Pedofilia

Igreja Católica: Dossiê cita mais de 200 mil abusos sexuais na Espanha

Relatório de comissão independente apresentado ao Parlamento, em Madri, lança luz sobre casos de pedofilia ocorridos desde 1940. Vítimas falam ao Correio sobre o drama enfrentado na infância

Angel Gabilondo, defensor público da Espanha, apresenta o relatório no Parlamento, em Madri  -  (crédito:  AFP)
Angel Gabilondo, defensor público da Espanha, apresenta o relatório no Parlamento, em Madri - (crédito: AFP)
postado em 27/10/2023 22:24

Uma comissão independente da Espanha revelou, nesta sexta-feira (27/10), um relatório sobre abusos sexuais de menores de idade cometidos por religiosos católicos no país. A estimativa do documento é de que pelo menos 200 mil pessoas tenham sido vítimas de pedófilos desde 1940. O número faz parte de uma pesquisa feita com cerca de 8 mil cidadãos espanhóis, a qual atesta que 0,6% da população adulta sofreu abusos, enquanto crianças, por parte de membros da Igreja Católica. O índice sobe para 1,13% se considerados os abusos perpetrados por laicos dentro de instituições religiosas — nesse cenário, são 400 mil casos.

O guia turístico Fernando Salmones contou ao Correio que foi vítima de abuso sexual quase meio século atrás. "Foi no colégio católico onde eu estudava. Eu tinha 14 anos, e o diretor abusava de mim", afirmou. "Você perde a inocência de uma forma drástica." Segundo ele, o ponto crucial para evitar que casos como esse ocorram está na inclusão de educação sexual nas escolas. "Para que as crianças saibam se defender (...), saibam o que não pode acontecer e quem não pode entrar na intimidade delas", explicou.

O defensor público Ángel Gabilondo, coordenador da equipe que produziu o relatório, afirma que a maioria dos casos ocorreu entre 1970 e 1990, apesar de alguns relatos remontarem à década de 1940. Com mais de 700 páginas, o estudo intitulado Uma resposta necessária foi entregue ao Congresso espanhol, que o encomendou em março do ano passado.

Ana Cuevas, presidente da associação espanhola Infância Roubada, contou que o assunto ainda é tabu no país. "É um problema do qual não se fala. E o que não se fala, não se legisla", afirmou ao Correio, em uma crítica à forma como o governo local se omitiu, historicamente, sobre o tema. Cuevas é mãe de uma vítima de abuso. Ela revelou que a família teve que se mudar da cidade em razão das ameaças que passaram a receber.

O primeiro-ministro da Espanha, Pedro Sánchez, comemorou a entrega do relatório. "Hoje somos um país um pouco melhor, porque se jogou luz sobre uma realidade que todo mundo sabia há muitos anos, mas da qual ninguém falava", disse. Todas as fontes ouvidas pelo Correio concordam que os esforços impostos  pelo governo espanhol para tratar da questão foram insuficientes. Elas esperam que, a partir desse documento, leis sejam criadas para proteger e reparar os atingidos. "Precisamos seguir em três direções: prevenção, informação e atenção às vítimas", detalhou Cuevas. "Não podemos continuar a omitir socorro."

"Os pedófilos escolhem as pessoas vulneráveis, aquelas que têm relações familiares ruins, que vão guardar segredo", analisa Teresa Conde, professora de filosofia, também vítima de abuso quando criança. O agressor era frade na igreja que seus pais frequentavam, tornou-se amigo próximo da família e, depois, diretor de um colégio religioso. "Foram anos (de abuso). O primeiro foi no carro dele", relembrou ao Correio.

Saúde mental

A saúde mental das vítimas de abuso é um dos pontos centrais das discussões sobre o tema. "Muitas vezes, me pergunto como seria a minha vida se não tivesse passado pelo que passei, porque hoje não sou uma pessoa normal", refletiu Teresa. Ela descreve uma sensação de "angústia permanente". "Passar do pânico ao medo era maravilhoso, porque, pelo menos, o medo eu conseguia controlar. O pânico, não", acrescentou. "A Igreja não quer ajudar em nada, e mente. Principalmente o Opus Dei", afirma Fernando, em alusão à ordem eclesiástica da qual foi vítima. Teresa é categórica ao afirmar que "a Igreja jamais dará um passo adiante (sobre esses casos) por vontade própria". "O fator humano não os preocupa nem um pouco", concluiu.

As recomendações do relatório incluem uma indenização às pessoas que sofreram abusos em ambientes religiosos. Em fevereiro passado, a Conferência Episcopal Portuguesa abriu arquivos de abusos a menores e estimou-se que mais de 4,8 mil crianças e jovens foram vítimas de religiosos nos últimos 72 anos, com 512 casos efetivos de pedofilia. A Conferência Episcopal Espanhola (CEE) prometeu tomar uma posição sobre o relatório, na próxima segunda-feira, durante uma assembleia extraordinária.

 

EU ACHO...

Teresa Conde, professora de filosofia, vítima de abuso sexual por membro da Igreja Católica
Teresa Conde, professora de filosofia, vítima de abuso sexual por membro da Igreja Católica (foto: Arquivo pessoal )

"A única forma de obrigar a Igreja a contribuir para a reparação dos danos causados às vítimas é financeiramente. Se tem uma coisa que dói à Igreja é o fator econômico. O fator humano não a preocupa nem um pouco. Eles já deixaram claro que se corromperam como instituição e que não têm o mínimo interesse de reparar o dano que foi feito."

Teresa Conde, professora de filosofia, vítima de abuso sexual por membro da Igreja Católica

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