Faixa de Gaza

Após embarcar em missão rumo a Gaza, brasiliense fala ao Correio

O ativista brasiliense Thiago Ávila, 39 anos, integra missão de 20 barcos que planejam romper o bloqueio humanitário à Faixa de Gaza. Em entrevista exclusiva, ele afirma não temer Israel e garante ter ciência dos riscos

Thiago Ávila  gesticula ao embarcar na flotilha rumo à Faixa de Gaza, em Barcelona  -  (crédito: Lluis Gene/AFP)
Thiago Ávila gesticula ao embarcar na flotilha rumo à Faixa de Gaza, em Barcelona - (crédito: Lluis Gene/AFP)

Coordenador internacional da missão humanitária Global Sumud Flotilla ("Flotilha Firmeza Global"), que compreende 20 barcos e centenas de tripulantes de 44 países, o ativista brasiliense Thiago Ávila, 39 anos, tenta se aproximar da costa da Faixa de Gaza depois de quase três meses. Em entrevista exclusiva ao Correio, poucas horas depois de embarcar em Barcelona, neste domingo (31/8), Ávila explicou o que o motivou a fazer parte da flotilha e defendeu que o governo brasileiro rompa todos os laços com Israel. "Vamos ficar parados esperando o genocídio acontecer?", questionou. Em 8 de junho passado, o brasiliense fez parte da tripulação do barco Madleen, que acabou invadido por soldados das Forças de Defesa de Israel (IDF). Os 12 tripulantes, incluindo a ativista sueca Greta Thunberg, foram detidos. Thiago Ávila acabou deportado. 

Por qual motivo vocês decidiram por uma nova missão da flotilha rumo à Faixa de Gaza?

O motivo dessa missão é que, depois da última missão que fizemos, Israel não apenas manteve as agressões como o povo palestino, mas as intensificou. A invasão total da Cidade de Gaza é a última barreira da limpeza étnica total naquela região. As crianças estão morrendo todos dias de fome provocada, pessoas são executadas em hospitais bombardeados, em escolas e abrigos. As violações são cada dia piores, e a possibilidade da destruição completa da Cidade de Gaza traz um senso de alerta máximo: o de que o povo palestino não consgue esperar. Nós gostaríamos de estar com nossas famílias, mas precisamos nos mobilizar nesse momento. É nosso dever. Vamos ficar parados esperando o genocídio acontecer, sendo televisionado, para todo mundo ver?

O que acha que pode ser feito, de fato, para evitar isso?

É nosso dever, neste momento, pressionar os governos para que rompam relações com Israel. É nosso dever mobilizar mais pessoas, para se mobilizarem não somente nos barcos, mas também em terra, para ações conjuntas que demonstrem que o mundo não ficará assistindo ao genocídio. O mundo tem possibilidade de deter isso. Infelizmente, os governos não tomam ações com o grau de energia que seria necessário. Um corredor humanitário é uma coisa simples. É o mais básico que está no coração de cada pessoa desse mundo, ao ver essas crianças sendo mortas de fome. Onde tem fome, a gente faz de tudo para estender as mãos e levar o que tem de comer. Mas o povo palestino não precisa só de ajuda humanitária, mas de liberdade, do fim da ocupação. Por isso, a gente segue navegando, levando nossas missões. O ministro da Defesa israelense, Israel Katz; o ministro do Interior, Itamar Ben-Gvir; e o primeiro-ministro, Benjamin Netanyahu; fizeram muitas ameaças a nós. Não é nem a primeira vez. Em outras missões também. Agora, ameaçam um tempo de prisão maior, violações maiores. A nossa missão é legal, segundo a legislação internacional e as leis humanitárias. Nossa missão é não violenta, protegida pela Corte Internacional de Justiça, pelo Tribunal Penal Internacional e pelas poucas resoluções do Conselho de Segurança da ONU que trataram do genocídio. Sabemos que temos a legalidade do nosso lado, mas também a história. A história da humanidade mostra que, quando os povos decidiram marchar para serem livres, eles encontraram, no coração do mundo, pessoas dispostas a marchar com eles. Esses povos foram invencíveis. Regimes que pareciam invencíveis e intocáveis caíram, como o apartheid da África do Sul, o fascismo e o nazismo. Tudo isso é fruto da mobilização popular. É isso que estamos dispostos a fazer, em solidariedade ao povo palestino. Mobilizar gente. Eles podem usar, sim, usar esse momento para praticar crimes ainda maiores, mas a gente não tem medo deles. A gente sabe que bilhões de pessoas estão assistindo ao que estamos fazendo e não aguentam mais ver a barbárie e os absurdos do genocídio. A coletividade nos traz coragem, força e nos aponta que o único caminho é seguir. Enquanto o cerco ilegal de Istael sobre Gaza existir, seguiremos tentando romper o cerco. 

Quantos brasileiros compõem a atual flotilha?

Nossa delegação brasileira possui mais de dez representantes, entre parlamentares, dirigentes partidários, jornalistas e organizadores da flotilha. Atuo como coordenador internacional da missão. Temos pessoas de diferentes caminhadas de vida: dirigentes sindicais, advogados de direitos humanos, profissionais da educação, da Amazônia até o sul do país. 

Como vocês veem o risco de uma ação mais violenta por parte de Israel?

As pessoas se mobilizaram para essa missão cientes dos riscos e dispostas a se preparar, a participar dos treinamento de não violência. Elas compreendem que, embora o Brasil seja aliado histórico da causa palestina, ainda mantém relações com Israel. Precisamos mobilizar a sociedade brasileira para que compreenda que essa marcha histórica também é responsabilidade dela. Assim, a gente consegue romper o cerco, criar um corredor humanitário e garantir que o Brasil não seja um país cúmplice. Precisamos romper todas as relações diplomáticas, comerciais, militares e estratégicas com o sionismo, que comete essas barbáries. Se há um exército de ocupação cometendo genopcídio, não se negocia com ele, mas se rompe as relações com ele. 

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postado em 01/09/2025 05:52
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