MEMÓRIA

A fotógrafa que registra a agonia de perder a mãe aos poucos para a demência

Helen Rimell vive o luto pela mãe, Susan, desde que ela foi diagnosticada com demência vascular em 2015. E documentou em imagens a evolução da doença da mãe.

Susan foi diagnosticada com demência vascular de início precoce em 2015 -  (crédito: Helen Rimell)
Susan foi diagnosticada com demência vascular de início precoce em 2015 - (crédito: Helen Rimell)
BBC
Nicola Bryan - BBC News
postado em 11/01/2024 18:25 / atualizado em 11/01/2024 21:03

"Com a demência, é como se eles morressem repetidas vezes e lentamente."

Helen Rimell tem vivido o luto por sua mãe, Susan, desde que ela foi diagnosticada com demência vascular no início de 2015.

Há dois anos, Helen deixou sua vida em Londres para se mudar de volta para o sul do País de Gales e tornar-se cuidadora em tempo integral da mãe, de 75 anos.

Fotojornalista e fotógrafa de casamentos, ela já retratava a mãe há décadas e continuou a fazê-lo, o que resultou em um projeto muito pessoal chamado No Longer Her(e) (em inglês, uma combinação das expressões "não mais ela" e "não mais aqui").

"Eu estava tentando processar a dor e a perda, pois ela estava se tornando cada vez menos ela mesma", explica Helen.

"Ela está aqui, mas não está, e é ela mesma, mas não é."

As imagens capturam o declínio cognitivo de sua mãe em pequenos detalhes do cotidiano em casa. Como o sabão com marca de dentes, de quando a mãe tentou comer a barra, perdendo a capacidade de entender o que é comestível.

Ou o copo quebrado em uma poça de líquido após ela derrubá-lo no chão.

Outras imagens mostram Susan sendo alimentada pela neta, com uma colher, ou ela deitada na cama após já ter esquecido como se vestir.

'Era minha melhor amiga'

Helen e sua mãe sempre foram muito unidas.

"Ela era minha melhor amiga, eu contava tudo a ela", diz Helen.

“Ela era divertida, engraçada, gentil, atenciosa, muito empática, muito compassiva. Foi a única pessoa que realmente me entendeu e me protegeu", acrescenta.

Em 2010, Susan sofreu uma hemorragia cerebral. E nos anos seguintes começou a esquecer os nomes das pessoas e algumas palavras.

Ao receber o diagnóstico de demência em 2015, a progressão da doença parecia inicialmente lenta.

Helen lembra-se com carinho de uma viagem que fez pela Europa com a mãe em 2018.

"Na época ela estava esquecida, mas ainda era muito divertida, realmente uma grande companhia", diz ela.

"Ela adorou essa viagem. Todos os dias tomávamos um Aperol spritz ao entardecer", acrescenta.

Quando a epidemia de covid-19 chegou ao Reino Unido em 2020, Helen foi forçada a passar menos tempo com a mãe e começou a notá-la cada vez mais distante de quem havia sido.

Ela já não reconhecia lugares, às vezes se perdia ao sair de casa e era trazida de volta por policiais.

A casa da infância de Susan – na aldeia de Langland, península de Gower, em Gales – era um lugar ao qual Helen levava a mãe com frequência. E as memórias do lugar foram algumas das últimas a desaparecer.

"Eu a levei lá em fevereiro de 2020 e ela olhou ao redor e não se lembrou; isso para mim foi algo gigante", conta Helen.

Pequenos momentos de felicidade

Durante a pandemia, os cuidadores de Susan deixaram de atendê-la e, em setembro de 2021, Helen decidiu se mudar e cuidar ela mesma da mãe.

"É muito difícil em todos os sentidos: mental, emocional e fisicamente", diz Helen.

Susan passou por um período de agressividade e violência.

Ela odiava a hora do banho. Ela cravava as unhas, dobrava seus dedos para trás, batia, esbofeteava e lutava com você”, disse Helen.

"No começo ela era realmente maníaca – subindo, descendo, subindo, descendo, subindo, descendo, andando, movendo móveis, arrastando mesas, arrastando móveis por horas todas as noites."

Ela também brigava por tudo que você fazia com ela, quebrando coisas.

“Ela perambulava por aí se a porta fosse deixada aberta, então era necessário trancá-la”, lembra.

Susan não consegue mais manter uma conversa, não usa talheres e tem incontinência.

Mas há pequenos momentos de felicidade.

"Ela adorava dançar. Você colocava Elvis e ela ficava dançando e dançando na sala – hoje ela ainda bate o pé", diz Helen.

O que Susan pensaria dessas imagens tão pessoais?

"Nós falamos sobre isso, minha mãe e eu, que eu ia documentar sua doença, documentar nosso relacionamento, sempre foi um plano. Ela disse que era importante", diz Helen.

"Documentei de forma intermitente desde que eu estava na faculdade. Ela sempre permitiu e sempre me apoiou muito na minha carreira."

Presa no limbo

Quando Helen era estudante, ela fez um projeto sobre o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC) da mãe, que até posou nua em sua banheira para uma fotografia.

"Nós temos essa relação: ela confia em mim e eu confio nela", explica Helen.

Os últimos anos têm sido muito difíceis para Helen, que tem feito malabarismos para cuidar da mãe e trabalhar.

Ela mantém sua casa em Londres, mas parece um mundo distante.

"Eu costumava dançar swing quatro vezes por semana, mas agora é difícil manter amizades. Não me sinto parte da minha vida em Londres", diz Helen.

"Parece que não tenho um propósito. Estou presa no limbo enquanto os outros seguem em frente com suas vidas."

A demência provou ser algo muito diferente do que Helen imaginava antes de se tornar a cuidadora da mãe.

"Eu não sabia realmente o quão ruim era a demência ou como era o final", conta.

“Nos filmes você tem uma velhinha doce sentada em uma casa. Ela esquece seu nome, mas no último minuto ela lembra de como dançar com você e de sua música preferida".

"Mas não é assim", lamenta."Toda a personalidade muda, sem falar em toda a deterioração física, a agressividade e todas as coisas diferentes que vêm junto."

Apesar de ter de pausar sua própria vida e da dor com que vive diariamente, Helen não tem arrependimentos.

"Eu faria tudo de novo: ela fez isso por mim e eu quero devolver o amor que ela me deu", diz ela.

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