Por seis votos contra três, a Suprema Corte dos Estados Unidos, de maioria conservadora, decidiu que faculdades e universidades do país não mais poderão levar em conta a raça e a etnia como critérios de admissão, colocando fim aos chamados programas de ação afirmativa. Todos os seis juízes conservadores concluíram que a consideração da cor da pele ou da origem étnica dos candidatos é inconstitucional — a análise focou-se em programas de admissão das Universidades de Harvard e da Carolina do Norte, que também avaliam a raça e a origem étnica dos futuros acadêmicos. A medida afeta negros, mas também hispânicos e indígenas americanos.
A surpresa ficou por conta do voto de Clarence Thomas, o segundo negro na máxima instância do Judiciário. "Mantenho a esperança duradoura de que este país viverá pelos princípios tão claramente enunciados na Declaração de Independência e na Constituição dos EUA: todos os homens são criados iguais, são cidadãos iguais, e devem ser tratados igualmente ante a lei", discorreu. Ao colocar-se contrário à ação afirmativa, ele descreveu os programas como "preferências sem rumo e baseadas na raça projetadas para garantir uma mistura racial em suas classes iniciais".
Presidente da Suprema Corte, o juiz John Roberts esclareceu que "o aluno deve ser tratado com base em suas experiências como indivíduo, não com base em sua raça". Os magistrados conservadores sustentaram que a decisão sobre aceitar um acadêmico com base em se ele é negro ou branco configura discriminação. "Nossa história constitucional não tolera essa opção", acrescentou Roberts.
Por meio de nota, a Universidade de Havard assegurou que cumprirá as deciões da Justiça e reafirmou "o princípio fundamental de que o ensino, a aprendizagem e a pesquisa profundos e transformadores dependem de uma comunidade composta por pessoas de muitas formações, perspectivas e experiências vividas". "Nós afirmamos que, como o ensino, o aprendizado, a pesquisa e a criatividade que trazem progresso e mudança exigem debate e discordância, a diversidade e a diferença são essenciais para a excelência acadêmica", destaca a nota. "Harvard sempre será um local de oportunidade, um lugar onde as portas permanecem abertas para aqueles a quem há muito tempo têm sido fechadas."
Distanciamento
Pouco antes das 13h desta quinta-feira (meio-dia, em Brasília), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, fez um pronunciamento à nação a partir da Sala Rossevelt da Casa Branca. "Ao longo de 45 anos, a Suprema Corte dos EUA reconheceu a liberdade de uma faculdade para decidir como construir corpos estudantis diversos e para cumprir com sua responsabilidade de abrir as portas para cada americano", lembrou. De acordo com o democrata, a Corte se afastou de décadas de precedentes. "A Corte acabou, efetivamente, com a ação afirmativa nas admissões em faculdades. E eu discordo veementemente da decisão", acrescentou.
Biden ressaltou que "a discriminação ainda existe nos EUA". "A decisão não muda isso. É um simples fato que, se um aluno teve que superar adversidades em seu caminho para a educação, as universidades devem reconhecer e valorizar isso. (...) Não podemos deixar que essa decisão seja a última palavra. Quero enfatizar: não podemos deixar que essa decisão seja a última palavra." O presidente defendeu que os norte-americanos não devem permitir que o país se distancie do sonho sobre o qual foi fundado: o de que a oportunidade é para todos, não apenas para poucos. "Precisamos manter uma porta aberta para as oportunidades; precisamos lembrar que a diversidade é nossa força."
Saiba Mais
Por sua vez, a vice-presidente Kamala Harris, negra e filha de imigrante indiana, classificou a decisão como "um passo atrás para a nossa nação". "Isso reverte um precedente estabelecido há muito tempo e tornará mais difícil para estudantes de origens subrepresentadas terem acesso às oportunidades que os ajudarão a atingir todo o seu potencial."
O ex-presidente Barack Obama reconheceu que "a ação afirmativa nunca foi uma resposta completa na busca por uma sociedade mais justa". "Mas, para gerações de alunos que foram sistematicamente excluídos da maioria das instituições-chave, isso nos deu a chance de mostrar que mais do que merecíamos um lugar à mesa. Na esteira da decisão da Suprema Corte, é hora de redobrar nossos esforços."
O republicano Donald Trump, antecessor de Biden, comemorou. "É um grande dia para a América. Pessoas com extraordinária habilidade e com todo o necessário para o sucesso (...) estão sendo recompensadas", escreveu no Truth Social, rede social dele mesmo. "Vamos voltar a tudo baseado no mérito e assim é que deve ser."
Além de Trump, lideranças do Partido Republicano comemoraram a decisão. Kevin MCarthy, presidente da Câmara dos Representantes, sublinhou que "os juízes acabaram de determinar que nenhum americano deveria ter negadas oportunidades educacionais por causa da raça". "Este é um grande dia para todos os americanos", declarou o senador Ted Cruz, membro do Comitê Judiciário. Chuck Schumer, líder da maioria democrata no Senado, desqualificou o fim da ação afirmativa como "um obstáculo gigante na marcha de nosso país rumo à justiça racial".
"Decisão ruim"
Professor de direito da Temple University (na Filadélfua), Zamir Ben-Dan admitiu ao Correio que não se surpreendeu com a decisão, dada a composição da Suprema Corte. "É uma decisão ruim para aqueles que defendem a justiça racial. Ela levará a um declínio das matrículas de alunos não brancos nas universidades e faculdades, especialmente aqueles de cor."
Ben-Dan esclarece que a decisão se aplica a todas as instituições de ensino superior. Ele lembrou que universidades mantinham programas de ação afirmativa com o intuito de ampliarem a diversidade. "Isso significava ter mais mulheres, mais pessoas não brancas e outras, que não sejam homens brancos e ricos. O que muda, agora, é que a raça não pode mais ser considerada", disse. As decisões da máxima instância do Judiciário têm efeito imediato.
Donald P. Harris — reitor associado para Assuntos de Equidade, Diversidade e Inclusão na Faculdade de Direito da Temple University — considerou a decisão da Suprema Corte como "infeliz, decepcionante e frustrante, mas não inesperada". Segundo ele, não havia razão para que os juízes aceitassem o caso, pois nada mudou desde a última vez que abordaram a ação afirmativa. "A menos que a Justiça estivesse preparada para derrubar as políticas de ação afirmativa das universidades. A decisão remove a raça como uma consideração para as políticas de admissão", observou.
Harris questionou a decisão da Suprema Corte, que, de acordo com ele, faz alegações "altamente suspeitas", como a de que a Constituição não faz discriminação racial e de que vivemos em uma sociedade daltônica — pós-racial e com a superação de preocupações relacionadas à raça. "Essas premissas estão simplesmente erradas."
Saiba Mais
- Mundo Biden afirma que Putin tem um único objetivo: dividir o Ocidente
- Mundo Lista de oligarcas russos mortos aumenta: Kristina Baikova caiu do 11° andar
- Mundo Na França, cidade impõe toque de recolher por tumultos após morte de adolescente pela polícia
- Mundo Mulher prende o pé em esteira rolante de aeroporto e tem perna amputada
Notícias pelo celular
Receba direto no celular as notícias mais recentes publicadas pelo Correio Braziliense. É de graça. Clique aqui e participe da comunidade do Correio, uma das inovações lançadas pelo WhatsApp.
Dê a sua opinião
O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores. As mensagens devem ter, no máximo, 10 linhas e incluir nome, endereço e telefone para o e-mail sredat.df@dabr.com.br.