União Europeia

A competição entre países para reter trabalhadores jovens qualificados

Os países da União Europeia esperam que os benefícios fiscais possam incentivar trabalhadores jovens e qualificados a permanecer na região.

Portugal é um local que atrai muitas pessoas para morar, mas isso não impede os mais jovens de se mudarem para o exterior -  (crédito: Getty Images)
Portugal é um local que atrai muitas pessoas para morar, mas isso não impede os mais jovens de se mudarem para o exterior - (crédito: Getty Images)

Em 2020, o engenheiro de software português Duarte Dias aceitou uma oferta de emprego na subsidiária da Microsoft em Dublin, na Irlanda.

Pouco mais de um ano depois, ele foi transferido para uma equipe na sede da Microsoft em Seattle, nos Estados Unidos, onde trabalha até hoje.

Dias sente falta da atitude descontraída dos portugueses em relação à vida e do espírito de equipe familiar dos ambientes de trabalho no seu país. Mas ele não se arrepende, nem por um segundo, da sua decisão de buscar uma carreira internacional.

Sua decisão foi facilitada pelo impacto financeiro da mudança. Dias preparou uma planilha, que trouxe uma conclusão muito clara: permanecer em Portugal seria um desastre financeiro.

"Simulei quanto dinheiro eu economizaria por ano em Portugal e percebi rapidamente que não iria conseguir ter uma vida financeiramente confortável, mesmo se conseguisse um dos empregos com salários mais altos disponíveis para um engenheiro com o meu nível de experiência", ele conta.

Sua experiência profissional de dois anos em Portugal, enquanto concluía o mestrado no Instituto Superior Técnico de Lisboa, consolidou a decisão. Sua renda anual totalizou 35 mil euros (cerca de R$ 213 mil por ano, ou R$ 17,7 mil por mês), mas o salário que ele levava para casa era muito menor.

Sua renda o colocou em uma faixa de imposto que retinha 40% do seu salário bruto para o Estado.

"Financeiramente, era ruim", relembra Dias. "Seria muito difícil economizar dinheiro se eu não morasse com meus pais."

A mudança para a Irlanda aumentou imediatamente suas perspectivas salariais, que atingiram quase o dobro do valor que ele recebia em Portugal — 60 mil euros (cerca de R$ 365 mil) por ano.

E este valor aumentou ainda mais nos Estados Unidos, onde ele ganha agora mais de US$ 160 mil (cerca de R$ 928 mil por ano, ou R$ 77,3 mil por mês). E a alíquota de imposto de renda é de 20%, muito menos do que em Portugal.

Dias pretende voltar a Lisboa daqui a dois anos, "com muito mais economias".

Vendedor de rua oferecendo produtos em Lisboa
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Portugal é um local que atrai muitas pessoas para morar, mas isso não impede os mais jovens de se mudarem para o exterior

Manter no país profissionais especializados como Duarte Dias é uma preocupação dos últimos governos portugueses.

Em 2020, o governo do então primeiro-ministro Antonio Costa, do Partido Socialista, lançou o IRS Jovem — um programa de redução de impostos para trabalhadores com menos de 30 anos de idade, conforme seu grau de formação.

Dados oficiais indicam que, em 2022, 73.684 contribuintes foram beneficiados pela iniciativa.

Após uma eleição legislativa antecipada em março de 2024, o novo governo português de centro-direita, liderado pelo primeiro-ministro Luís Montenegro, dobrou a aposta, expandindo a iniciativa de cinco para 10 anos, para todos os profissionais com menos de 35 anos de idade, independentemente dos seus níveis de formação.

A proposta foi aprovada pelo Parlamento português no final de novembro e deve beneficiar até 400 mil trabalhadores, segundo o Ministério das Finanças de Portugal. Mas os especialistas afirmam que, provavelmente, esta medida não será suficiente para impedir a saída dos jovens para o exterior.

"É improvável que, isoladamente, o regime fiscal faça com que os profissionais jovens permaneçam no país, seja porque as oportunidades profissionais são mais abundantes nos países estrangeiros ou porque este benefício fiscal se aplica apenas a rendas anuais abaixo de 28 mil euros [cerca de R$ 170,4 mil]", segundo o professor de direito fiscal Sérgio Vasques, da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, em Lisboa.

Ele destaca que o governo português ainda retém, na forma de imposto, uma parcela maior do salário médio dos trabalhadores do que a maioria dos países mais ricos.

Em Portugal, a carga fiscal — a razão entre o valor pago em impostos pelo trabalhador médio sem filhos e o custo total do funcionário para o empregador — é de 42,3%. Este índice é o oitavo percentual mais alto, dentre os 38 países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

"É um regime fiscal que é inimigo do trabalho qualificado e do sucesso profissional", destaca Vasques. "Este regime não irá solucionar o problema."

Vasques foi secretário de Estado de Assuntos Fiscais de Portugal entre 2009 e 2011. "Também não posso imaginar que um jovem profissional decida se mudar para Portugal por apenas 200 euros a mais no final do ano", afirma ele.

"Nem mesmo um trabalhador com baixa qualificação tomaria uma decisão com base nesta perspectiva. A cozinha portuguesa provavelmente funciona melhor como incentivo para mudar para cá do que o regime fiscal."

Praça de alimentação em Varsóvia
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A Polônia é outro país europeu que criou medidas para tentar evitar que os jovens se mudem para o exterior

A professora de direito fiscal Rita de La Feria, da Universidade de Leeds, no Reino Unido, destaca que o êxodo de jovens não é um problema exclusivo de Portugal. A Europa como um todo enfrenta os desafios da emigração dos jovens.

Um estudo encomendado pelo Parlamento português indica que, em julho do ano passado, Portugal, Polônia e Croácia eram os países da União Europeia que mantinham regimes fiscais especiais, baseados na idade dos contribuintes.

"Os desafios são muito óbvios: a mobilidade dos profissionais é mais alta", explica a professora. "O problema é que o país gasta muito dinheiro em treinamento para que eles saiam para o exterior assim que entram no mercado de trabalho."

De La Feria se mudou de Portugal para o Reino Unido quando era jovem. Ela contou à BBC que, quando saiu do país, não pretendia se "mudar para sempre".

"Muitos deixam seus países de origem achando que irão retornar em algum momento. Mas quando eles formam família, voltar é quase impossível."

Antonio Almeida envolto em um grande cachecol vermelho e casaco
Antonio Almeida
Para Antonio Almeida, o problema em Portugal são os 'baixos salários'

Antonio Almeida é outro engenheiro de software, como Dias. Ele se mudou de Portugal durante a pandemia, no final de 2020, para assumir um emprego em Berlim, na Alemanha — logo depois de se formar.

Ele se mudou novamente dois anos depois, da capital alemã para Bruxelas, na Bélgica. Por isso, toda a sua experiência profissional foi adquirida no exterior.

"Em 2020, tínhamos ofertas de salários mensais brutos de 1,3 mil euros [cerca de R$ 7,9 mil] em Lisboa", relembra ele. "Berlim me ofereceu 4,2 mil euros [cerca de R$ 25,6 mil] para um cargo de nível júnior."

Mesmo com o imposto de renda de 40% vigente na Alemanha, o ganho líquido era considerável. "Não foi uma decisão difícil", conta Almeida.

Agora na Bélgica — onde ele ressalta que os impostos são mais altos —, voltar ao seu país natal não é prioridade.

"Penso em retornar algum dia, principalmente por razões familiares", ele conta. "Mas, no momento, meu padrão de vida é muito alto e gosto do modo de viver da Europa central. E o principal problema em Portugal são os baixos salários, não os impostos."

Antonio Almeida não considera que as mudanças fiscais em Portugal sejam um fator importante, quando analisa os prós e os contras de voltar para casa. "Até hoje, nunca pensei nisso."

Duarte Dias concorda. Para ele, "os salários fora de Portugal sempre serão mais altos e quem não tiver conexões pessoais ou familiares com o país não terá nenhum tipo de incentivo financeiro ou profissional para ficar lá".

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BBC
Pedro Garcia - Repórter de tecnologia
postado em 09/03/2025 08:33 / atualizado em 09/03/2025 13:05
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