
A frágil trégua entre o Hamas e Israel ficou, na segunda-feira (10/2), mais vulnerável depois de o movimento islamista anunciar o adiamento por tempo indeterminado da próxima libertação de reféns, parte essencial do cessar-fogo pactuado no mês passado. A decisão do grupo radical despertou a ira do governo de Israel, que aumentou o nível de alerta, determinou ao exército se preparar para "todos os cenários" e reforçou a presença militar na área do entorno da Faixa de Gaza.
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"A libertação dos prisioneiros, que estava programada para o próximo sábado, 15 de fevereiro de 2025, será adiada até novo aviso, dependendo do cumprimento do que foi acordado pela ocupação e dos compromissos retroativos das últimas semanas", declarou Abu Ubaida, porta-voz das Brigadas Al Qasam, o braço armado da facção islamista, em um comunicado. "Reafirmamos o nosso comprometimento com os termos do acordo, desde que a ocupação os cumpra", acrescentou.
O ministro israelense da Defesa, Israel Katz, reagiu, denunciando uma "violação total do acordo de cessar-fogo e de libertação dos reféns". Katz afirmou, também em nota, a ordem de mobilização das tropas.
O gabinete do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, declarou, por sua vez, que todos os parentes dos reféns foram comunicados a respeito do anúncio do Hamas. O Fórum das Famílias "solicitou assistência aos países mediadores para ajudar a restabelecer e aplicar o acordo existente". Até o momento, os milicianos do Hamas libertaram 16 reféns israelenses em troca de centenas de prisioneiros, na sua maioria palestinos, detidos em Israel.
"Inferno"
Principal aliado de Israel, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, classificou como "terrível" a ameaça do Hamas e disse que vai provocar um "inferno" se não "trouxerem todos de volta antes do meio-dia de sábado". Ele assinalou que Netanyahu deveria "cancelar" a trégua se esse prazo não for cumprido.
Trump adicionou ainda ainda mais tensão à situação ao falar, novamente, sobre a sua controversa proposta de transformar a Faixa de Gaza em uma espécie de Riviera do Oriente Médio. Em entrevista ao canal Fox News, o chefe da Casa Branca reafirmou que os palestinos não terão direito de voltar ao enclave após a desocupação e transferência do controle do território para os norte-americanos. "Não, eles não teriam (retorno), porque terão moradias muito melhores", disse Trump. "Em outras palavras, estou falando em construir um lugar permanente para eles", insistiu.
O líder republicano afirmou que os Estados Unidos construiriam "comunidades lindas" para mais de 2 milhões de palestinos. "Podem ser cinco, seis, podem ser duas. Vamos construir comunidades seguras, um pouco mais distantes de onde estão agora, onde está todo o perigo", acrescentou o presidente na entrevista. "Temos que ver isso como se fosse um empreendimento imobiliário para o futuro. Seria uma terra linda. Não seria necessário gastar muito", garantiu.
No domingo, Netanyahu classificou a proposta do norte-americano como "revolucionária". "O presidente Trump veio com uma visão completamente diferente, muito melhor para Israel", elogiou. Mas grande parte dos países reagiu com indignação. Ontem, o magnata republicano ameaçou suspender as ajudas para Egito e Jordânia, caso não acolham palestinos, como previsto em seu projeto de realocação. A ONU e analistas internacionais já alertaram para o risco de uma limpeza étnica.
Negociações
As declarações de Trump e os embates entre Israel e Hamas ocorrem em meio ao início das negociações para definir a eventual segunda fase da trégua. Desde o início do cessar-fogo, em 19 de janeiro, 16 reféns israelenses foram libertados em troca de 765 prisioneiros, em sua maioria palestinos. Segundo o acordo, outros 17 reféns deveriam ser libertados antes do fim da primeira fase do armistício, de 42 dias.
A segunda etapa, já comprometida, deveria levar à libertação de todos capturados pelo Hamas e ao fim definitivo da guerra. Os reféns foram sequestrados em 7 de outubro de 2023 por combatentes islamistas durante seu violento ataque no sul de Israel, que desencadeou o conflito.
No sábado passado, Basem Naim, membro do comitê político do Hamas e ex-ministro da Saúde em Gaza, acusou Israel de colocar a trégua "em perigo". Em entrevista à agência France Presse (AFP), ele destacou que o apaziguamento "poderia ser interrompido e fracassar".
No mesmo dia, três reféns israelenses, abatidos, foram libertados em uma nova cerimônia organizada pelo Hamas em troca de 183 palestinos. Netanyahu disse que as imagens eram "chocantes" e prometeu, mais uma vez, "eliminar" o Hamas e levar de volta os reféns ainda cativos.
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Saiba Mais
Oposição pressiona
A oposição israelense acusou o governo de "enterrar" a formação de uma comissão de investigação sobre as circunstâncias do ataque do Hamas em 7 de outubro de 2023, uma reivindicação que o Executivo já havia se recusado a atender. "Eles não querem que saibamos que o primeiro-ministro (Benjamin Netanyahu) viu as recomendações dos serviços de inteligência e não se importou. Não querem que lembremos de que sua política era fortalecer o Hamas", disse o líder da oposição no Parlamento, Yair Lapid.
Junto a algumas ONGs, as famílias dos reféns também pedem a criação de uma comissão nacional de investigação do ataque. Em 11 de setembro do ano passado, a Suprema Corte determinou que, num prazo de 60 dias, o governo deveria se decidir se criaria o órgão. O prazo foi ignorado.
Autoridades se reuniram, finalmente, no domingo passado para discutir o tema, sem chegar a uma conclusão. O ministro das Finanças de Israel, Bezalel Smotrich, de extrema-direita, declarou, ontem, que é a favor de "investigar" o que aconteceu em 7 de outubro, mas que preferia não dar nenhuma responsabilidade à Suprema Corte, na qual "não confia". "No meio de uma guerra, não é hora de investigar", acrescentou.