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Ao menos metade dos edifícios de Gaza foram danificados ou destruídos, aponta análise da BBC

Imagens de satélite revelam ao menos 144 mil edificações atingidas desde o início dos ataques israelenses, e como a devastação avança para o sul do território.

Ao menos metade dos edifícios de Gaza foram danificados ou destruídos, aponta análise da BBC -  (crédito: Getty Images)
Ao menos metade dos edifícios de Gaza foram danificados ou destruídos, aponta análise da BBC - (crédito: Getty Images)
BBC
Daniele Palumbo
postado em 31/01/2024 15:47 / atualizado em 31/01/2024 20:29

Mais de metade dos edifícios de Gaza foram danificados ou destruídos desde que Israel lançou sua retaliação aos ataques do Hamas de 7 de outubro de 2023, revela uma nova análise à qual a BBC teve acesso.

Imagens detalhadas do antes e depois também mostram como o bombardeio das regiões sul e central de Gaza se intensificou desde o início de dezembro, com a cidade de Khan Younis sendo alvo de grande parte da força da ação militar de Israel.

Israel tem dito repetidamente aos habitantes de Gaza para se deslocarem ao sul para a sua própria segurança.

Em toda Gaza, áreas residenciais foram deixadas em ruínas, ruas comerciais anteriormente movimentadas reduzidas a escombros, universidades destruídas e campos agrícolas devastados, com acampamentos improvisados surgindo na fronteira sul para abrigar milhares de pessoas que ficaram desalojadas.

Cerca de 1,7 milhão de pessoas – mais de 80% da população de Gaza – estão deslocadas, com quase metade amontoadas no extremo sul da faixa, segundo as Nações Unidas.

Uma análise mais aprofundada, realizada pela BBC Verify, revela a escala da destruição de terras agrícolas, identificando múltiplas áreas de danos extensos.

Questionadas quanto à escala dos danos, as Forças de Defesa de Israel (IDF, na sigla em inglês) dizem ter como alvo tanto os combatentes do Hamas quanto a "infraestrutura terrorista".

Agora, a análise de imagens de satélite obtida pela BBC mostra a verdadeira extensão da destruição.

Esta avaliação indica que entre 144 mil e 175 mil edifícios em toda a Faixa de Gaza foram danificados ou destruídos. Isso representa entre 50% e 61% das edificações de Gaza.

A análise, realizada por Corey Scher, da Universidade da Cidade de New York (Cuny, na sigla em inglês), e Jamon Van Den Hoek, da Universidade do Estado do Oregon, nos EUA, compara imagens para revelar mudanças repentinas na altura ou estrutura dos edifícios, o que indica danos.

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A devastação avança em direção ao sul

A cidade de Khan Younis, no sul do país, foi particularmente atingida nas últimas semanas, com mais de 38 mil (ou mais de 46%) edifícios destruídos ou danificados, de acordo com a análise.

Em duas semanas, mais de 1.500 edifícios foram destruídos ou danificados.

A Torre Al-Farra — um bloco residencial de 16 andares no centro da cidade, o edifício mais alto da região — foi demolida em 9 de janeiro, como pode ser visto nas imagens de antes e depois do horizonte da cidade.

Grande parte do bairro onde a torre estava localizada foi arrasada por ataques israelenses desde o final de dezembro.

"As forças israelenses atacaram complexos residenciais, especialmente na área central de Khan Younis", diz Rawan Qaddah, uma moradora de 20 anos, que foi deslocada e perdeu contato com sua família.

Ela cita escolas entre os muitos edifícios que foram danificados. Alguns estavam sendo usados para alojar temporariamente pessoas deslocadas.

É possível ver claramente o nível de dano à altura da rua. Avenidas comerciais outrora movimentadas ficaram abandonadas ou destruídas.

Estas imagens mostram a frente do restaurante Shawarma Sanabel antes da invasão de Israel, e como ficou o mesmo entroncamento numa imagem de janeiro, após intenso bombardeio da área.

As Forças de Defesa de Israel justificam repetidamente suas ações destacando que o Hamas se esconde deliberadamente em áreas civis e explicam a destruição de edifícios pelo fato de terem como alvo os combatentes.

Mas foram feitos questionamentos sobre a destruição de edifícios aparentemente sob controle das IDF.

Um exemplo foi a Universidade de Israa, no norte de Gaza – inicialmente danificada, e depois completamente destruída no que parece ser uma enorme explosão controlada.

O vídeo foi amplamente compartilhado nas redes sociais e as IDF afirmam que o processo de aprovação da explosão está sendo investigado.

Muitos dos locais históricos de Gaza sofreram grandes danos, incluindo a Mesquita al-Omari, originalmente construída no século 7.

Corey Scher, um dos pesquisadores que trabalhou na avaliação dos danos em Gaza, diz que esta zona de guerra se destaca em comparação com outras que analisou.

"Fizemos trabalhos na Ucrânia, também analisamos Alepo [na Síria] e outras cidades, mas a extensão e o ritmo dos danos [em Gaza] se destacam. Nunca vi tantos danos aparecerem tão rapidamente."

Destruição das terras agrícolas de Gaza

Uma análise mais aprofundada, realizada pela BBC Verify, mostra que grandes áreas de terras antes cultivadas em Gaza foram amplamente danificadas.

Como se pode ver na imagem de satélite abaixo, várias partes de Gaza mostram os efeitos das incursões e bombardeios israelenses.

Embora Gaza dependesse amplamente de importações antes do início da guerra, muitos dos seus alimentos vinham da agricultura e da produção de alimentos dentro da faixa. As agências humanitárias dizem que metade da população de Gaza enfrenta agora a fome.

A BBC Arabic, serviço árabe da BBC, conversou com um agricultor, Saeed, que fugiu de Beit Lahia para o sul, no norte de Gaza, em meados de novembro.

O homem de 33 anos cultivava goiaba, figo, limão, laranja, hortelã e manjericão e ganhava cerca de US$ 6 mil (R$ 30 mil) com essas colheitas todos os anos – a única fonte de renda para ele, seu pai e sua irmã. Ele cuidava da fazenda, herdada dos avós, há 15 anos.

Mas dias depois de fugir, ele conta que um familiar lhe disse que a fazenda havia sido destruída pelas IDF, juntamente com cinco casas vizinhas que pertenciam aos seus familiares.

No norte e no centro de Gaza, onde a maior parte da produção agrícola era realizada antes da guerra, grandes áreas de terra parecem devastadas.

Em muitos locais, os danos correspondem aos locais de construção de defesas israelenses temporárias, como bancos de terra para proteger veículos blindados e a limpeza de terrenos ao redor destes locais.

Alguns agricultores perderam sua produção, embora suas terras não tenham sido diretamente atingidas, apurou a BBC.

Mohamed al-Messaddar, um agricultor de Deir al-Balah, no centro de Gaza, só pôde ir à sua fazenda uma vez desde o início da guerra.

Ao chegar no local durante a trégua em novembro, as laranjas estavam espalhadas, apodrecendo no chão. "A época de colheita das laranjas coincidiu com o início da guerra. Ninguém ousaria ir lá."

Ele diz que perdeu mais de 90% de sua safra de laranjas.

Além de terrenos afetados pela demolição de estradas e construção de defesas, há acusações de destruição deliberada pelas IDF.

Num vídeo publicado online em 4 de novembro, o coronel Yogev Bar-Shesht, vice-chefe da Administração Civil de Gaza, disse: "Quem voltar para cá, se voltar um dia, encontrará terra arrasada. Não há casas, nem agricultura, não há nada. Eles não têm futuro".

As IDF dizem que encontraram entradas de túneis do Hamas e locais de lançamento de foguetes em várias áreas agrícolas, acrescentando que "necessidades operacionais exigem que estes locais sejam destruídos ou atacados".

"Danos ambientais podem ser causados em decorrência de combates e trocas de tiros", afirmam as forças israelenses.

Especialistas em ajuda humanitária temem que os danos à agricultura de Gaza sejam duradouros.

Conflitos anteriores, como os da Síria e da Ucrânia, mostraram que a reabilitação de terras agrícolas pode ser extremamente difícil.

Armamentos não detonados tornam perigoso o regresso dos agricultores ao trabalho. Há também o desafio de limpar terras contaminadas e reconstruir infraestruturas como sistemas de água, energia e transporte.

Surge uma 'cidade de barracas'

A última mudança perceptível em Gaza que pode ser observada a partir do alto é a proliferação de barracas e outras estruturas temporárias para alojar pessoas deslocadas no sul.

As áreas de novas tendas que surgiram entre o início de dezembro e meados de janeiro perto da fronteira egípcia cobriam cerca de 3,5 quilômetros quadrados, o equivalente a quase 500 campos de futebol profissional.

As imagens de satélite, captadas em 3 de dezembro e 14 de janeiro, mostram uma mudança dramática – agora quase todos os terrenos acessíveis e não urbanizados numa área a noroeste de Rafah foram transformados num refúgio para pessoas deslocadas.

Quando lançou a sua campanha contra o Hamas, Israel disse aos palestinos que viviam no norte e no centro de Gaza que se deslocassem ao sul para sua própria segurança. Muitos acabaram em Rafah e enfrentam um futuro incerto.

Reportagem adicional de Jake Horton, Benedict Garman, Tural Ahmedzade, Kate Gaynor e Lamees Altalebi.

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