
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) disse nesta quinta-feira (18/12) que vetará o PL da dosimetria, aprovado na quarta-feira pelo Senado.
"Com todo o respeito que eu tenho ao Congresso Nacional, a hora que chegar na minha mesa, eu vetarei", afirmou o presidente durante um café da manhã com jornalistas.
O projeto, aprovado por 48 votos a favor e 25 contra, reduz a pena de condenados pelos crimes relacionados aos atos de 8 de janeiro, incluindo o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
"As pessoas que cometeram um crime contra a democracia brasileira terão que pagar pelos atos cometidos contra este país."
Se de fato for vetado, o Congresso ainda pode derrubar o veto de Lula depois.
"O Congresso tem o direito de fazer as coisas, eu tenho o direito de vetar, eles têm o direito de derrubar o meu veto", afirmou Lula.
Se for à frente, o projeto pode beneficiar Bolsonaro e outros condenados por tentativa de golpe de Estado e crimes ligados a ameaças ao Estado Democrático de Direito.
Bolsonaro foi condenado em setembro pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 27 anos e três meses de prisão pelos crimes de organização criminosa, tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, golpe de Estado, dano contra o patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Agora, Bolsonaro pode ver cair o tempo de cumprimento da pena em regime fechado: dos atuais 6 a 8 anos para algo entre 2 anos e 4 meses e 4 anos e 2 meses, dependendo da interpretação, calcula o jornal Folha de S. Paulo.
O projeto prevê o fim da soma das penas pelos crimes de golpe de Estado e abolição do Estado Democrático de Direito, priorizando a aplicação da pena mais grave — com possível acréscimo de um percentual da pena do outro crime, a depender do caso.
Permite ainda uma progressão de regime mais rápida, ou seja, passar da cadeia para um regime semiaberto ou domiciliar a partir do cumprimento de um sexto da pena nos casos que não envolvam crimes contra a vida.
Além disso, autoriza a redução de um terço a dois terços das penas quando os crimes forem cometidos em contexto de multidão — regra que não se aplicaria a Bolsonaro, condenado por ser líder da tentativa de golpe.
Uma pesquisa Quaest divulgada nesta quarta-feira mostrou que 47% dos brasileiros desaprovam o projeto de lei, 24% são favoráveis ao texto e 19% gostariam de penas ainda menores que as previstas na proposta.
Para 58% dos entrevistados, o projeto teria como objetivo reduzir a pena de Bolsonaro; para 30%, o objetivo seria reduzir a pena de todos os condenados por atos golpistas.
Entre aqueles que se declaram como bolsonaristas, 53% apoiam reduções nas penas ainda maiores; 32% apoiam a proposta atual; e 10% são contra o projeto.
Entre os que se consideram lulistas, 77% são contrários ao projeto, 10% são favoráveis e apenas 4% apoiam reduções nas penas ainda maiores.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT), afirmou na rede social X que "o PL da Dosimetria é um convite para o retrocesso" e que "não há espaço para relativizar ataques à democracia".
Já o líder do PT na Câmara, Lindbergh Farias, disse na rede social que "o presidente Lula vai barrar" o projeto.
Filho do ex-presidente Jair Bolsonaro e escolhido pelo pai para ser candidato à presidência pelo PL em 2026, o senador Flávio Bolsonaro comemorou a aprovação do projeto — embora tenha dito que o texto não "era exatamente o que a gente queria", indicando que desejaria a anulação dos processos que levaram às condenações, e não apenas a redução das penas.
"O Brasil tem uma chance de ser pacificado e de retomar a normalidade da democracia", escreveu Flávio Bolsonaro no X.
"Jair Bolsonaro se sacrificou para que a dosimetria fosse aprovada e para que centenas de injustiçados do 8 de janeiro pudessem retomar suas vidas."
'Benevolência do Legislativo é de ocasião'
Para Luisa Ferreira, professora de Direito da Fundação Getúlio Vargas (FGV), o problema central do PL da Dosimetria não está, em si, na flexibilização das regras de progressão de regime, mas no contexto político em que a proposta foi construída.
"Não acho que é um problema flexibilizar regras de progressão de regime considerando a situação prisional no Brasil. Pelo contrário, deveríamos discutir isso para mais crimes", afirma a professora da FGV, em referência à superlotação dos presídios.
"O problema é o Congresso só se mobilizar quando o destinatário da norma tem nome e sobrenome, e sem um estudo sério sobre isso", afirma Ferreira, destacando o interesse dos parlamentares em beneficiar Jair Bolsonaro.
Na avaliação da especialista, o projeto segue uma lógica oposta à que historicamente orientou o Congresso em matéria de lei penal.
Ela lembra do pacote anticrime proposto pelo então ministro da Justiça e hoje senador Sergio Moro (União-PR), durante o governo de Jair Bolsonaro.
O pacote endureceu penas para diversos crimes e teve amplo apoio no Congresso.
Para o advogado criminalista Guilherme Furniel, o PL da Dosimetria evidencia uma "benevolência legislativa de ocasião", que não está preocupada em repensar o sistema carcerário ou a progressão de penas para a população em geral.
"O que a gente sempre viu foi o endurecimento penal, a criação de mais crimes, mais penas, sem um estudo sério do reflexo e resultado disso", diz o criminalista.
"Esse projeto de lei vai na contramão do que o Congresso faz há décadas, para tentar amenizar a situação jurídica de uma parcela específica de pessoas condenadas."
*Com reportagem de Iara Diniz e Mariana Alvim
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