Horror no Oriente Médio

Israel: ajuda humanitária a Gaza só com liberação de reféns

Em meio aos apelos de organismos internacionais, o governo de Israel diz que "nenhum hidrante será aberto" em Gaza até o Hamas entregar sequestrados. Água, comida e remédios estão no fim no enclave

Comboio de veículos blindados israelenses avança perto da fronteira com a Faixa de Gaza:  milhares de pessoas, tanto israelenses quanto palestinas, morreram desde o ataque do Hamas, no último sábado (7/10) -  (crédito: Menahem KAHANA / AFP)
Comboio de veículos blindados israelenses avança perto da fronteira com a Faixa de Gaza: milhares de pessoas, tanto israelenses quanto palestinas, morreram desde o ataque do Hamas, no último sábado (7/10) - (crédito: Menahem KAHANA / AFP)
postado em 13/10/2023 06:00

Na véspera da reunião do Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), convocada pelo Brasil, o ministro israelense da Energia, Israel Katz, garantiu que, sem a libertação dos cerca de 150 reféns sequestrados pelo grupo islamita Hamas, não haverá trégua ao cerco a Gaza. "Ajuda humanitária para Gaza? Nenhum interruptor elétrico será levantado, nenhum hidrante será aberto e nenhum caminhão de combustível entrará até que os reféns israelenses voltem para casa. Humanitário por humanitário. E ninguém deve nos dar lições de moral", postou, na rede social X.

A publicação foi uma resposta ao Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) e ao Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PMA), que denunciaram nesta quinta-feira (12/10) o estado crítico em que se encontram os mais de 2,3 milhões de moradores da Faixa de Gaza e os 220 mil refugiados nas imediações. Em nota, o PMA informou que os estoques de água e comida estão no fim, enquanto o CICV destacou que, com o bloqueio imposto ao enclave palestino, não há como reabastecer as farmácias hospitalares. "Sem eletricidade, os hospitais podem se transformar em necrotérios", disse o diretor regional do CICV, Fabrizio Carbon, em um comunicado à imprensa.

Nesta quinta-feira (12/10), um primeiro carregamento de ajuda humanitária, vindo da Jordânia, chegou ao Egito, país com a única porta de entrada ao território palestino que não está sob controle israelense. Porém, embora o suprimento esteja a 50km a oeste da Faixa de Gaza, o bloqueio imposto por Israel impede a chegada das doações. Até mesmo o secretário de Estado norte-americano, Antony Blinken, que está em Israel, afirmou que discutiu com as autoridades a proteção dos civis de Gaza e os esforços para fornecer assistência humanitária. Porém, em uma coletiva de imprensa em Tel Aviv, ao lado do presidente israelense Isaac Herzog, Blinken reiterou que "os civis de Gaza não são alvo das operações de segurança legítimas de Israel para se defender do terrorismo".

Na opinião de Ali Bilgic, pesquisador de Relações Internacionais e Segurança na Universidade de Loughborough, na Inglaterra, Egito e Turquia deveriam conversar com Israel e Hamas, em busca de uma solução que proteja os civis. "Localmente, o cerco a Gaza conduzirá a um desastre humanitário, a menos que os lados em conflito cheguem a acordo sobre um plano de ação de ajuda humanitária por meio dos canais diplomáticos estatais", acredita.

Proporcionalidade

Em um comunicado divulgado ontem, os países-membros da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) disseram ao ministro da Defesa de Israel, Yoav Gallant, que apoiam o país após o ataque do Hamas, mas pediram que as forças respondam proporcionalmente. As mortes já passam de 2,8 mil, sendo 1.537 do lado palestino. A nota também apela que o Hamas "liberte, imediatamente, todos os reféns" e que, em ambos os lados, "se ofereça a maior proteção possível aos civis". O secretário-geral da organização, general Jens Stoltenberg, reiterou a Gallant que a Otan condenou os ataques e reforçou que "Israel não está sozinho".

Na quarta-feira (11/10), o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, destacou que "apesar de toda a raiva e frustração, Israel deve operar conforme as regras da guerra". O ministro da Defesa britânico, Grant Shapps, afirmou que os bombardeios em Gaza não têm civis, mas "terroristas" como alvo. "É uma diferença essencial que acho que todos entendem", disse, citado pela agência France-Presse.

Durante a visita de Antony Blinken, Benjamin Netanyahu voltou a dizer que vai acabar com o Hamas e pediu que o mundo trate o movimento palestino da mesma forma que o grupo jihadista Estado Islâmico (EI). "Assim como o EI foi esmagado, o Hamas será esmagado. E o Hamas deve ser tratado exatamente da mesma forma que o EI foi tratado", declarou.

Síria

O presidente da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, divulgou um comunicado pedindo o fim das "práticas que levam à morte de civis ou abusos contra eles, de ambos os lados". Após se reunir com o rei Abdullah II, da Jordânia. Abbas pediu que os palestinos renunciem à violência, aderindo à resistência popular pacífica e à ação política. Ao mesmo tempo, instou Israel a abrir corredores humanitários e garantir o abastecimento de suprimentos na Faixa de Gaza.

Na Síria, meios de comunicação oficiais anunciaram que os dois principais aeroportos  do país — de Damasco e de Aleppo — foram bombardeados por Israel. Este é o primeiro ataque contra o país desde o início dos conflitos entre Israel e Gaza, e coincide com a passagem de Blinken a Tel Aviv. Poucas horas antes, o presidente do Irã, Ebrahim Raisi, telefonou para o líder sírio Bashar al-Assad, pedindo aos países árabes e islâmicos que cooperem "para parar os crimes do regime sionista contra a nação palestina oprimida".

O especialista em Relações Internacionais da Universidade de Loughborough Ali Bilgic prevê que a violência deverá aumentar nos próximos dias, com implicações para a geopolítica global e regional. "Se outros estados árabes, especialmente a Arábia Saudita, não formularem uma posição pró-Palestina (isto não significa necessariamente apoio ao Hamas), o Irã poderá se apresentar como o único defensor dos palestinos à custa de outros estados árabes."

Palavra de especialista // Ciclo vicioso de vingança

"Ao longo dos últimos 10 meses, Benjamin Netanyahu concentrou-se em minar a democracia de Israel e em desviar recursos, incluindo militares, para os seus apoiadores nacionalistas ultra-religiosos, ignorando todos os avisos sobre os seus efeitos nocivos, nomeadamente nas Forças de Defesa de Israel (FDI). Neste momento, os soldados das FDI parecem confiar muito mais na robusta sociedade civil de Israel para apoio logístico, financeiro e moral, do que no seu próprio governo. As imagens horrendas nas redes sociais terão um efeito duradouro, alimentando o ciclo vicioso de humilhação e vingança que tem sustentado o conflito há gerações. O perigo de uma nova escalada e expansão do conflito é imenso, com possivelmente vastas implicações globais."

Uriel Abulof, especialista em conflitos étnicos no Oriente Médio, pesquisador do Instituto Truman para o Avanço da Paz da Universidade Hebraica e professor visitante da Universidade de Cornell

Eu acho...

“Existe uma pressão para destruir o Hamas, mas uma invasão de Gaza será extremamente sangrenta para ambos os lados e nunca conseguirá erradicar o Hamas. Essa situação revela também um fracasso diplomático da administração do (presidente norte-americano) Joe Biden. Ele deveria, agora, abandonar o esforço para reconciliar Israel e a Arábia Saudita e, em vez disso, pressionar por um governo de unidade nacional em Israel que reúna os israelenses."

Stuart Kaufman, professor de relações internacionais da Universidade de Delaware, nos Estados Unidos e autor do livro Ódios Modernos: A Política Simbólica da Guerra Étnica

 

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