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Eles estavam prestes a se tornar americanos – até Trump cancelar suas cerimônias de cidadania

Imigrantes contam à BBC como o governo Trump cancelou abruptamente as cerimônias de cidadania que marcariam a sua naturalização, sem maiores explicações.

O presidente americano Donald Trump expandiu sua recente proibição de viagens para 19 países, principalmente nações africanas ou de maioria muçulmana -  (crédito: Getty Images)
O presidente americano Donald Trump expandiu sua recente proibição de viagens para 19 países, principalmente nações africanas ou de maioria muçulmana - (crédito: Getty Images)

Sanam é uma imigrante iraniana que chegou aos Estados Unidos mais de uma década atrás. E, finalmente, ela estava a ponto de se tornar cidadã americana.

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Foram anos enfrentando a burocracia, buscando aprovações, testes e verificações de segurança. Tudo até chegar à etapa final: a cerimônia de cidadania.

Mas, faltando apenas dois dias para o seu juramento no dia 3 de dezembro passado, o governo dos Estados Unidos cancelou abruptamente a cerimônia.

Inicialmente, Sanam ficou perplexa e confusa. Não houve nenhuma explicação.

Ela contou à BBC que não conseguia entender por que a cerimônia havia sido cancelada, se ela não havia feito nada de errado.

Só posteriormente, Sanam descobriu que o motivo foi o local onde ela nasceu. Foi quando surgiram a tristeza e a frustração.

"Anos se passaram e me sinto simplesmente esgotada, me perguntando se posso pelo menos continuar este processo, já que foi tão difícil", ela conta. "É absolutamente desolador."

Pessoas vistas de trás, mostrando suas cabeças e as mãos levantadas em juramento de cidadania, frente a uma bandeira dos Estados Unidos
Getty Images

Sanam prefere permanecer anônima, por medo de retaliação. Por isso, ela decidiu se identificar apenas pelo apelido.

Ela mora no Estado americano de Oregon com seu marido, cidadão americano do Kansas. A BBC verificou a identidade dela — e Sanam não é um caso isolado.

No início do mês, o governo Donald Trump começou a cancelar cerimônias de cidadania de imigrantes de 19 países que já estavam submetidos a uma proibição de viagens. O Irã é um deles.

A controversa decisão deixou em estado de incerteza moradores permanentes em situação legal — como Sanam — em estado de incerteza. São pessoas que já passaram por todas as etapas do processo para se tornarem cidadãs americanas e só aguardavam a última formalidade, que é a cerimônia de cidadania.

"Parece simplesmente que nossa vida está meio que em um estado de limbo, instável", declarou Sanam. Ela e seu marido se sentem "à mercê do que o governo decidir", segundo ela.

A experiência fez com que Sanam começasse a reconsiderar se vale a pena permanecer nos Estados Unidos. Ela ainda tem sua família no Irã, incluindo seus pais idosos, e não sabe quando conseguirá vê-los outra vez.

"É difícil pensar em ter esperança neste momento", afirma ela.

"É uma época realmente assustadora e, infelizmente, estamos chegando às festas de final de ano. É muito triste que as pessoas passem por isso, no que deveria ser uma temporada de alegria e reunião com a família."

19 países afetados pela proibição de viagens

O cancelamento das cerimônias de cidadania é apenas uma parte dos esforços mais recentes do governo Trump para restringir as regras de imigração.

Migrantes dos 19 países já submetidos à proibição de viagens tiveram seu processamento de imigração suspenso, independentemente do estágio do processo, não apenas na etapa final.

Esta e outras medidas similares vieram dias depois que um cidadão afegão abriu fogo contra membros da Guarda Nacional em Washington DC, no dia 26 de novembro, matando a oficial Sarah Beckstrom e ferindo seriamente outro soldado.

O governo Trump usou o ataque como justificativa para uma série de novas medidas para restringir a imigração. Elas incluíram o deslocamento de mais 500 soldados da Guarda Nacional para a capital americana, redução do período de validade dos vistos de trabalho de cinco anos para 18 meses e a suspensão de todas as decisões sobre a concessão de asilo.

O Serviço de Cidadania e Imigração dos Estados Unidos (USCIS, na sigla em inglês) afirmou que as restrições são necessárias para proteger a segurança nacional, as vidas dos americanos e garantir a segurança pública.

Mas Mario Bruzzone, vice-presidente de políticas da Coalizão para a Imigração de Nova York (uma organização sem fins lucrativos que representa centenas de grupos de direitos dos imigrantes nos Estados Unidos), declarou que as restrições colocam os imigrantes que precisam de proteção em situações perigosas.

"Uma pausa indefinida é uma proibição, pura e simples", afirmou Bruzzone à BBC, "e eles estão usando os recentes ataques em Washington como pretexto para uma escalada das medidas contra os imigrantes e refugiados."

Jorge (nome fictício) é um imigrante venezuelano que também estava à beira de se tornar cidadão americano. Mas, menos de 24 horas antes da sua cerimônia, marcada para 2 de dezembro, ele foi subitamente informado do seu cancelamento, sem explicações.

"Eu tinha tudo preparado e iria comparecer à cerimônia com meu filho", ele conta. "Ter o cancelamento um dia antes, sem nenhuma razão específica, nos deixou sem saber o que fazer em seguida."

Embora Jorge tenha pedido para permanecer anônimo, a BBC verificou sua identidade e a experiência.

Ele declarou ter conseguido residência permanente em 2017, sob a categoria de "habilidade extraordinária", reservada para profissionais no topo da carreira no seu campo.

Jorge concorda com o governo Trump que deveria haver "análises mais rigorosas" dos imigrantes", segundo declarou à BBC.

Ele culpa o governo anterior de Joe Biden (2021-2025) por permitir a entrada de muitos imigrantes no país e destaca que, se pudesse votar, teria escolhido o presidente Trump.

Sua preocupação, segundo ele, é que os moradores de longo prazo, sem histórico criminal, estão sendo "generalizados" ao lado de pessoas que ele acredita precisarem de uma análise mais profunda.

"Quero apenas aqueles de nós que seguiram todas as normas para poder dar andamento nos processos", declarou Jorge, "e que aqueles que cometeram fraudes ou crimes enfrentem as consequências legais apropriadas."

Homem segura uma placa azul e laranja com os dizeres em inglês:
AFP via Getty Images
O presidente americano Donald Trump expandiu sua recente proibição de viagens para 19 países, principalmente nações africanas ou de maioria muçulmana

Bruzzone afirma que muitos imigrantes dos 19 países envolvidos já passaram por extensa verificação ao longo de anos, com diversos exames de segurança e de saúde. Eles incluem refugiados, solicitantes de asilo e moradores permanentes legais, como Sanam e Jorge.

Somente no Estado de Nova York, foram estimados 132 mil moradores venezuelanos em 2023, segundo dados coletados pela Coalizão para a Imigração de Nova York.

A suspensão prejudicou a vida das pessoas em todos os estágios do processo de imigração. Elas ficaram em compasso de espera, com "enormes incertezas", segundo Bruzzone.

O marido de Sanam também prefere permanecer anônimo por medo de retaliação. Ele contou à BBC que o desenrolar dos eventos parece assombroso.

"Se aqueles membros da Guarda Nacional não tivessem sido atacados na semana passada, mas nesta semana, minha esposa, agora, seria cidadã americana", declarou ele à BBC, no dia seguinte à data prevista para a cerimônia de cidadania de Sanam.

"Sua cabeça fica meio alucinada com a rapidez do mecanismo de mudança de todas essas políticas", prossegue ele.

"Parece que o governo claramente não quis que essa grande crise passasse em branco. E é muito difícil ficar sob toda esta pressão."

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BBC
Grace Eliza Goodwin e Leyla Khodabakhshi - BBC News
postado em 16/12/2025 07:02
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