
Diante da crise no sistema previdenciário público causada pelo envelhecimento da população, a Alemanha planeja oferecer um subsídio mensal de US$ 11 (cerca de R$ 57) para crianças e adolescentes de 6 a 18 anos, a partir do ano que vem, para investirem na bolsa de valores.
O chanceler alemão, Friedrich Merz, enviou uma mensagem aos jovens em vídeo postado no YouTube, orientando-os a se preparar para investir regularmente pequenas quantias no mercado de ações.
"Não dependam do seguro previdenciário obrigatório", disse Merz. Segundo ele, economizar pequenas quantias por um longo período "garantirá uma aposentadoria segura".
No entanto, o sindicato dos metalúrgicos argumentou que, em vez de promover planos de previdência privada baseados no mercado de ações, o governo deveria fortalecer o atual sistema previdenciário público atual.
O sistema previdenciário alemão é público e ancorado em um "contrato intergeracional", no qual as contribuições dos trabalhadores financiam a renda dos aposentados — modelo semelhante ao do Brasil.
Esse sistema de repartição surgiu na década de 1950, sob o governo do chanceler Konrad Adenauer, quando as taxas de natalidade eram mais altas e a expectativa de vida mais baixa.
Hoje, porém, não há trabalhadores suficientes para sustentar uma população que vive cada vez mais.
"É financeiramente insustentável depender apenas de pensões públicas", disse Christoph Schmidt, presidente do Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica (RWI) em Essen, à BBC News Mundo, serviço da BBC em espanhol.
Sem investimento privado, argumenta ele, a população terá que aceitar pensões muito mais baixas ou trabalhar até os 69 anos ou mais. O país enfrenta "uma bomba-relógio demográfica", ressalta Schmidt.
Países com sistemas mistos, que combinam pensões públicas com investimentos privados, têm se mostrado mais resilientes, ressalta o especialista.
Embora muitos economistas concordem em avançar para algum tipo de modelo de sistema misto, o debate gira em torno da fórmula mais adequada e de como implementá-la. Além disso, acordos políticos são necessários para alcançar um certo nível de consenso, o que por enquanto parece ilusório.
O Brasil, por exemplo, também adota um modelo de repartição na Previdência, que é administrada exclusivamente pelo governo e na qual as contribuições de quem está na ativa pagam os benefícios de quem está aposentado.
Desde 2014, o governo federal brasileiro apresenta déficits bilionários nas suas contas, refletindo o crescimento das despesas em ritmo mais acelerado que a expansão das receitas. Esse aumento das despesas tem sido puxado, em especial, pelos gastos com Previdência.
O aumento reflete o envelhecimento da população, já que a expectativa de vida do brasileiro aumentou nas últimas décadas, ao mesmo tempo que a taxa da natalidade (número de nascimentos a cada mil habitantes) está em queda.
Como o sistema de aposentadoria brasileiro é de repartição, esse envelhecimento da população está causando um desequilíbrio entre receitas e despesas.
No início de 2025, o presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Vital do Rêgo, afirmou que, diante do envelhecimento da população e da queda da natalidade, a Previdência Social se tornou uma "bomba que não vai parar de explodir".
As dificuldades para chegar a um acordo
Enquanto o debate continua na Alemanha, a coalizão governista, formada por conservadores e social-democratas, tenta implementar medidas específicas.
Nos últimos dias, o governo propôs criar uma nova isenção fiscal para quem continuar trabalhando após a idade de aposentadoria, mas sindicatos e associações patronais criticaram o projeto.
Steffen Kampeter, presidente da Associação Alemã de Empregadores, afirmou que os incentivos propostos pelo governo são ineficazes e caros para os contribuintes. Anja Piel, representante da Confederação Alemã de Sindicatos, disse que as medidas custariam bilhões sem resolver o problema.
Em meio às divergências, o governo tenta criar uma comissão de aposentadoria para desenvolver propostas sobre o tema.
É nesse contexto conflituoso que se insere a proposta do governo alemão de subsidiar menores de idade para investir na Bolsa de Valores, sob supervisão dos pais. Os recursos acumulados só poderão ser sacados ao atingir a idade de aposentadoria.
Defensores da chamada "pensão de início antecipado" esperam que a iniciativa provoque uma mudança de mentalidade em uma população pouco acostumada a investir no mercado de ações.
Eles argumentam que o objetivo não é apenas o valor acumulado por crianças e adolescentes, mas familiarizá-los com investimentos desde cedo e permitir que experimentem como os retornos de longo prazo funcionam em um portfólio diversificado e de baixo risco.
'Um experimento com um resultado incerto'
Johannes Geyer, pesquisador sênior do Instituto Alemão de Pesquisa Econômica (DIW Berlin), argumenta que o subsídio pode ajudar a melhorar as decisões de poupança de longo prazo das pessoas, mas alerta que isso não é garantido.
"É um experimento com resultado incerto que não resolverá os problemas", disse Geyer à BBC News Mundo.
Geyer afirmou que a iniciativa terá efeitos perceptíveis apenas a longo prazo e que o valor é "pouco dinheiro para fazer diferença".
Como o objetivo do subsídio é fortalecer a educação financeira, Geyer disse que seria melhor considerar alternativas, como um sistema de cobertura obrigatória.
Segundo Geyer, se o Estado alemão vai se envolver nesse sistema de poupança privada, seria preferível que a administração dos fundos fosse feita por uma autoridade central, e não por empresas privadas. "Não vejo vantagem em recorrer ao mercado neste caso", acrescentou.
De outro ponto de vista, Christoph Schmidt, economista do Instituto Leibniz de Pesquisa Econômica, afirmou que existe na Alemanha um ceticismo profundamente arraigado em relação aos mercados de capitais, uma barreira cultural que prejudica os trabalhadores.
Essa barreira faz com que os alemães relutem em investir em ações, apesar da rentabilidade comprovada a longo prazo. Segundo Schmidt, os jovens alemães precisam de conhecimentos financeiros e da "coragem" para diversificar os recursos destinados à aposentadoria.
A palavra final sobre o subsídio mensal de US$ 11 (cerca de R$ 56,65) ou qualquer outra medida para incentivar as pessoas a trabalhar por mais tempo cabe ao Congresso e, se as forças políticas não chegarem a um acordo, as iniciativas do governo podem estagnar.
Rupturas na coligação alemã
Projeções indicam que, até 2040, um quarto da população alemã terá 67 anos ou mais.
Tendo em mente essa mudança demográfica, uma das propostas que mais gera debate é a ideia de aumentar a idade de aposentadoria para 70 anos — em 2019, o Brasil aprovou uma reforma que aumentou a idade de aposentadoria: em geral, mulheres podem se aposentar com idade mínima de 62 anos e o mínimo de 15 anos de contribuição, e homens com 65 anos de idade e 20 de contribuição.
Desde que assumiu o cargo em maio, o chanceler alemão, Friedrich Merz, tem evitado abordar esse ponto de discórdia, optando por anunciar incentivos como isenções fiscais para encorajar os alemães mais velhos a continuar trabalhando após a idade de aposentadoria.
Mas sua ministra da Economia, Katherina Reiche, colocou o dedo na ferida. "A vida profissional precisa ser mais longa", disse ela ao jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, em julho. "Temos que trabalhar mais e por mais tempo", acrescentou.
No entanto, os sociais-democratas reagiram imediatamente, dizendo que aumentar a idade de aposentadoria era uma questão "inviável", assim como quaisquer outras medidas destinadas a reduzir as pensões.
Uma das alternativas propostas pelo partido é aumentar as contribuições para o sistema, tornar mais atraente para as mulheres trabalhar em tempo integral, expandir o número de creches e aumentar a flexibilidade no emprego.
Alguns analistas apontam que a inclusão de migrantes na força de trabalho é um caminho que pode ajudar a enfrentar a crise do sistema.
Outros propuseram vincular permanentemente a idade de aposentadoria à expectativa média de vida ou aumentar impostos, ideias rejeitadas pelos conservadores.
Com tantas visões em jogo, continua sendo um mistério como os alemães conseguirão resolver um problema urgente que afeta não apenas seu país, mas também a maioria das economias desenvolvidas.
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