CORPO HUMANO

'Meu sangue está cheio de substâncias químicas que ficarão nele para sempre — o que posso fazer a respeito?'

Os produtos químicos eternos que carregamos no corpo podem prejudicar nossa saúde. Eles estão presentes em toda parte, mas existem algumas formas de tentar eliminá-los ou reduzir nossa exposição.

Os produtos químicos eternos
Os produtos químicos eternos "não se decompõem", segundo Stephanie Metzger - (crédito: BBC)

Enquanto entrava na clínica médica para fazer meu exame de sangue, eu só conseguia pensar em como esconder o medo em frente à câmera.

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Eu não fazia ideia do que aquele exame iria revelar.

Não tenho muita simpatia por agulhas. Mas, como parte de uma investigação sobre os chamados produtos químicos eternos para o programa de TV Panorama, da BBC, fui fazer o exame para descobrir qual a quantidade dessas substâncias no meu sangue.

Como mãe de duas crianças pequenas, também quis saber se essas substâncias poderiam afetar minha família.

Os produtos químicos eternos — substâncias per e polifluoroalquila (PFAS, na sigla em inglês) — são um grupo de cerca de 10 mil substâncias. Eles são usados há décadas, em produtos que variam desde roupas à prova d'água até utensílios de cozinha, circuitos eletrônicos e equipamentos médicos.

Trata-se de poluentes persistentes, ou seja, eles não se degradam com facilidade. Pelo contrário, eles se acumulam no ambiente.

Os produtos químicos eternos estão nas nossas casas, na água e nos nossos alimentos. E os cientistas relacionaram uma pequena parte deles a riscos sérios, como infertilidade e câncer.

Níveis de PFAS acima de 2 nanogramas (ng) por mililitro de sangue são considerados perigosos para a saúde, segundo Sabine Donnai, especialista em assistência médica preventiva. Ela nunca conheceu ninguém sem pelo menos alguns PFAS no sangue.

Meu resultado foi de 9,8 ng por mililitro. Donnai contou a notícia com muita gentileza, mas, ainda assim, foi um choque.

Os produtos químicos eternos no meu sangue "muito provavelmente" irão prejudicar minha saúde, segundo ela.

Também fiquei sabendo que, infelizmente, meu sangue teria se livrado de parte dessas substâncias durante a gravidez, transmitindo os PFAS para meus filhos.

Neste momento, a investigação da BBC deixou de ser simplesmente trabalho e passou a ser algo muito pessoal.

"Os níveis de PFAS devem ter sido ainda mais altos durante a gravidez", contou Donnai. "Você certamente terá transmitido para os seus filhos."

Fiquei preocupada e também furiosa. Como isso pode ter acontecido sem que eu tivesse nenhum conhecimento e muito pouco controle?

Eu quis saber mais sobre essas substâncias e os problemas de saúde relacionados.

Os PFAS "não se decompõem", segundo Stephanie Metzger, da Sociedade Real de Química do Reino Unido. "Quando entram no nosso corpo, eles se estabelecem e se acumulam, pouco a pouco, até começarem a interferir nos nossos sistemas."

"Alguns PFAS foram relacionados a problemas da tireoide, outros a câncer do rim e do fígado e se demonstrou que alguns deles prejudicam a fertilidade."

Stephanie Metzger vestindo blusa verde escura, com cabelo escuro longo, em frente a uma parede azul com linhas verticais. O fundo inclui à esquerda uma imagem desfocada do que parece ser uma mesa.
BBC
Os produtos químicos eternos "não se decompõem", segundo Stephanie Metzger

No meu caso, é "improvável" que eu consiga reduzir meus níveis para zero, segundo Donnai. "Mas você pode reduzi-los nos próximos dois ou três anos com uma estratégia."

Ela sugeriu que eu aumentasse minha ingestão de fibras, seja comendo mais aveia, cevada, feijão, nozes e sementes, ou tomando suplementos de fibra formadora de gel.

O aumento das fibras na alimentação é "até aqui, a evidência mais forte que pode ajudar", afirma ela.

Se eu fizesse isso, a menstruação também ajudaria a reduzir meus níveis de PFAS ao longo do tempo, destaca Donnai.

Ela também me orientou a identificar as maiores fontes de exposição em casa, substituindo meus utensílios de cozinha antiaderentes por alternativas de cerâmica, aço inoxidável ou ferro fundido.

Donnai recomenda usar um filtro de água e adotar produtos de limpeza ecológicos, que declarem de forma transparente que são livres de PFAS. E também procurar produtos para os cabelos e de maquiagem livres de PFAS e evitar ingredientes com "fluoro" ou "PTFE" no nome.

O contato com as crianças

A futura mamãe Pam Kavanagh também recebeu conselhos similares. Nós a visitamos em sua casa em Berkshire, no Reino Unido, ao lado da Dra. Federica Amati, do Imperial College de Londres.

Kavanagh estava ansiosa para saber como reduzir os possíveis riscos domésticos dos PFAS para o seu bebê. Já Amati estudou como os produtos químicos eternos podem afetar os bebês e as crianças.

"Quando bebemos água da torneira, dependendo de onde moramos, ficamos expostos a variados níveis de exposição a PFAS", segundo Amati.

A simples compra de um filtro de água pode ajudar a reduzir a exposição, afirma ela, seja uma jarra com filtro no seu interior ou um filtro instalado na própria torneira.

Amati também aconselha a descartar todas as frigideiras antiaderentes riscadas. Panelas de aço inoxidável ou cerâmica "são muito mais seguras", segundo ela.

Tapetes podem ser tratados com PFAS para aumentar sua resistência a manchas, destaca Amati. Por isso, ela sugere passar aspirador nos tapetes todos os dias.

"É uma boa ideia sempre ventilar o quarto, abrindo as janelas todos os dias", orienta Amati. "Os PFAS, de fato, se acumulam na forma de poeira doméstica."

Duas mulheres conversando de pé em um jardim, observadas através de uma porta de vidro. O jardim inclui um deck de madeira com mobília externa escura, uma grade de madeira com treliça em cima e grama ao fundo. Existe uma planta com folhas pontudas perto do fundo da imagem e uma construção de tijolos parcialmente visível ao fundo.
BBC
Federica Amati aconselha a futura mamãe Pam Kavanagh sobre os possíveis riscos impostos pelos produtos químicos eternos dentro de casa

Amati passa a comentar as roupas das crianças. Kavanagh fica "sem palavras" ao descobrir que roupas à prova d'água ou resistentes a manchas podem conter PFAS.

Os fabricantes não são obrigados a revelar esta informação. E alguns produtos infantis anunciados como livres de PFAS, na verdade, contêm as substâncias, segundo descobriu a BBC.

Encontramos PFAS em um casaco infantil adquirido há alguns meses no website Mountain Warehouse. O site afirma que nenhum dos seus produtos infantis usa produtos químicos eternos na sua fabricação.

O casaco que testamos veio de um pequeno lote de estoque antigo, produzido há mais de três anos, segundo declarou o site à BBC. O casaco "atende aos padrões de segurança do Reino Unido", mas foi retirado de oferta.

A empresa declarou estar trabalhando "para eliminar os PFAS de todos os produtos assim que possível" e que "as roupas infantis fabricadas desde 2023 são livres de PFAS".

Tecidos contendo PFAS que ficarem em "contato prolongado com a pele humana" podem fazer com que as substâncias sejam absorvidas pela pele, explica o professor Stuart Harrad, da Universidade de Birmingham, no Reino Unido, que testou o casaco para a BBC.

Para reduzir o risco, prefira tecidos não tratados e evite rótulos como "à prova d'água" ou "repelente de manchas", a menos que eles sejam certificados como livres de PFAS, orienta Donnai.

A nossa maior exposição aos produtos químicos eternos vem dos alimentos, principalmente peixe, carne, ovos, frutas e produtos de frutas, segundo a Autoridade Europeia de Segurança Alimentar.

Um inocente morango pode ter sofrido exposição a PFAS. Eles podem ser adicionados a pesticidas "para ajudá-los a se aderirem melhor à fruta, fazendo com que não sejam levados pela chuva", explica o professor David Megson, da Universidade Metropolitana de Manchester, no Reino Unido.

Dentre os produtos comuns que consultamos, uma garrafa de vinho pode trazer o maior risco de exposição a PFAS, segundo Megson.

"Nós concentramos centenas de uvas em cada garrafa", explica ele. "À medida que o pesticida se decompõe, o PFAS fica para trás."

Tigela branca cheia de uvas brancas e tintas sobre uma mesa coberta com toalha branca. Outra tigela contém morangos vermelhos, levemente fora de foco. O fundo mostra utensílios de vidro borrados e outros produtos alimentícios, sugerindo uma refeição em ambiente externo com luz natural.
BBC
Frutas como uvas podem ter sido expostas a produtos químicos eternos

Os PFAS estão tão incrustados na vida moderna que nenhum de nós consegue escapar totalmente deles.

Eles tornaram nossas vidas convenientes e nossos produtos duráveis, mas a um custo potencial que só agora começamos a avaliar.

A Comissão Europeia está avaliando a proibição completa de cerca de 10 mil produtos químicos eternos. O governo britânico afirma que procura proibir ou restringir algumas substâncias, mas não se comprometeu com uma proibição generalizada.

O governo do Reino Unido declarou estar "trabalhando em conjunto com os órgãos reguladores para determinar os níveis de PFAS no meio ambiente, suas fontes e potenciais riscos", como base informativa para decidir sobre sua "política e regulamentação".

Os PFAS podem ter muitos usos essenciais e ainda não há substitutos mais seguros disponíveis, defende a Associação das Indústrias Químicas. A entidade afirma que "os órgãos reguladores e a indústria precisam trabalhar em conjunto para definir períodos de transição" e trazer alternativas para o mercado.

Quando fiz o exame de sangue, imaginei que ele forneceria uma cena interessante para o nosso documentário. Mas, depois que você sabe que essas substâncias estão dentro de você, é impossível ignorar o fato.

Ter um plano para reduzir minha exposição é um pequeno conforto. Mas, para ser honesta, também é mais um motivo de preocupação.

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BBC
Catrin Nye - BBC Panorama
postado em 05/12/2025 10:17 / atualizado em 05/12/2025 11:08
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