
Está escrito na Primeira Emenda da Constituição dos Estados Unidos: "O Congresso não fará nenhuma lei que estabeleça uma religião, ou que proíba o livre exercício dela; ou que restrinja a liberdade de expressão ou de imprensa; ou o direito do povo de se reunir pacificamente e de fazer petições ao Governo para reparação de queixas". Uma das pedras basilares da Carta Magna, adotada há 234 anos, foi colocada à prova pelo presidente Donald Trump em uma série de retaliações ao assassinato do ativista conservador Charlie Kirk, cofundador do movimento republicano "Turning Point USA".
Além de assinar uma ordem executiva para considerar os Antifa, difusos grupos radicais de esquerda, como organização terrorista, Trump ameaçou revogar as concessões de emissoras de televisão que sejam "contra ele" e processou o jornal The New York Times em US$ 15 bilhões (R$ 79,9 bilhões) por difamação e calúnica. A ação de 85 páginas foi rejeitada pelo juiz federal Steven Merryday, da Flórida, que a classificou como "inapropriada e inadmissível".
Não foi a primeira vez que o republicano tentou usar a Justiça para silenciar veículos que considera hostis ao seu governo. Em julho, Trump pediu US$ 10 bilhões (R$ 53,3 bilhões) em reparação ao The Wall Street Journal depois da publicação de uma carta obscena supostamente enviada pelo presidente a Jeffrey Epstein, um falecido financista americano que foi acusado de tráfico sexual e pedofilia.
Na esteira do atentado contra Kirk, o presidente também celebrou a suspensão do programa do humorista Jimmy Kimmel pela emissora ABC. Kimmel sugeriu que Trump utilizava a morte de Kirk para ganhar capital político, o que teria enfurecido o presidente.
Homenagens
Ontem, o chefe da Casa Branca e funcionários de alto escalão de seu governo participaram do funeral de Kirk, que reuniu aproximadamente 100 mil pessoas no Estádio State Farm, em Glendale, onde fica a sede da Turning Point USA, organização fundada pelo ativista. Trump, o vice-presidente J.D. Vance, o secretário de Estado, Marco Rubio, e o secretário de Guerra, Pete Hegseth discursaram na cerimônia, realizada sob forte esquema de segurança.
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Ao sair da Casa Branca para voar ao Arizona, o presidente norte-americano assegurou que o tributo tem como objetivo "celebrar a vida de um grande homem". "Realmente um grande homem", repetiu, acrescentando: "Será um dia muito duro".
Para tentar preservar a Primeira Emenda à Constituição, congressistas do Partido Democrata anunciaram, na última quinta-feira, que preparam um projeto de lei voltada à proteção da liberdade de expressão. O senador Chris Murphy criticou a sanção a Kimmel. "Isso é censura. Um controle estatal da palavra. Isso não é os Estados Unidos", reagiu.
Trump também foi acusado de assediar escritórios de advocacia. As universidades mais tradicionais do país, como Harvard e Columbia, foram alvos de campanhas de perseguição, sob a justificativa de que semeariam o pensamento antissemita e de servirem como terreno fértil para a propagação da ideologia "woke" — denominação pejorativa usada pela direita para se referir às políticas de promoção da diversidade. Durante as entrevistas coletivas na Casa Branca, não raro o presidente responde a jornalistas com ofensas.
Proveito político
Diretor de Advocacia Pública da organização não governamental Foundation for Individual Rights and Expression (FIRE) — Fundação pelos Direitos e Expressões Individuais, pela tradução livre —, Aaron Terr disse que o assassinato de Kirk foi um "ato horrível de violência política". "Palavras nunca devem ser respondidas com violência, mas também não devem ser respondidas com censura. No entanto, o governo Trump está aproveitando essa tragédia para intensificar seus ataques à liberdade de expressão. A campanha contra universidades, escritórios de advocacia e veículos de comunicação estava em andamento. Agora, até os comediantes precisam ter cuidado com o que dizem", disse ao Correio.
Historiador político da American University (em Washington), Allan Lichtman vê um "ataque sem precedentes à livre expressão nos EUA" "Isso contraria a Primeira Emenda da Constituição, que os redatores elaboraram especificamente para proteger o discurso crítico à autoridade, para que a nação não voltasse a ser submetida à tirania que a Revolução Americana derrubou", disse à reportagem. "A intenção de Trump de silenciar seus críticos segue o manual dos ditadores modernos. Os ditadores da União Soviética exigiam o registro de todas as máquinas de escrever para impedir qualquer crítica ao seu regime. Um dos primeiros atos dos nazistas de Hitler foi queimar livros considerados perigosos para sua ditadura."
Por sua vez, Rebecca Tushnet, professora da Primeira Emenda da Constituição na Faculdade de Direito da Universidade de Harvard, admitiu ao Correio que Trump deseja governar como um autoritário. "A única questão é se as instituições irão se levantar contra ele", observou. "Ele está preparando o caminho para evitar uma transferência pacífica de poder. Considero a ideia do 'autoritarismo competitivo' muito útil — onde há eleições e a imagem da democracia, mas enormes barreiras ao sucesso da oposição. Isso é claramente algo que Trump e seus comparsas gostariam de ver nos EUA."
Saiba Mais
Eu acho...
"A crescente disposição de Trump de exercer o poder governamental para controlar o discurso público é algo alarmante. Os políticos estão até invocando rótulos vagos, como 'discurso de ódio' e 'desinformação', o que, na prática, lhes daria autoridade ilimitada para reprimir a dissidência. Agora é a hora de os americanos de todo o espectro político reafirmarem a liberdade de expressão como valor social fundamental."
Aaron Terr, diretor de Advocacia Pública da Foundation for Individual Rights and Expression (Fundação pelos Direitos e Expressões Individuais, FIRE)
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