LEGISLAÇÃO

Condição para apoio de Bolsonaro em 2026, indulto pode ser entendido como inconstitucional pelo Supremo

Concedido pelo presidente da República, o indulto pode anular pena, mas STF pode reverter benefício, como fez no caso Daniel Silveira em 2023

Anistia depende do aval do Congresso e, ainda assim, pode ir parar nas mãos do Supremo -  (crédito: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP via Getty Images)
Anistia depende do aval do Congresso e, ainda assim, pode ir parar nas mãos do Supremo - (crédito: MIGUEL SCHINCARIOL/AFP via Getty Images)

Dentre as possibilidades sobre a mesa de Jair Bolsonaro (PL) diante de uma eventual condenação, o indulto é uma peça importante para o tabuleiro das eleições do próximo ano.

Para atrair a base bolsonarista e amealhar seu capital político nas urnas, pré-candidatos da direita já se comprometeram publicamente a indultar o ex-presidente, antes mesmo de seu julgamento.

No sábado (30/8), o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), afirmou ao Diário do Grande ABC que o indulto a Bolsonaro seria a primeira medida que ele tomaria caso seja presidente.

"Na hora. Primeiro ato. Porque eu acho que tudo isso que está acontecendo é absolutamente desarrazoado", afirmou ele, ao ser questionado se concederia o benefício ao ex-presidente."

Embora tenha sido a primeira vez que Tarcísio falou claramente em indulto, essa sinalização já havia ocorrido quando ele dividiu o caminhão de som com Bolsonaro em manifestações pela anistia, defendendo a aprovação da lei.

Da mesma forma, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), afirmou à GloboNews em fevereiro que pretende "anistiar [Bolsonaro] e começar uma nova história no Brasil".

"A gente está aqui para pedir, lutar e mostrar que todos estamos juntos para exigir anistia daqueles inocentes que receberam penas desarrazoadas", disse o governador em março na avenida Paulista. "Quero ver quem vai ter coragem de se opor [ao projeto da anistia]."

E Romeu Zema (Novo), chefe do Executivo em Minas Gerais, se disse favorável a anistiar o ex-presidente. "Por que não dar anistia? Acho que nós temos de passar uma régua nisso, uma borracha, e olhar para o futuro", afirmou à BBC News Brasil em agosto.

O perdão a Bolsonaro, caso seja condenado pelo Supremo na ação que julga tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, dentre outras acusações, é um compromisso imprescindível para garantir seu apoio.

"Não só [Bolsonaro] vai querer apoiar alguém que banque a anistia ou o indulto, mas que seja cumprido", afirmou o senador e filho do ex-presidente, Flávio Bolsonaro (PL-RJ), em entrevista à Folha de S.Paulo em junho.

Indulto e anistia são recursos previstos no Código Penal. Ambos podem livrar o ex-presidente de uma eventual pena, e tramitam inicialmente na esfera política, diferentemente de recursos que podem ser movidos no Supremo Tribunal Federal (STF).

Porém, ainda assim, o Supremo pode ter a palavra final.

Foto feita de cima mostra uma grande bandeira do Brasil, nas margens está escrito
MIGUEL SCHINCARIOL/AFP via Getty Images
Anistia depende do aval do Congresso e, ainda assim, pode ir parar nas mãos do Supremo

Como funciona o indulto

O indulto é um benefício concedido pelo presidente em exercício por meio de um Decreto, e é coletivo, como os indultos de Natal, que, a cada fim de ano, costumam ser concedidos pelos mandatários.

No entanto, o presidente também pode indultar alguém individualmente, e, neste caso, o termo técnico é graça e depende de um pedido, seja do próprio preso, ou de qualquer cidadão, ou do Ministério Público.

Em ambos os casos, a pena é excluída, mas os seus efeitos secundários permanecem, como a perda da primariedade como réu e a perda do mandato, no caso de políticos eleitos.

Em 2022, quando Bolsonaro era presidente, ele assinou um decreto concedendo o indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ).

Silveira havia sido condenado a oito anos e nove meses de prisão, multa, perda do mandato e suspensão dos seus direitos políticos pelos crimes de coação em processo judicial e tentativa de impedir o livre exercício dos poderes da União.

Os crimes, segundo a denúncia, aconteceram entre 2020 e 2021, quando ele divulgou vídeos em redes sociais atacando o Supremo e o Estado Democrático de Direito, defendendo uma intervenção militar e ofendendo pessoalmente membros da Corte.

Mas em maio de 2023, o Supremo anulou o indulto por unanimidade, entendendo que houve desvio de finalidade na concessão do benefício, dado somente porque o ex-deputado era aliado político de Bolsonaro.

Os ministros também entenderam que as ameaças proferidas pelo ex-deputado configuram crime político, contra o Estado Democrático de Direito, e, por este motivo, não passível do benefício.

Na época, a ministra Rosa Weber, relatora do caso, afirmou que o presidente da República, apenas por ter competência para a edição de indulto, não pode criar em seu entorno "um círculo de virtual imunidade penal".

"Não se pode aceitar a instrumentalização do Estado, de suas instituições e de seus agentes para, de modo ilícito, ilegítimo e imoral, obter benefícios de índole meramente subjetivos e pessoais, sob pena de subversão dos postulados mais básicos do Estado democrático de direito", afirmou em seu voto.

Jair Bolsonaro, vestindo uma camiseta amarela, e Daniel Silveira ao lado, com uma camiseta preta com um desenho de uma mão apontando uma arma, em uma foto de 2022.
MAURO PIMENTEL/AFP via Getty Images
Em 2022, Bolsonaro concedeu indulto a Daniel Silveira, mas Supremo o considerou inconstitucional

Se Bolsonaro for condenado e a direita eleger em 2026 algum dos presidenciáveis que prometeram indulto, mesmo que o novo líder do Executivo cumpra a promessa, muito provavelmente caberá ao Supremo decidir sobre a legalidade do benefício.

Para o advogado criminalista e professor de Direito Penal, Pierpaolo Bottini, a posição pela inconstitucionalidade, decidida no caso de Daniel Silveira, pode ser mantida.

"No caso do Daniel Silveira, o Supremo reconheceu a inconstitucionalidade do indulto para pessoas que atacaram ou agrediram membros de outro Poder. Se mantiver essa linha, o indulto no caso de Bolsonaro agora seria inconstitucional."

Maíra Fernandes, advogada criminalista e professora da Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ), lembra que no último decreto de indulto, de 2024, havia uma previsão expressa para a não concessão do benefício em casos de crimes contra o Estado democrático de direito.

"Bolsonaro até poderia pedir o indulto individual, mas provavelmente receberia como resposta que historicamente o indulto não é concedido para esses crimes", afirma.

Já a anistia seria outro recurso. A discussão do tema está no Congresso por meio de um projeto de lei que prevê perdão aos que participaram dos atos de 8 de janeiro de 2023 e de manifestações antes ou depois da data, contanto que sejam relacionadas ao evento.

Diferentemente do indulto, a anistia apaga a pena e todas as suas consequências.

A oposição vem pressionando o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), para colocar o projeto na pauta, algo que ainda não ocorreu.

Constitucionalmente, a concessão da anistia cabe ao Congresso Nacional, mas o benefício pode ser levado ao Supremo se houver uma ação que questione a sua validade.

O presidente do Supremo, ministro Luis Roberto Barroso, afirmou, durante palestra na Associação de Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso, no último dia 18, que, após o julgamento, a anistia se torna uma "questão política".

"Do ponto de vista jurídico, anistia antes de julgamento é uma impossibilidade, não existe. Não houve julgamento e nem houve condenação. A manifestação de colegas do Supremo sobre isso é por se tratar de uma questão jurídica, não se anistia sem julgar", afirmou o ministro.

"Depois do julgamento, passa a ser uma questão política. Questões políticas vão ser definidas pelo Congresso. Não estou dizendo que acho bom, nem que acho ruim, nem que deve fazer e nem que não deve."

Nos dois caminhos — indulto ou anistia — o benefício é concedido e, posteriormente, o Supremo julga sua constitucionalidade, se for o caso.

E isso pode levar um tempo, como ocorreu no caso de Daniel Silveira, cuja decisão da corte de anular o benefício ocorreu mais de um ano após sua condenação.

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BBC
Marina Rossi - Da BBC News Brasil em São Paulo
postado em 01/09/2025 15:34 / atualizado em 01/09/2025 18:25
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