A Justiça do Arizona "reviveu" uma lei que vigorava no estado em 1864 e restabeleceu uma proibição quase que absoluta ao aborto. A legislação, criada durante a Guerra de Secessão (1861-1865), permite a interrupção da gravidez somente em caso de necessidade para salvar a vida da mãe. O aborto passa a ser criminalizado, inclusive para ocorrências de estupro e incesto. As penas para quem violar a lei variam de dois a cinco anos de prisão. Antes da decisão da Suprema Corte do Arizona, o texto vigente permitia a suspensão da gestação do feto de até 15 semanas. A Justiça estabelece um prazo de 14 dias para a medida ser implementada.
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Kris Mayes, procuradora-geral do Arizona, denunciou a lei antiaborto como "inconcebível" e "um insulto à liberdade das mulheres". "Hoje, a Suprema Corte do Arizona confirmou uma lei de 1864, (...) criada em uma época em que o Arizona não era um estado, a Guerra Civil ainda estava em curso, e as mulheres nem mesmo podiam votar", declarou Mayes, em vídeo divulgado pela rede social X (o antigo Twitter).
"Há muitas incógnitas para mulheres que buscam cuidados da saúde reprodutiva em nosso estado. (...) Apesar da decisão de hoje (ontem), os provedores (de aborto) do Arizona poderão continuar (a funcionar) por um curto período, como têm feito", acrescentou Mayes. Ela assegurou que, enquanto permanecer no cargo, nenhum médico ou mulher será processado no Arizona em concordância com a nova medida."Isso está longe do fim do debate sobre a saúde reprodutiva", garantiu, ao criticar a "lei draconiana".
Por meio de um comunicado, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, advertiu que milhões de cidadãos do Arizona viverão, em breve, "sob a mais perigosa e extrema proibição ao aborto". "Ela fracassa em proteger as mulheres, mesmo quando a saúde delas estiver em risco ou em casos trágicos de estupro ou incesto", afirmou. "Essa decisão é resultado de uma agendqa extremista das autoridades republicanas eleitas, que estão comprometidas com a destruição da liberdade das mulheres." O democrata acrescentou que ele e a vice-presidente Kamala Harris estão do lado da grande maioria dos americanos que apoiam o direito de escolha da mulher. "Nós continuaremos a lutar para resguardar os direitos reprodutivos", prometeu o candidato à reeleição pelo Partido Democrata.
"Arcaico"
A democrata Katie Hobbs — governadora do Arizona — fez um pronunciamento de quase dois minutos, por meio do X, em que classificou a retomada de lei de 1864 como "insensível". "Esse texto arcaico, escrito por homens, 48 anos antes de o Arizona tornar-se um estado, ameaça as vidas de inúmeras mulheres e nos tira o controle sobre nossos próprios corpos", declarou.
Apesar de reconhecer um "dia sombrio" na história do Arizona, Hobbs avisou às mulheres que a luta pela saúde reprodutiva está distante de acabar. Também lembrou-lhes que assinou uma ordem executiva impedindo a responsabilização de médicos ou mulheres continua em vigor. "É ultrajante que um governo diga a vocês que a melhor decisão para a sua saúde ou o seu futuro possa, agora, ser considerado um crime. A decisão da Suprema Corte é absolutamente devastadora para as mulheres e as famílias do Arizona."
Porta-voz da It Goes Too Far ("Vai longe demais", na tradução literal) — campanha de oposição a uma emenda constitucional que permitiria o aborto até à "viabilidade fetal" (entre 23 e 24 semanas de gravidez) —, Joanna De La Cruz explicou ao Correio que a lei anterior vigorou até a jurisprudência do caso Roe vs Wade (1973), o qual garantia o direito à interrupção da gestação. "O texto foi atualizado, em 2021, para remover quaisquer penalidades para as mulheres. A decisão de hoje (ontem) deixa o aborto legal no Arizona em até 15 semanas de gravidez, pelo menos pelos próximos 14 dias. A bola está com a Planned Parenthood para decidir se querem continuar o litígio que foi interrompido em 1973 ou solicitar uma nova suspensão, explicou, em alusão à organização não governamental que fornece cuidados de saúde reprodutiva nos Estados Unidos", disse.
De acordo com De La Cruz, a campanha It Goes Too Far tem apoiadores com diversas opiniões sobre aborto e questões políticas. "No entanto, todos concordamos que a proposta de alteração constitucional sobre o aborto é extrema e vai longe demais. Ela eliminaria as normas de segurança que protegem as mulheres, como a exigência de um médico qualificado, além da notificação e do consentimento dos pais", oservou. "Quase 80% dos eleitores querem limites à interrupção da gestação."
Eleições
O tema do aborto é considerado central na corrida eleitoral norte-americana. Na segunda-feira, o magnata republicano Donald Trump, virtual candidato à Casa Branca em 5 de novembro, defendeu que as restrições ao direito ao aborto devem ser deixadas nas mãos dos estados. "Os estados irão determiná-lo por voto ou legislação ou, talvez, as duas coisas. O que decidirem deve ser a lei do país, neste caso, a lei do estado", afirmou Trump, em vídeo publicado em sua rede social, Truth Social.
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