
A "entrevista" veiculou no dia em que Joaquin Oliver teria completado 25 anos, se estivesse vivo. Morto durante o tiroteio em massa na Marjory Stoneman Douglas High School, em Parkland (Flórida), em 14 de fevereiro de 2018, Joaquin foi "recriado" pela tecnologia da inteligência artificial (IA) com o propósito de conscientizar a população sobre o perigo representado pelas armas nos EUA. "Fui tirado deste mundo muito cedo, devido à violência armada. É importante falar sobre esses temas para criarmos um ambiente seguro para todos", disse o avatar de Joaquin. A ideia de usar a imagem e a voz de Joaquin causou polêmica e forte debate ético. O Correio conversou com Manuel Oliver, 58 anos, pai de Joaquin e responsável pelo projeto. "O avatar é fruto de um ano de trabalho. Uma companhia de Nova York nos entregou a versão final, que se aproximou muito do que eu e minha esposa queríamos", explicou. Ele desqualificou as acusações de violação ética ao produzir o avatar".
Qual foi o propósito de usar a inteligência artificial para gerar a imagem e a voz de Joaquin?
Foi dar continuidade ao que temos feito nos últimos sete anos. Eu e minha esposa, Patricia, nos entregamos à luta contra a violência armada. Temos buscado mil maneiras de tentar captar a atenção das pessoas para a urgência em solucionar esse problema. Sempre lançamos mão da criatividade, além de propostas que gerem atenção. Nós trabalhamos nesse projeto durante um ano. Aproveitamos o que seria o 25º aniversário de Joaquin para lançar esse projeto ao público. Nós o fizemos por meio de uma entrevista com Jim Acosta, um jornalista famoso nos EUA. Muitíssimas pessoas falam, hoje, de Joaquin e do ético ou não ético dessa entrevista. Isso é importante, pois muitas pessoas começam a se lembrar do problema real: a violência das armas nos EUA. É isso que deveria ofender as pessoas e ser o centro do debate.
Como senhor reagiu ao ver o resultado da entrevista?
Eu esperava que houvesse um resultado. Neste país, a política permite que as pessoas opinem, muitas vezes, sem analisar se estão baseadas na sua filiação partidária ou em seu fanatismo. Por outro lado, vemos como a indústria armamentista intercede na opinião pública. É uma indústria com muito poder e recursos, a qual se introduziu no aspecto cultural. Por aqui, existe uma glorificação das armas. Não podíamos ignorar essas variáveis, ao prever qual seria a reação à nossa campanha. Também houve muito apoio de pais, mães, irmãos, filhos, que entendem que o verdadeiro alvo do nosso projeto é a redução da violência armada, por meio da geração de consciência, com mensagens positivas e impactantes. As críticas não vão nos deter, elas nos ensinam que o que fazemos está funcionando, pois o povo presta atenção. O que vocês viram de Joaquin é apenas o começo. Ele terá redes sociais e estará em distintos locais. Injustamente, um sistema benevolente com a indústria das armas acertou que Joaquin fosse uma vítima a mais desta violência armada.
De que modo a imagem e a voz de Joaquin podem despertar consciência sobre o tema?
A imagem e a voz de Joaquin ajudam a gerar atenção e consciência. Tenho participado de eventos, protestos, comícios, entrevistas, em que falo sobre isso. Eu acreditava que seria preciso um passo a mais e incomodar um pouco. Há muita gente que se incomoda com passos que extrapolam normas. Isso gera atenção em todos os aspectos. Não há precedente da IA que lançamos, simplesmente porque não existe interação com um avatar. Não nesse contexto: uma vítima de violência de armas que recupera o poder de comunicação. Nós reconectamos as informações das redes sociais de Joaquin, das histórias que escreveu, de suas preferências musicais e sociais, de suas lutas pessoais. Ele pôde compartilhar tudo isso com o mundo.
O senhor crê que Trump revisará a legislação sobre as armas?
Creio que Trump deve revisar a legislação sobre as armas. Desde que Joaquin foi assassinado, 50 mil pessoas perderam a vida. Algo está ruim, e um presidente tem que revisar tudo o que está ruim no país que lidera.
O tema ético lhe incomoda?
O tema ético é muito pessoal. A discussão levantada foi se isso contrariaria os princípios éticos de muitas pessoas. Eu não estou de acordo. Verdadeiramente não ético é que crianças sejam vítimas de tiroteios em suas escolas, em suas casas, em parques de diversões e em shows. A nação americana decidiu que isso é o custo da liberdade de praticar a Segunda Emenda. O debate ético é uma narrativa que desvia o foco do problema principal.
Que emoções experimentou ao ver a "recriação" de seu filho?
O avatar funciona como uma informação administrada por nós e baseada em coisas que Joaquin escreveu, disse ou planejou, em algum momento. Ou uma conversa que teve com sua família. Esse avatar se alimenta da informação de Joaquin, a processa e, com a inteligência artificial na web, responde às perguntas. São reações que Joaquin teria. O avatar responde da única fonte, Joaquin. A realidade é que ele não está aqui. Isso é um personagem criado pela tecnologia. Escutar a voz de meu filho é refrescante. Com ou sem a tecnologia, converso com Joaquim. Qualquer pessoa que perdeu um ente querido sabe o que estou dizendo.
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