
A passagem de um ciclone extratropical pelo sul do Brasil tem gerado chuvas intensas e vendavais pelo país, provocando estragos em diversas regiões, principalmente no Centro-Sul.
Três mortes foram registradas na cidade de Palhoça, em Santa Catarina, que nas últimas 24 horas registrou um acúmulo de chuva de 137 mm, de acordo com o MetSul.
Meteorologistas consideram o ciclone de "altíssimo risco", com previsão de rajadas de vento que podem chegar a 120km/h.
Para climatologistas ouvidos pela BBC News Brasil, por mais que a ocorrência de ciclones seja comum no hemisfério sul, não há como negar o impacto das mudanças climáticas em eventos intensos como esse.
"Não é incomum ter um ciclone esta época do ano, o que é incomum é a intensidade que estamos vendo. E os estudos indicam que esse cenário é uma tendência do aquecimento global", afirma o climatologista José Marengo, que coordena o Centro Nacional de Monitoramento e Alerta de Desastres Naturais (Cemaden).
Nos últimos anos, diversos ciclones foram registrados no Brasil, muitos com chuvas intensas, rajadas de vento, principalmente na região sul.
O mais recente foi registrado em novembro, ocasionando a formação de um tornado que atingiu o Paraná e destruiu 90% da cidade de Rio Bonito do Iguaçu, no interior do estado.
Seis pessoas morreram e mais de mil moradores ficaram desalojados. Os ventos chegaram a 250km/h.
Segundo Franscisco Aquino, climatologista e professor da UFRGS, nem todo evento meteorológico é resultado das mudanças do clima, mas a frequência e a intensidade dos ciclones extratropicais aumentou nas últimas décadas no hemisfério sul.
Ele avalia que há uma relação direta entre os efeitos dessas mudanças, sobretudo na Antártica, e o aumento de ciclones que atingiram o Brasil desde setembro.
Aquino explica que, neste ano, a Antártica registrou baixa extensão de gelo marinho, tanto no verão quanto no inverno.
Essa redução de gelo coloca a oscilação Antártica em fase negativa, empurrando o cinturão de ciclones extratropicais para o sul do Brasil, o que explica essa sequência incomum de tempestades e eventos extremos.
"Como a atmosfera está mais quente, e o planeta segue em mudança climática, não tem como entender que não há uma combinação desses fatores, nesse caso reduzindo o gelo marinho, deixando a fase negativa no sul, e permitindo a formação de ciclones mais intensos", afirma.
'Ciclones-bombas'
O ciclone que atinge o sul do Brasil é apontado por meteorologistas como um evento atípico esta época do ano pela combinação de vários fatores, entre eles a pressão excepcionalmente baixa e sua intensidade.
É esperado que ele alcance um valor mínimo de pressão atmosférica abaixo de 1000 hPa (hectopascal), valores considerados "excepcionalmente baixos e raríssimos".
Enver Gutierrez, pesquisador e Chefe da Divisão de Previsão de Tempo e Clima do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), explica que as ondulações de jatos — correntes de ventos que ficam na parte superior da atmosfera e são responsáveis por organizar o clima do planeta — registradas nesse ciclone foram muito intensas, algo que é comum no inverno, e não na primavera.
Com isso, os ventos se projetaram para as camadas de baixo, contribuindo para a intensificação do ciclone.
Segundo ele, essas características são apontadas em estudos como possíveis efeitos de mudanças climáticas.
"Estudos desses cenários de aquecimento global indicam que os ciclones estariam mais intensos, e nesse caso, foi registrada uma ondulação bem intensa, o que corrobora com esses estudos", declarou.
Marengo acrescenta que tem-se observado no Brasil uma tendência na formação de ciclones chamados "ciclones-bombas", com ventos intensos, aproximação do continente.
A frequência desses eventos costuma ser associada ao aquecimento da temperatura.
Apesar de pontuar que ainda é cedo para classificar como "ciclone-bomba" o sistema que atualmente atravessa o Rio Grande do Sul, Marengo afirma que não há dúvidas de que ele seja um "ciclone intenso, com alta probabilidade de desastres".
Especialistas alertam que esses 'ciclones devastadores' tendem a se intensificar cada vez mais se seus impactos não forem suavizados.
Isso engloba ter uma agenda focada nas mudanças do clima, com soluções baseadas na natureza, para reduzir a emissão de gases de efeito estufa, mas também uma estrutura voltada para a população, argumenta Aquino.
"Neste momento é preciso aumentar a estrutura da Defesa Civil, criar alertas antecipados, criar métodos para melhorar a comunicação e permitir que as pessoas possam se informar dos riscos e se proteger. É muito importante que a população esteja atenta a alertas no smartphone, à previsão do tempo. Só assim conseguimos reduzir impactos."
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