando muitos nomes para a chapa. A base será os assembleístas atuais, que se comportaram tão bem. Sem se importar com seus cargos, fizeram o que tinham que fazer, sabendo que havia riscos de 'morte cruzada'. E o que se faz sem trabalho? Nossa gente vive de salário. Não somos ricos, nem banqueiros. O fundamento será o mesmo bloco assembleísta que temos. Para a chapa, estamos trabalhando com vários nomes. A chapa deverá ser mista. Decidimos que será homem e mulher, ou mulher e homem. Estamos analisando várias combinações para fazer uma proposta ao coletivo, que tomará a decisão. Este é um processo de democracia interna. Essa decisão democrática será realizada em 10 de junho (sábado). 

A esquerda em seu país enfrenta um processo de fragmentação?

Não acho que esteja fragmentada, mas é impossível que todo o espectro de esquerda tenha somente um partido. Mas estamos muito menos fragmentados do que a direita. A frente mais ampla da esquerda é a Revolução Cidadã. Mas há partidos minúsculos, como os socialistas, que não representam nada em nível eleitoral ou de popularidade. Talvez o Pachakutik, que é um partido indígena. Mas ele tem que se definir como um partido ideológico, não como um partido étnico. Não pode estar com a direita ou com a esquerda, em função de interesses conjunturais. Então, nem toda a esquerda é realmente de esquerda... Em todo o caso, o movimento que aglutina a maior parte da esquerda, sem dúvida, é a Revolução Cidadã.

Então, a esquerda equatoriana está unida em torno da Revolução Cidadã?

Sim, à exceção de setores minoritários. Não toda a esquerda, pois isso é impossível. Mas conseguimos chegar até a setores de centro-direita. Eu apoiaria um governo de centro-direita, se visse que suas políticas têm funcionado, proporcionando bem-estar às pessoas. Os políticos não estão em função de aspirações ideológicas, mas em função do bem comum, do bem-estar para a gente. Como há pessoas da centro-direita que também têm essa visão, também contamos com o apoio desses setores políticos, por conta do êxito que tivemos em nosso governo, entre 2007 e 2017. 

De que forma o senhor vê a urgência com que a esquerda encara temas identitários e relativos à moral?

É um erro estratégico gravíssimo da esquerda, desse grupo que se chama de esquerda. Por isso, perderam a Constituinte no Chile. Trata-se de um tema polêmico. Para muitos, é algo muito importante, pois os consideram como direitos. Para outros, não é tão importante debater se são direitos ou não. Mas, o que está claro é que não se trata do principal problema para todos. A eleição é ganha com o voto da maioria. Para a esquerda, o que gera consciência são as clamorosas injustiças socioeconômicas, que são a razão de ser dessa vertente política. É preciso começar pelo princípio do que une, não do que separa. Resolvendo essas gravíssimas injustiças socioeconômicas que nos acompanham há dois séculos. Resolvendo o fato de haver crianças que morrem com patologias do século 19, como gastroenterite. Antes de nos metermos em temas polêmicos. Isso é um erro estratégico gravíssimo. 

O senhor acredita na integração sul-americana, ante críticas sobre a Unasul e o Mercosul?

Mas é claro que eu acredito na integração sul-americana. Esse é um fator determinante para o nosso desenvolvimento. Por que a América do Norte conseguiu seu desenvolvimento, e o Sul, não? As respostas são várias. O fato é que eles integraram 13 colônias britânicas, que decidiram se unir e, inclusive com a incorporação de novos territórios, continuaram a crescer. Conosco ocorreu o contrário. A divisão político-administrativa espanhola se fragmentou. Eram quatro capitanias; agora, somos 18. O Brasil, uma colônia portuguesa, não se fragmentou, felizmente. Por isso, vocês têm essa vantagem: são um país relativamente industrializado para a América Latina, graças ao tamanho. Mas isso (tamanho) não é decisivo, nem necessário ou suficiente. Se fosse suficiente, o Brasil e o México seriam países desenvolvidos. Se fosse necessário, Cingapura não seria desenvolvida. A integração é altamente desejável. O mundo é constituído de blocos. Se não formarmos um bloco latino-americano, eles nos depreciarão a nível mundial. Estamos atrasados em relação ao restante do mundo. O bloco norte-americano, o bloco russo, o bloco chinês... A Índia, os Brics... A Europa, com certeza, o Oriente Médio, a própria África... Temos que trabalhar pela integração latino-americana. 

Mas o senhor concorda que o Unasul e o Mercosul se enfraqueceram?

Isso é uma característica do latino-americano, não? Quando sou negligente e manejo um projetor, e o foco se queima... Queimou-se... Não, eles o queimaram... Por negligência. Debilitou-se a Unasul. Não, eles a debilitaram... Porque não lhes interessa a unidade latino-americana. A não ser que nos incorporemos à América do Norte, como colônia. Precisamos ser claros: debilitaram a Unasul. E temos que recuperá-la. Como eu disse, ela não é necessária nem suficiente para o desenvolvimento, mas altamente desejável no momento atual. É fundamental para a presença, como bloco, no arranjo internacional. 

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  • Rafael Correa, ex-presidente do Equador
    Rafael Correa, ex-presidente do Equador Foto: Arquivo pessoal
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    Rafael Correa, ex-presidente do Equador Foto: Arquivo pessoal
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