França

Nicolas Sarkozy: a jornada do ex-presidente francês do poder à cadeia

Nicolas Sarkozy torna-se o primeiro ex-presidente do país sentenciado pela Justiça. Ele foi condenado a cinco anos de prisão por receber fundos ilegais de financiamento de campanha do regime líbio de Muammar Kadhafi. Conservador desafiou o veredicto

Entre 2007 e 2012, o conservador Nicolas Sarkozy, 70 anos, ocupou o posto mais alto do Palácio do Eliseu. Treze anos depois, deixou o Tribunal de Paris, nesta quinta-feira (25/9), na condição de condenado a cinco anos de prisão. A Justiça o considerou culpado em um caso de corrupção que envolve o suposto financiamento ilegal de sua campanha eleitoral por parte do regime líbio de Muammar Kadhafi. Acompanhado da esposa, a cantora, modelo e atriz Carla Bruni-Sarkozy, 57, e dos três filhos, o ex-presidente francês adotou um tom desafiador. "Vou dormir na prisão com a cabeça erguida. Sou inocente", reagiu Sarkozy, ao classificar a própria condenação de "extrema gravidade para o Estado de Direito" e de "injustiça insuportável". "O ódio não tem limites", acrescentou.

Com a decisão da Corte, ele se tornará o primeiro presidente da história da França a ser preso. A condenação pelo crime de associação criminosa segue outras duas por corrupção, tráfico de influência e financiamento ilegal de campanha. Apesar de ter perdido a Legião de Honra, principal honraria francesa, nunca ficou sequer um dia na prisão. Dessa vez, nem mesmo o recurso o livrará de cumprir a pena. Em 13 de outubro, a Justiça anunciará a data em que Sarkozy será preso. A acusação de tentativa de suborno a um juiz, sete anos antes, fez com que, em 2021, o ex-presidente recebesse a pena de um ano de detenção. Mas o Tribunal de Apelações de Paris determinou que Sarkozy poderia permanecer preso em casa, com uma pulseira eletrônica. 

Além da pena de cinco anos de prisão pelo esquema de financiamento de campanha com o regime de Kadhafi, Sarkozy terá que pagar multa de 100 mil euros (ou cerca de R$ 626 mil). A juíza Nathalie Gavarino, presidente do Tribunal da Paris, explicou que Sarkozy teria "permitido que colaboradores próximos (...) atuassem (junto à ditadura de Kadhafi) com o objetivo de obter apoios financeiros".

O político francês teria recebido milhões de euros em fundos ilícitos de Trípoli. A promotoria alega que, em troca do dinheiro, Sarkozy prometeu ajudar Kadhafi a salvar sua reputação na condição de líder rejeitado pelo Ocidente. Um dos advogados de Sarkozy, Jean-Michel Darrois admitiu que seu cliente está "abalado" com o veredicto e citou os efeitos práticos da condenação sobre a esposa e os filhos do ex-presidente. "Estamos absolutamente estupefatos com esta decisão", disse o defensor.

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Evidências

Cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, em Paris, Jean-Yves Camus afirmou ao Correio que o juiz disse não existir evidências da participação pessoal de Sarkozy em atos de corrupção. "Ele foi condenado com base em uma disposição do Código Penal Francês que pune aqueles que se envolvem em uma preparação concertada, ou em uma ação, que seja ilegal. Sarkozy nega qualquer irregularidade", comentou. "Em outras palavras, o juiz reconhece não haver provas concretas de que ele tenha ordenado que dois de seus aliados políticos mais próximos obtivessem dinheiro da Líbia. No entanto, lembrou que o dinheiro de Kadhafi foi usado na campanha eleitoral, e que o ex-presidente francês tomou a iniciativa, ou pelo menos tolerou, a ação de seus dois asessores quando viajaram à Líbia para se encontrar com um alto funcionário do regime de Kadhafi. Isso é, na melhor das hipóteses, culpa por associação. Mas não é suficiente para uma sentença tão severa."

PERSONAGEM DA NOTÍCIA

Animal político de sangue misturado

Nicolas Sarkozy experimentou o céu e o inferno em 18 anos. Conhecido por suas declarações contundentes e considerado por muitos especialistas como um "animal político", "Sarko" construiu a carreira com um posicionamento de linha-dura contra a criminalidade, os migrantes e o islã, sustentado por uma imagem de "presidente dos ricos" e amante da ostentação. Depois de governar a França entre 2007 e 2012, perdeu as eleições para o socialista François Hollande naquele ano e, em 2016, sofreu novo revés nas primárias de seu partido conservador União por um Movimento Popular. Com isso, afastou-se da vida público, depois de vangloriar-se de ter uma energia hiperativa. 

Marido da modelo, cantora e atriz Carla Bruni-Sarkozy, Nicolas Sarkozy disse: "Chegou a hora para mim de despertar mais paixão privada e menos paixão pública". Era o fim de 33 anos de carreira política. Nascido em 28 de janeiro de 1955, este homem de baixa estatura, moreno e de olhos azuis, apaixonado pelo futebol e pelo ciclismo, tem um perfil atípico para a classe política francesa.

Não vem da alta burguesia, nem passou por uma universidade renomada, ao contrário da maioria de seus pares. Filho de um imigrante húngaro, criado por sua mãe e seu avô grego, se apresentava como um "francês de sangue misturado". Prefeito aos 28 anos de um rico subúrbio de Paris, Neuilly-sur-Seine, deputado aos 34, ministro aos 38, superou todos os obstáculos até ser eleito chefe de Estado aos 52 anos, em sua primeira tentativa em 2007.

Durante sua carreira, Sarkozy forjou uma sólida reputação de uma personalidade enérgica, mas seus críticos o acusam de ser impulsivo demais, como quando gritou "Casse-toi pauvre con!"("Desapareça, idiota!") a um homem que se negou a lhe apertar a mão. Criticado por seu gosto pelo dinheiro e a exposição de sua vida privada, Sarkozy foi o primeiro presidente francês a se divorciar durante o mandato, antes de se casar em 2008 com Carla Bruni, com quem teve uma filha. Ele tem outros três filhos com suas duas primeiras mulheres.

EU ACHO...

Arquivo pessoal - Jean-Yves Camus, cientista político do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas (Iris), em Paris

"Apesar da condenação, Nikolas Sarkozy continua sendo uma figura respeitada na direita, e muitos conservadores dizem que a decisão tem motivações políticas. Ele pode se vingar, quando as eleições chegarem, dizendo quem é o melhor candidato da direita. Há até rumores de que, caso a eleição presidencial oponha Marine Le Pen a Jean-Luc Mélenchon, ele apoiará Le Pen." 

Jean-Yves Camus, cientista politico do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas, em Paris 

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