Argentina

Prisão perpétua para três policiais que assassinaram adolescente negro

Justiça de Buenos Aires condena à pena máxima agentes que dispararam contra a cabeça de Lucas González, 17 anos, um jovem morador da periferia. Três amigos sobreviveram. Pai do rapaz falou ao Correio: "Lucas descansa em paz"

Rodrigo Craveiro
postado em 12/07/2023 06:03 / atualizado em 12/07/2023 07:00
Lucas González foi assassinado com dois tiros na cabeça disparados por policiais, em 2021 -  (crédito: Héctor González)
Lucas González foi assassinado com dois tiros na cabeça disparados por policiais, em 2021 - (crédito: Héctor González)

O ex-jogador de futebol profissional e caminhoneiro argentino Héctor González, 39 anos, deixou o Tribunal de Comodoro Py, em Buenos Aires, com um misto de sensações: orgulho pelo filho, muita emoção e a certeza do dever cumprido. "Enfim, nos escutaram, fizeram o que pedíamos. Não deixamos de ficar nervosos e ansiosos. Graças a Deus e a Lucas, eles deram a pena perpétua a três réus. Foi uma condenação que correspondia ao que fizeram", contou ao Correio, por telefone. Em 2021, Lucas González, um adolescente moreno de 17 anos, foi torturado e assassinado por policiais quando deixava o treino em um clube de futebol, acompanhado de três amigos. O tribunal condenou os oficiais Gabriel Isassi, Fabián López e Juan José Nieva à prisão perpétua. Outros seis agentes acabaram sentenciados a penas entre quatro e oito anos por acobertamento. O assassinato, motivado por ódio racial, expôs a violência institucional e chocou a Argentina. 

"Viemos de uma rotina muito pesada. Toda essa angústia, essa luta constante e terrível. Eles trataram Lucas como se fosse um delinquente. Hoje, somos vítimas da violência institucional. Então, estamos muito contentes com o veredicto", afirmou Héctor. "Sentimos alívio no coração. Agora, Lucas descansa em paz; algo que ele tanto merecia", desabafou. Em 17 de novembro de 2021, o garoto e os amigos usaram o carro do pai de um deles para treinar no clube Barracas Central de Florencio Varela, periferia sul de Buenos Aires. Ao pararem em um quiosque para comprar bebida, foram abordados por policiais em uma viatura descaracterizada. Os quatro imaginaram tratarem-se de criminosos e aceleraram o carro para fugir. Os agentes abriram fogo. Lucas foi atingido por dois disparos na cabeça e morreu, pouco depois, no hospital. 

Um dos três amigos conseguiu escapar e acabou salvo. Os outros foram jogados ao chão, algemados, chutados e presos. Durante o julgamento, foi atestado que a polícia "plantou" uma arma de brinquedo no carro em que os jovens estavam. "Minha vida foi destruída. Estou morta enquanto estava viva. Que (os culpados) não saiam da cadeia até eu tirar Lucas do cemitério, ou seja, nunca", disse Cintia López, mãe de Lucas, acrescentando que "a justiça foi feita", após o anúncio do veredicto.

Para Héctor, o filho foi morto "por ser moreno". "Eles o estigmatizaram, o julgaram, o mataram pela cor da pele. Não há nenhuma dúvida disso. Estamos muito contentes por termos provado o agravante de ódio racial", afirmou o pai. Ele espera que o veredicto dos assassinos de Lucas seja uma lição para a Argentina, o Brasil e outros países. "Que ninguém seja julgado pela aparência e pelo modo como se veste. Nem por usar um boné ou por ter a pele marrom ou escura. Antes de tudo, somos todos iguais", disse. 

Lucas González (E) com o pai, Héctor: tragédia pôs fim ao sonho de seguir carreira no futebol
Lucas (D) com o pai, Héctor: tragédia pôs fim ao sonho de seguir carreira no futebol (foto: Héctor González)

A um pedido da reportagem para que falasse um pouco sobre Lucas, Héctor se emocionou. "O que um papai pode falar do filho? O melhor. Eu me sentia abençoado por ter Lucas. Foi assim por toda a vida. Desde os três anos, ele amava o futebol. Até chegar aos 17 e encontrar com esses assassinos. Eles acabaram com o sonho de Lucas e de toda a família, de ele seguir carreira no futebol. Estou muito orgulhoso por ser papai de Lucas", admitiu, ao usar o tempo presente. 

Segundo a agência de notícias France-Presse, a condenação dos três policiais foi por "homicídio quintuplamente qualificado, premeditação, traição, racismo e abuso de poder", além da tentativa de homicídio contra os outros três jovens que estavam com a vítima. Entre os 11 acusados de adulteração de provas, cinco foram absolvidos. Dos seis oficiais condenados, três comissários e um vice-comissário receberam penas de seis anos de prisão e 10 anos de inelegibilidade por cumplicidade no caso. Enquanto dois oficiais foram sentenciados a quatro anos por cumplicidade e oito anos por tortura, respectivamente.

"É uma sentença histórica para a Argentina, para que nunca mais haja casos como Lucas González. Conseguimos que as vítimas e seus pais tenham sido considerados vítimas de violência institucional. É histórica porque nunca ouvimos condenações por violência institucional por ódio racial anteriormente", disse o advogado do autor da ação, Gregorio Dalbón, ao citar a decisão, cuja fundamentação será conhecida em 23 de agosto. 

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