
Cerca de 80% das gestantes têm enjoo matinal, segundo o Serviço Nacional de Saúde do Reino Unido (NHS, na sigla em inglês). Em alguns casos, a náusea é tão intensa que compromete o dia a dia.
Diagnosticada com hiperêmese gravídica, a repórter Beth Parsons passou a ouvir outras mulheres afetadas pela condição. Confira, a seguir, o seu relato:

Fechando as cortinas para bloquear a luz de uma tarde quente de verão, fiz tudo o que podia para evitar vomitar pela décima vez naquele dia e me perguntei quando voltaria a me sentir eu mesma.
É uma experiência solitária, que te isola e é difícil de explicar, sobretudo quando o enjoo matinal "normal" é tratado como um rito da gravidez, algo que gengibre, uma boa noite de sono ou simplesmente chegar ao segundo trimestre supostamente resolveriam.
Eu sempre quis ser mãe, e meu marido e eu ficamos radiantes com o teste positivo, mas não foi exatamente as boas vindas à gravidez que imaginávamos.
O diagnóstico de hiperêmese gravídica veio em seguida.
Enquanto livros e publicações nas redes sociais descreviam a dieta nutritiva ideal para ajudar o meu bebê a crescer, muitas vezes eu não conseguia manter nem água no estômago.
Eu tomava goles de suco bem gelado e chupava picolés de gelo para evitar a desidratação da melhor forma possível. Às vezes, eu beliscava torradas ou cereal seco e tentava dormir, na esperança de que a comida ficasse no organismo.
Tudo isso acontecia justamente quando, por dentro, eu me sentia muito sortuda por estar começando uma família, e fazia de tudo para não parecer ingrata.
Depois de consultar meu médico, acabei encontrando um medicamento que ajudou, e foi como se alguém tivesse acendido a luz de novo.
Pela primeira vez em meses, consegui sair de casa, voltar ao trabalho e comecei a comer e beber com mais normalidade. Agora, estou na 26ª semana e não tenho enjoo sério desde a 17ª semana da gravidez.
Depois de falar abertamente sobre o problema na internet e em conversas, outras mulheres começaram a compartilhar suas experiências comigo.
Notei como eram diferentes entre si, especialmente no que dizia respeito ao tipo de apoio disponível e aos tratamentos aos quais elas conseguiam ter acesso.
Em particular, o medicamento que me ajudou, conhecido como Xonvea, muitas vezes era negado a mulheres que queriam desesperadamente experimentá-lo.
Três mulheres compartilharam suas histórias comigo.
Sarah Goddard, de North Yorkshire (Reino Unido), engravidou pela segunda vez em agosto de 2024. Mãe de uma menina de quatro anos, ela teve bastante enjoo na primeira gravidez, mas a hiperêmese gravídica (HG) nunca havia sido mencionada. Na segunda gestação, porém, ficou gravemente doente.
"Na sétima semana, eu já não conseguia manter nada no organismo… vomitava 15 ou 20 vezes por dia. Eu tinha ânsias de vômito tão fortes que começava a sair sangue. Não havia mais nada em mim para sair", contou.
"Em alguns momentos achei que estava morrendo, era exatamente essa a sensação. Mas eu achava que talvez estivesse exagerando, até que minha mãe me disse: 'Acho que estou vendo você morrer'", disse Goddard.
Aos 32 anos, ela foi ao hospital três vezes para receber injeções contra enjoo e hidratação intravenosa, mas piorava novamente assim que voltava para casa. Ofereceram a ela alguns medicamentos, mas nenhum funcionou bem para ela.
"Eu não sabia como ia conseguir passar por isso e, no fim, com dez semanas, tomamos a decisão impossível de interromper a gravidez."
Goddard disse que ainda se sente "devastada" pela decisão que precisou tomar diante da gravidade da hiperêmese gravídica.
"Dar um irmão à minha filha era exatamente o motivo de eu estar fazendo tudo isso, eu tentei e depois tirei isso dela", justificou Goddard.
"Eu simplesmente não via como conseguiríamos seguir adiante, porque ninguém estava lutando por nós. É algo pelo qual vou me sentir culpada até o fim da vida."
Ela agora recebe acompanhamento para luto e apoio em saúde mental pela entidade britânica Pregnancy Sickness Support (Serviço de Apoio a Gestantes com Enjoo, em tradução livre).
Goddard também buscou orientação de um médico especialista, que lhe explicou sobre a hiperêmese gravídica e garantiu acesso a medicamentos que a fizeram se sentir capaz de tentar uma terceira gravidez.
Ela agora deve ter um bebê em 2026 e agradece ao especialista, dizendo: "Sem ele, eu não estaria aqui, com 31 semanas de gestação, esperando o irmãozinho da minha filha."
Millie Fitzsimons, 28, teve sintomas de hiperêmese gravídica (HG) durante toda a gestação e percebeu que as opções de tratamento podem variar de um lugar para outro.
No total, ela calcula ter sido internada cerca de 16 vezes.
Ela estava morando em Boston, em Lincolnshire (Reino Unido), quando descobriu que estava grávida.
"Parece mesmo que você está morrendo… é uma sensação impossível de explicar. Eu perdi 3st (cerca de 19 kg), vomitava 40 vezes por dia. Você fica exausta o tempo todo, dormindo e acordando o dia inteiro. Horrível."
Fitzsimons contou que o apoio era "muito difícil de conseguir" e que, muitas vezes, profissionais de saúde apenas reviravam os olhos e não a escutavam.
Ela tentou vários medicamentos, inclusive esteróides que não são recomendados como opção de longo prazo.
Por volta das 16 semanas, recebeu orientação da entidade Pregnancy Sickness Support, que a aconselhou a pedir o medicamento Xonvea.
Ela disse que os profissionais de saúde "nunca tinham ouvido falar" do medicamento e que levou quatro meses entre pedir e finalmente conseguir acessá-lo. E só podia receber a quantidade equivalente a uma semana por cada vez que pedia.
"Eles apenas disseram que era uma loteria de CEP [que dependia da região] e que era muito caro."
Quando se mudou para York, no fim da gravidez, em abril, conseguiu acesso ao Xonvea.
Seu bebê nasceu em maio. Ela ficou afastada do trabalho por oito meses durante a gestação e acredita que não terá outro filho.
A entidade faz campanha para que o Xonvea seja incluído em todas as listas de medicamentos disponíveis no sistema de saúde, para evitar dificuldades de acesso.
Ella Marcham, de Yeadon, em Leeds (Reino Unido), teve os primeiros sintomas de HG antes mesmo de descobrir que estava grávida.
Já mãe de duas crianças pequenas, lidar com a condição debilitante enquanto cuidava da família não foi fácil.
"Para mim, o pior era a náusea. Ela nunca passava", disse a jovem de 28 anos.
"Era 24 horas por dia, 7 dias da semana, o tempo todo. Ficava muito difícil comer e beber direito, cuidar dos meus filhos, simplesmente levar uma vida normal… é muito difícil descrever."
Ela pediu o medicamento Xonvea à sua clínica geral e a um hospital em Leeds, mas foi informada de que eles não poderiam prescrevê-lo. Outros remédios tiveram efeito limitado.
"As enfermeiras fizeram de tudo, mas encontramos uma barreira atrás da outra com os médicos, e era sempre: 'Não, não podemos prescrever esse medicamento nesta área'."
"Eu estava em um momento tão difícil que não conseguia insistir muito, porque simplesmente não tinha forças… acabei me fechando um pouco, porque não tinha energia para continuar pedindo, pedindo e pedindo por algo."
Marcham chegou a pesquisar rapidamente se poderia conseguir o medicamento de forma privada, mas desistiu quando viu que os preços online começavam em £ 86,95 (cerca de R$ 630) por menos de uma semana de tratamento.
Ela deu à luz gêmeos em julho e, imediatamente, parou de sentir náuseas.
Marcham e o marido, Joe, disseram que lidar com dois recém-nascidos e mais duas crianças foi significativamente mais fácil do que enfrentar a hiperêmese gravídica.
O que é hiperêmese gravídica?
Enjoos na gravidez são muito comuns, mas algumas gestantes apresentam vômitos e náuseas extremos, conhecidos como hiperêmese gravídica ou HG, que geralmente necessitam de tratamento hospitalar.
Essas pacientes sofrem náuseas e vômitos intensos, o que geralmente significa vomitar várias vezes ao dia, não conseguir manter alimentos ou líquidos no organismo e perder a capacidade de seguir a rotina diária.
A condição costuma levar à desidratação e à perda de peso. Segundo o NHS, a hiperêmese gravídica afeta cerca de uma a três em cada 100 mulheres grávidas.
Muitas pacientes precisam de medicamentos e de hidratação intravenosa.
Quem já teve HG em uma gravidez tem grande chance de apresentar o quadro novamente em uma gestação futura.
Há diversos medicamentos disponíveis para quem enfrenta a hiperêmese gravídica.
A entidade Pregnancy Sickness Support divide esses remédios em categorias de primeira, segunda e terceira linha.
A organização recomenda que um dos primeiros medicamentos oferecidos seja o Xonvea, conhecido cientificamente como succinato de doxilamina e cloridrato de piridoxina.
Ele é licenciado no Reino Unido desde 2018 e é o único medicamento contra enjoo autorizado para uso durante a gravidez no país.
Outros medicamentos de primeira linha incluem ciclizina, prometazina e proclorperazina.
Entre os medicamentos de segunda linha estão metoclopramida, ondansetrona e domperidona.
Esses remédios podem causar efeitos negativos para a gestante, como constipação e efeitos extrapiramidais (espasmos musculares, tiques e tontura), mas esses quadros podem ser controlados por um médico, ou o tratamento pode ser interrompido quando os efeitos colaterais aparecerem, disse a entidade.
O grupo acrescenta que a ondansetrona pode representar um "risco minúsculo" de o bebê nascer com fenda palatina.
Os medicamentos de terceira linha geralmente são esteróides, que costumam funcionar em pacientes com HG quando outras medidas não deram resultado.
Há possíveis efeitos colaterais tanto para a mãe quanto para o bebê, mas a entidade disse ser importante lembrar que, se a HG não for tratada, pode causar mais danos ao bebê do que os possíveis efeitos adversos de um medicamento, inclusive esteróides.
A hidratação intravenosa pode ser usada durante a HG para corrigir a desidratação. Medicamentos também podem ser administrados por via intravenosa quando a paciente não consegue mantê-los no organismo.
'Somos extremamente cautelosos'
O clínico-geral de Doncaster (Reino Unido), Dean Eggitt, disse que atende uma mulher com hiperêmese gravídica "a cada duas semanas".
"Quando as mulheres chegam com hiperêmese, normalmente avaliamos a hidratação. Elas estão bebendo? Estão urinando? Conseguem realizar suas funções diárias?
"Podem ser coisas simples, como observar o que está sendo ingerido, o que está sendo bebido, talvez biscoitos de gengibre, coisas básicas. Se nada disso for adequado ou não funcionar, passamos para os medicamentos."
Ele disse que o medicamento de primeira linha é a ciclizina, e que o Xonvea tende a ser usado como medicação de segunda ou terceira linha.
"Ele tem licença para uso na gravidez, o que significa que já houve pesquisas mostrando que é seguro. Mas, na medicina, nós, médicos, somos um pouco mais cautelosos que isso", afirmou.
"No caso de uma gestante e de um feto, somos extremamente cautelosos ao usar um medicamento novo no mercado.
"Então, às vezes, o que acontece é que a equipe local de gestão de medicamentos se reúne e pergunta, primeiro: isso é custo-efetivo? Segundo: nossos clínicos sabem como usá-lo? E, terceiro: acreditamos que nossos colegas terão confiança para prescrever esse novo remédio, ou devemos deixá-lo ser utilizado por algum tempo para comprovar sua segurança?"
"Então, em teoria, sim, ele é seguro. Na prática, às vezes somos mais cautelosos, mas essa cautela acaba virando uma loteria de CEP."
O Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido foi procurado para comentar o caso.
Não há informação sobre se, ou quando, o medicamento (Xonvea) estará disponível no Brasil.
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