Tragédia no Atlântico

Expedição para a morte: implosão do Titan não deixa sobreviventes

Submersível que mergulhava até o Titanic sofreu uma "implosão catastrófica". Destroços foram localizados a 500m da proa do transatlântico. Guarda Costeira mantém buscas pelos corpos. Fundador da empresa, especialista e três bilionários estavam a bordo

Rodrigo Craveiro
postado em 23/06/2023 06:00 / atualizado em 23/06/2023 07:02
Paul-Henri Nargeolet, francês, 77, um dos maiores entusiastas em Titanic: 35 mergulhos até o navio -  (crédito: Joël Saget/AFP)
Paul-Henri Nargeolet, francês, 77, um dos maiores entusiastas em Titanic: 35 mergulhos até o navio - (crédito: Joël Saget/AFP)

Stockton Rush, CEO da OceanGate, a empresa proprietária do Titan, havia admitido o temor de que o submersível pudesse não retornar à superfíce. Também chegou a dizer que "violou algumas regras" durante a construção da embarcação. O medo do executivo que vendia passagens até os restos do Titanic, a 3.800m de profundidade no Oceano Atlântico, confirmou-se. Depois de buscas que envolveram vários navios e aeronaves, em uma corrida contra o tempo, enquanto o oxigênio disponível dentro do Titan se esgotava, a Guarda Costeira dos Estados Unidos anunciou a tragédia. Uma "implosão catastrófica" matou Rush e os quatro tripulantes da cápsula — o milionário britânico Hamish Harding, 58 anos; o francês Paul-Henry Nargeolet, 77, um dos maiores especialistas em Titanic; o executivo paquistanês Shahzada Dawood, 48, e o filho Suleman, 19, ambos cidadãos britânicos. 

 

  • Stockton Rush, CEO da OceanGate, 61 anos: da violação de regras à morte a bordo de sua aposta OceanGate Expeditions/AFP
  • Hamish Harding, britânico, 58, presidente da Action Aviation: milionário apaixonado por aventuras Dirty Dozen Productions/AFP
  • Shahzada Dawood, empresário paquistanês, 48; e o filho Suleman, 19: família dilacerada pela catástrofe Dawood Hercules Corporation/AFP
  • Paul-Henri Nargeolet, francês, 77, um dos maiores entusiastas em Titanic: 35 mergulhos até o navio Joël Saget/AFP

"Nesta manhã, um ROV, ou veículo operado remotamente, do navio Horizon Arctic, descobriu o cone da cauda do submersível Titan a 487m da proa do Titanic, no fundo do mar", declarou John Mauger, contra-almirante da Guarda Costeira dos EUA. "Em consulta com especialistas do comando unificado, os destroços são consistentes com uma perda catastrófica da câmara de pressão. Em nome da Guarda Costeira dos EUA, eu ofereço minhas mais profundas condolências às famílias." O Wall Street Journal revelou que a Marinha detectou um sinal que indicava a provável implosão no domingo (18/6), pouco depois do seu desaparecimento.

Por meio de nota, a OceanGate, sediada em Everett (no estado de Washington), lamentou a morte de seu CEO e dos demais tripulantes. "Eram verdadeiros exploradores, que compartilhavam um forte espírito aventureiro e uma paixão profunda por explorar e proteger os oceanos do mundo." Harding, Nargeolet, Shahzada e Suleman pagaram US$ 250 mil (R$ 1,1 milhão) para terem direito a uma vaga no Titan. O submersível perdeu contato com o navio-tanque Polar Prince, da empresa canadense Horizon Maritime, no domingo, 1 hora e 45 minutos após iniciar um mergulho que duraria sete horas.

Além da cauda do submersível, o ROV encontrou quatro grandes peças. A Guarda Costeira descartou que os ruídos subaquáticos detectados entre a noite de terça-feira (20) e a manhã de quarta-feira (21) tivessem qualquer ligação com o Titan.  

Submarino titan
Submarino titan (foto: AFP)

Integrante da equipe que descobriu os destroços do Titanic em 1985, Jules Jaffe — oceanógrafo do Laboratório de Física Marinha da Universidade da Califórnia, San Diego — admitiu ao Correio que "pressões excessivas levaram o veículo a implodir". Questionado sobre o fascínio exercido pelo transatlântico que repousa no fundo do mar há 111 anos, Jaffe respondeu: "Vejo o Titanic como um fracasso lendário de nossa habilidade de estar na disputa entre o luxo e as forças da natureza". "Ricos e pobres morreram e sobreviveram. Acho que as várias viagens do Titan causaram fadiga dos componentes mecânicos, que falharam", aposta. 

Dúvidas sobre a segurança constaram em uma ação judicial envolvendo o ex-diretor de operações marítimas da OceanGate, David Lochridge, que foi demitido em 2018 após alertar sobre o casco "experimental" de fibra de carbono.

"A pressão do Titan falhou de forma catastrófica, o que pode ser resultante do próprio desenho da embarcação, feita de titânio e de um tubo de fibra de carbono, com uma pequena janela. Trata-se de um desenho relativamente novo, com diferentes materiais, e a forma com que reagem à pressão pode ter levado à falha", explicou ao Correio Stefan Williams, professor de robótica marinha da Universidade de Sydney. Ele espera novos detalhes sobre a tragédia após a investigação feita pelos ROVs. "Eles buscarão evidências sobre quais partes do Titan entraram em colapso, se foram as cabines principais de titânio ou a fibra de carbono. Também poderão recuperar alguns elementos do submersível, o que será particularmente desafiador, por causa da grande profundidade. Talvez recolham pequenas amostras usando os ROVs. Mas resgatar pedaços maiores do submersível será particularmente difícil."

Primeiro britânico a mergulhar até o Titanic nos submersíveis russos Mir-1 e Mir-2, também usados pelo cineasta James Cameron, Dik Barton disse à reportagem que a implosão provocada pela alta pressão deve ter ocorrido logo depois que o Titan perdeu contato com a superfície. "Isso provavelmente ocorreu a 3.000 ou 3.500 metros de profundidade. Os submersíveis que utilizamos eram esferas e foram projetados para suportar pressões subaquáticas extremas. Quando você começa a ver embarcações no formato e no estilo do Titan, percebe que são vulneráveis. A pressão de águas profundas adora linhas retas e cantos. Infelizmente, o desenho não ajudou. Imagino que o material empregado na construção poderia ter qualidade melhor e se submeter a regulações", admitiu. 

O canadense Ken LeDez, especialista em medicina hiperbárica da Universidade Memorial de Newfoundland, lembrou que os tripulantes do Titan se comunicaram com a superfície por algum tempo, mesmo em grande profundidade. "A morte deve ter ocorrido instantaneamente. A 300m de profundidade, o ar é tão narcótico que eles ficariam inconscientes mesmo com um único suspiro. A água entraria tão rapidamente que o afogamento seria imediato. Mas, provavelmente, eles tiveram uma parada cardíaca por compressão torácica", explicou ao Correio. "Se a embarcação implodiu, eles ficaram inconscientes e não sofreram."

 


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Diretor de Titanic vê semelhanças entre tragédias

 (crédito: Peter Muhly/AFP)
crédito: Peter Muhly/AFP

Diretor de Titanic vê semelhanças entre as tragédias

 

James Cameron, o diretor do longa-metragem Titanic, estrelado por Leonardo DiCaprio e por Kate Winslett, afirmou à emissora ABC News que fez 33 mergulhos até os destroços e admitiu semelhanças entre o naufrágio do transatlântico, em 1912, e a tragédia com o Titan. "Estou impressionado com a semelhança do desastre do Titanic em si, onde o capitão foi repetidamente avisado sobre o iceberg à frente do navio e ainda navegou a toda velocidade em um campo de gelo, numa noite sem lua. Muitas pessoas morreram com o resultado. E com uma tragédia muito semelhante, onde os avisos foram ignorados. E ela ocorreu no mesmo local, com todos os mergulhos que estão acontecendo em todo o mundo. É simplesmente surpreendente", disse Cameron. 

 

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