Eles ignoraram o pacote antipiquete anunciado pelas ministras Patricia Bullrich (Segurança) e Sandra Pettovello (Capital Humano). Convocados por organizações de esquerda, como o Polo Obrero, o Partido Obrero e o Movimiento Socialista de los Trabajadores, milhares de manifestantes saíram às ruas de Buenos Aires para protestar contra as medidas de ajuste fiscal promovidas pelo governo do presidente Javier Milei, há 11 dias no comando da Casa Rosada. Mas também para lembrar o 22º aniversário de um protesto que deixou 39 mortos, em 19 e 20 de dezembro de 2001, e culminou na queda do então presidente Fernando de la Rúa.
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As autoridades prepararam um grande aparato de segurança. De acordo com o jornal Clarín, havia um policial para cada dois manifestantes. A marcha, que começaria em frente ao Congresso, teve a concentração inicial alterada para dois pontos: os participantes saíram as avenidas Florida e Belgrana e caminharam até a Plaza de Mayo, em frente à Casa Rosada, sede do Executivo. Milei, Bullrich e outros integrantes do governo acompanharam os protestos por meio de telões instalados na sede da Polícia Federal.
Durante a noite, Bullrich comemorou o fato de que houve "livre circulação" em todo o país e classificou a marcha de ontem como "uma derrota dos gerentes da pobreza". "Em média, esse tipo de piquete reúne entre 20 mil e 50 mil pessoas. O número de hoje (quarta-feira, 20) foi totalmente reduzido."
Cerca de três horas antes do início do protesto, Eduardo Belliboni — líder do Polo Obrero e um dos organizadores da manifestação — disse ao Correio que Buenos Aires viveu praticamente um estado de sítio nesta quarta-feira. "No entanto, tomamos a decisão de marchar, de defender todas as reivindicações que temos. A liberdade de manifestação, o direito, consagrado pela Constituição Nacional, a manifestar-se e a levar adiante as reclamações dos trabalhadores está em jogo."
Ele considerou o ato desta quarta-feira "muito importante". "Trata-se de defender as liberdades democráticas, ameaçadas por um governo reacionário e antidireitos, como o de Milei. Policiais, carros blindados e infantarias estavam espalhados por todos os lados. Parece um ditadura militar", acrescentou.
Belliboni não poupou críticas às ameaças feitas pela ministra do Capital Humano, Sandra Pettovello, de cortar benefícios sociais aos participantes de piquetes. "Foi uma declaração absolutamente ilegal, inconstitucional e antidemocrática. Uma pessoa não perde o direito de manifestar por ter um benefício social", rebateu.
"Estado de medo"
O organizador da marcha prometeu levar a ministra Pettovello à Justiça, "caso ela se anime a cometer uma barbaridade dessas". "As ameaças visam criar um estado de medo. Não podem fazer isso. Não têm autoridade, porque a pessoa não está cometendo delito algum, apenas exercendo um direito", disse Belliboni.
Deputada pelo Partido Obrero e pela Frente de Izquierda y de los Trabajadores, Romina Del Plá falou ao Correio ao fim da marcha. "O balanço da manifestação é muito exitoso, sob o ponto de vista das quase 100 organizações que convocaram esse ato. Em primeiro lugar, realizamos a mobilização que lembra a repressão ocorrida em 19 e 20 de dezembro de 2001, quando o presidente Fernando de la Rúa e seu ministro da Economia, Domingo Cavallo, tiveram que renunciar, impondo um fim ao ciclo do menemismo", afirmou. "Foi uma marcha contra o Plano Motosserra de Milei e a readequação dos salários, das aposentadorias e dos planos sociais. Parece-me crucial o fato de termos enfrentado o protocolo antipiquetes de Bullrich."
Del Plá denunciou que a polícia e as forças de segurança mobilizadas em Buenos Aires tentaram amedrontar os manifestantes. "Os agentes violentaram direitos constitucionais. As imagens que vimos mostravam policiais averiguando ônibus e revistando mochilas. Houve operativos em estações ferroviárias, para evitar a aglomeração de pessoas. De algum modo, isso tudo foi derrotado. Toda a jornada buscou evitar provocações, inclusive a tentativa de que as colunas de manifestantes não entrassem na Plaza de Mayo", descreveu. Segundo ela, os manifestantes tiveram sucesso em ingressar no local.
DUAS PERGUNTAS PARA...
EDUARDO BELLIBONI, líder do Polo Obrero e um dos organizadores da manifestação
Por qual razão vocês convocaram a manifestação desta quarta-feira?
A convocação dessa mobilização foi feita por organizações de piquetes e de desempregados, por organizações que lutam, nas ruas, pelo trabalho genuíno. Foi uma convocação contra o ajuste fiscal levado a cabo pelo governo de Milei, que também tem um antecedente de ajuste do governo peronista de Cristina Fernández de Kirchner, de Alberto Fernández e de Sergio Massa. Esse último também realizou um ajuste, com a ajuda do Fundo Monetário Internacional (FMI), o qual foi aprofundado pelo governo Milei a níveis extraordinários, com um ajuste nos salários e nas aposentadorias, e com um corte nos benefícios sociais. Isso está acompanhado de uma política repressiva. Eles entendem que, para que esse ajuste passe, é preciso reprimir os trabalhadores e as manifestações.
Uma radicalização do governo pode levar o Polo Obrero e outras forças da esquerda a intensificarem os protestos?
Consideramos que, em caso de pressão, deveremos ampliar as mobilizações de rua, inclusive reclamar junto à Confederação Geral do Trabalho da República Argentina (CGT) e à Central de Trabalhadores e Trabalhadoras da Argentina (CTA), uma greve nacional ativa, com protestos, para derrotar esse esquema repressivo. Quando reprimem um setor dos trabalhadores ameaçam a todos. A Argentina vive um filme de terror, algo parecido com a obra 1984, de George Orwell. Nas estações ferroviárias, há luminosos avisando às pessoas para não se mobilizarem ou terão os benefícios sociais retirados. (RC)
POR DECRETO, MILEI DESREGULA A ECONOMIA
Na noite desta quarta-feira, o presidente da Argentina, Javier Milei, ordenou a desregulação da economia por meio de um decreto que modifica ou revoga mais de 300 normas, incluindo as leis de aluguel, abastecimento e o regime trabalhista. “O objetivo é iniciar o caminho de reconstrução do país”, declarou o chefe de Estado, acompanhado de ministros (foto), em discurso transmitido por rádio e televisão. Entre as medidas, estão a regulamentação que impede a privatização de empresas públicas e do regime das empresas estatais. O decreto transforma todas as empresas do Estado em sociedades anônimas, a fim de serem privatizadas posteriormente.
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