Conflito no Leste Europeu

"Estamos determinados a alcançar a paz", diz vice-chanceler da Armênia

Após visitar Brasília, vice-ministro armênio das Relações Exteriores elogia cooperação bilateral com o Brasil, denuncia operação militar do Azerbaijão e fala sobre relação com a Turquia

Paruyr Hovhannisian, vice-ministro de Negócios Estrangeiros da Armênia  -  (crédito: Arquivo pessoal )
Paruyr Hovhannisian, vice-ministro de Negócios Estrangeiros da Armênia - (crédito: Arquivo pessoal )
postado em 25/03/2024 06:00

Em 19 de fevereiro passado, Paruyr Hovhannisyan — vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Armênia — esteve em Brasília, onde se reuniu com a embaixadora Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty. Após retornar a Yerevan, ele concedeu uma entrevista ao Correio. O número dois da chancelaria armênia elogiou as relações diplomáticas, culturais e comerciais com o Brasil e destacou que ambos países partilham valores e princípios fundamentais, além de possuírem sociedades civis "vibrantes". Hovhannisyan também falou sobre as consequências da operação militar lançada pelo vizinho Azerbaijão contra o enclave de Nagorno-Karabakh, forçando a expulsão de 100 mil armênios para outras cidades, e denunciou a destruição de patrimônio histórico e cultural na região por parte dos soldados azerbaijanos (ou azeris). O vice-chanceler assegurou a disposição de seu país de firmar uma paz permanente com o Azerbaijão, com base no direito internacional e nas normas jurídicas. Ele também revelou que a Armênia e a Turquia estão engajadas em um processo de negociação para normalizar as relações, sem condições prévias. Entre 1915 e 1923, o Império Otomano matou mais de 1,5 milhão de armênios.  

Como o senhor avalia as relações bilaterais entre Armênia e Brasil?

As relações diplomáticas entre Armênia e Brasil foram estabelecidas há mais de 30 anos, apesar de os laços entre nossos dois povos terem sido firmados muito antes. Os armênios começaram a se estabelecer no Brasil na segunda metade do século 19. Hoje, a comunidade armênia do Brasil é uma das mais bem-sucedidas e prósperas da diáspora armênia. Durante minha visita, testemunhei, com orgulho, o alto nível de integração da etnia armênia na sociedade brasileira, sua contribuição significativa em todo o campo. Seria seguro dizer que a recentemente falecida grande atriz Aracy Balabanian, que era igualmente admirada tanto na Armênia quanto no Brasil, simboliza a presença armênia no Brasil. É particularmente gratificante que os armênios tenham um envolvimento substancial no serviço diplomático brasileiro. Existem vários embaixadores brasileiros de origem armênia. Olhando para o futuro, espero que a comunidade armênia no Brasil continue a promover o desenvolvimento das nossas relações bilaterais, servindo como uma ponte sólida que liga a Armênia e o Brasil. Como nações democráticas, Armênia e Brasil partilham valores e princípios fundamentais, e têm sociedades civis vibrantes. Isto promove um diálogo político dinâmico e uma interação multifacetada. Tive o privilégio de conduzir consultas políticas entre nossos ministérios das Relações Exteriores, em Brasília, em fevereiro. Este é um mecanismo visto por nós como altamente eficaz e valioso para a nossa agenda bilateral. Ao longo dos últimos 32 anos, tivemos muitas visitas recíprocas, incluindo os presidentes e chanceleres dos dois países. Vários acordos foram assinados, e mais estão em andamento.

E em relação às areas do comércio e da cultura?

Embora o nosso volume de negócios anual seja modesto, observamos uma dinâmica positiva e procuramos ativamente oportunidades de negócios em ambos os países. O Brasil se mantém como uma das maiores economias do mundo, enquanto a Armênia demonstrou um crescimento econômico notável após a Revolução de Veludo de 2018, ostentando um crescimento real do PIB de 12,6% em 2022. Com as reformas econômicas e democráticas em curso, existe grande potencial e mútuo interesse em expandir nosso comércio bilateral. Em termos de cooperação cultural, temos o prazer de observar a promoção ativa de intercâmbios culturais — tanto por parte da Embaixada do Brasil em Yerevan quanto de nossa Embaixada em Brasília. Nesse contexto, eu gostaria de destacar o concerto organizado pela Embaixada da Armênia no Brasil, dedicado ao 120º aniversário do renomado compositor armênio Aram Kachaturian. O evento, realizado no Teatro Plinio Marcos, em novembro passado, e interpretado pela Orquestra Sinfônica do Teatro Nacional Claudio Santoro, comemorou os laços estreitos que existiram entre Aram Khachaturian e Claudio Santoro, revelando mais um vínculo entre nossos povos antes mesmo do renascimento da independência Armênia.

Paruyr Hovhannisyan, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Armênia, se reúne com a embaixadora Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty
Paruyr Hovhannisyan, vice-ministro dos Negócios Estrangeiros da Armênia, se reúne com a embaixadora Maria Laura da Rocha, secretária-geral do Itamaraty (foto: MRE )

Os dois países mantêm contribuição em organizações internacionais?

Sim, nossa cooperação não se limita apenas às relações bilaterais – mantemos uma cooperação muito boa e frutífera em organizações internacionais, particularmente na ONU e nas suas agências especializadas, mas também na OEA. O Brasil é um importante parceiro e uma voz nos assuntos internacionais. Até recentemente o Brasil era um membro não-permanente do Conselho de Segurança da ONU. Em muitas ocasiões, Armênia e Brasil apoiaram-se mutuamente nas candidaturas um do outro para serem eleitos para diferentes organismos internacionais.

Qual é a situação atual em Nagorno-Karabakh?

Em 19 de setembro de 2023, depois de mais de 100 mil armênios nativos de Nagorno-Karabakh serem submetidos a nove meses de um bloqueio desumano, o Azerbaijão lançou uma operação militar. Como resultado, a população indefesa da região foi forçada a fugir. Os armênios deixaram para trás suas casas, igrejas, mosteiros, cemitérios e todos os locais culturais, religiosos e históricos. A existência física dos armênios que abandonaram Nagorno-Karabakh esteve sob grave ameaça. Eles foram alvos da retórica oficial anti-arménia e do discurso de ódio e, eventualmente, sujeitos a limpeza étnica. Não há dúvida de que os armênios têm todo o direito de retornar à sua pátria ancestral. No entanto, isso pode ocorrer somente se existirem medidas de segurança internacionalmente garantidas.

Que tipo de danos o patrimônio histórico armênio sofreu durante a operação militar lançada pelo Azerbaijão?

O tema da proteção do milenar patrimônio cultural armênio em Nagorno-Karabakh tornou-se ainda mais premente depois de setembro de 2023, quando sua população inteira foi submetida ao deslocamento forçado. Depois da guerra de 2020, temos testemunhado numerosos casos de destruição física e de políticas lideradas pelo Estado de distorção da identidade do patrimônio armênio, por meio da eliminação das inscrições armênias dos monumentos culturais. Altos funcionários do Azerbaijão declararam abertamente a criação de um chamado "grupo de trabalho" para alterar e apropriar-se ilegalmente do patrimônio religioso e cultural armênio. A Armênia tem alertado consistentemente a comunidade internacional sobre a política de destruição do Azerbaijão, a profanação e a apropriação do vasto patrimônio religioso e cultural, dentro e ao redor de Nagorno-Karabakh, para eliminar totalmente qualquer vestígio da presença civilizacional da população nativa armênia.

A ameaça iminente imposta aos nossos sítios patrimoniais foi bem documentada por organizações internacionais, instituições conceituadas de direitos humanos e especialistas independentes. As ações do Azerbaijão violam totalmente a ordem juridicamente vinculativa sobre as Medidas Provisórias emitidas pela Corte Internacional de Justiça, em 7 de dezembro de 2021, a qual determina ao Azerbaijão "tomar todas as medidas necessárias para prevenir e punir atos de vandalismo e de profanação que afetem o patrimônio cultural armênio, como pré-requisito chave para prevenir a destruição e a distorção da identidade de  igrejas e outros locais de culto, monumentos, marcos históricos, cemitérios e artefatos". Infelizmente, o Azerbaijão se recusa a cooperar na área da preservação cultural e nega acesso a uma missão independente de investigação da Unesco para conduzir o inventário do vasto património cultural e religioso da região. É um sinal detectável de que a herança armênia de Nagorno-Karabakh poderia cumprir o destino da de Nakhijevan — completamente aniquilada pelo Azerbaijão entre 1997-2006.

O processo de paz com o Azerbaijão deverá ser retomado logo?

Apesar dos riscos e ameaças que a Armênia tem enfrentado nos últimos anos, estamos determinados a alcançar a paz e a estabilidade na região, baseados no direito internacional e nas normas jurídicas. Para esse efeito, a Arménia tem realizado grandes esforços e estado envolvida, de forma construtiva, nas negociações com o Azerbaijão. Em outubro de 2023, havia uma chance real de fazermos um avanço no processo de paz. No entanto, o presidente do Azerbaijão (Ilham Aliyev) recusou-se a participar da reunião com a Comunidade Política Europeia, em Granada, e a aderir à declaração assinada pelo primeiro-ministro da Armênia (Nikol Pashinyan), o presidente da França (Emmanuel Macron), o chanceler alemão (Olaf Scholz) e o presidente do Conselho Europeu (Charles Michel), que descreve os princípios da paz entre a Armênia e o Azerbaijão. A retórica do lado azerbaijano tornou-se ainda mais beligerante. Em entrevista recente, o presidente do Azerbaijão questionou os princípios e termos previamente acordados sobre a delimitação das fronteiras com a Armênia e as reivindicações territoriais articuladas, referindo-se ao nosso país como "Azerbaijão Ocidental", o que é um absurdo histórico.

No contexto do desbloqueio das infraestruturas regionais, o governo armênio introduziu o projeto "Encruzilhada da Paz". Baseia-se nos princípios de soberania, jurisdição, igualdade e reciprocidade. Se utilizado, poderá tornar-se parte crucial do processo de paz e contribuir para o reforço dos laços comerciais e econômicos, trazendo à região a tão esperada estabilidade e prosperidade. Embora o Azerbaijão não rejeite formalmente os princípios acima mencionados, continua a promover as ideias que os contradizem os princípios — como, por exemplo, o envio de uma força externa ao longo da infra-estrutura no território soberano arménio, contornando a fronteira da Armênia.

O que é necessário para que Armênia e Turquia normalizem as relações?

A Armênia e a Turquia estão atualmente envolvidas em um processo de negociação destinado a normalizar as relações sem quaisquer condições prévias. No âmbito deste processo, ambos países nomearam representantes especiais para trabalharem na normalização das relações bilaterais. Também houve conversas e vários encontros a nível ministerial, bem como trocas ocasionais entre o primeiro-ministro Pashinyan e o presidente Recep Tayyip Erdogan. Além disso, depois das eleições presidenciais da Turquia, em maio, Pashinyan visitou Ancara e participou da posse do presidente reeleito da Turquia. Alcançamos um acordo sobre a abertura da fronteira terrestre entre Armênia e Turquia para cidadãos de outros países e titulares de passaportes diplomáticos. É importante mencionar que a Armênia concluiu as obras de construção e modernização do posto fronteiriço Margara-Alijan. Estamos totalmente preparados para abrir a fronteira e antecipamos a vontade mútua do lado turco para implementar este acordo. Após o devastador terramoto na Turquia, em fevereiro de 2023, a Armênia enviou uma equipe de busca e salvamento para a Turquia, além de ajuda humanitária. Embora nunca liguemos a nossa resposta à catástrofe humanitária ao processo político, penso que este gesto contribuiu para aumentar a confiança e criar uma atmosfera positiva para as nossas futuras interações.

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