VENEZUELA

Por que China e Rússia parecem ter abandonado Maduro em meio à escalada da tensão com EUA?

Fontes indicam que Nicolás Maduro pediu ajuda à Rússia e à China em meio às crescentes tensões com os Estados Unidos. Mas, até o momento, não recebeu o forte apoio de anos anteriores.

Durante a crise política de 2018 na Venezuela, a Rússia enviou ao país dois bombardeiros supersônicos Tupolev 160 (TU-160), o
Durante a crise política de 2018 na Venezuela, a Rússia enviou ao país dois bombardeiros supersônicos Tupolev 160 (TU-160), o "Cisne Branco", além de mais de 100 pilotos e militares russos, em apoio ao governo de Nicolás Maduro - (crédito: Getty Images)

Quando o ex-presidente da Venezuela, Hugo Chávez (1954-2013), chegou ao poder em 1999, ele teceu alianças estratégicas com a China e a Rússia para impulsionar sua visão de um mundo multipolar e combater a influência dos Estados Unidos.

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Estas relações foram fundamentais em 2019, quando o sucessor de Chávez, o atual presidente venezuelano Nicolás Maduro, enfrentou uma grave crise de legitimidade após as eleições daquele ano, marcadas por acusações de fraude.

Na ocasião, as duas potências rejeitaram o reconhecimento internacional do então líder da oposição, Juan Guaidó, que se declarou presidente interino do país. Pequim e Moscou chegaram a fornecer apoio militar e econômico para Maduro.

Seis anos depois, Nicolás Maduro enfrenta uma nova crise, a mais grave em seus mais de 12 anos de governo. Mas a China e a Rússia não demonstraram disposição de apoiá-lo, exceto por suas convocações gerais pedindo calma e não ingerência.

Por isso, tudo indica que, desta vez, Maduro esteja sozinho frente ao que ele denunciou como tentativa de derrubá-lo.

Desde setembro, o governo do presidente americano Donald Trump deslocou cerca de 15 mil soldados e mais de 20% da capacidade de combate da marinha dos Estados Unidos para a região do Caribe, em frente ao litoral da Venezuela.

Este deslocamento inclui o porta-aviões USS Gerald R. Ford, o maior e mais sofisticado do mundo.

Trump declarou que seu objetivo é combater o narcotráfico, mas analistas concordam com Maduro e defendem que, provavelmente, o verdadeiro propósito de Washington é impulsionar uma mudança de regime na Venezuela.

Apoio limitado à retórica

Fernando Reyes Matta é o diretor do Centro de Estudos sobre a China da Universidade Andrés Bello, do Chile. Ele calcula que Maduro enfrenta uma situação crítica.

"Resta pouco tempo para ele", declarou Reyes Matta à BBC News Mundo, o serviço em espanhol da BBC. "Os apoios que ele teve no passado já não estão disponíveis em termos reais, exceto por algumas declarações retóricas."

No final de outubro, Maduro pediu assistência à Rússia e à China para melhorar suas capacidades militares, conforme relatado inicialmente pelo The Washington Post.

O jornal americano obteve documentos internos do governo dos Estados Unidos, afirmando que a Venezuela pediu especificamente ajuda a Moscou para o reparo de aviões de combate Sukhoi, de fabricação russa, melhorias dos sistemas de detecção de radares e o fornecimento de mísseis.

O ministro da Defesa da Venezuela, Vladimir Padrino (2-i), após a chegada de dois bombardeiros supersônicos estratégicos russos de longo alcance Tupolev Tu-160 ao Aeroporto Internacional de Maiquetía, ao norte de Caracas, no dia 10 de dezembro de 2018
Getty Images
Durante a crise política de 2018 na Venezuela, a Rússia enviou ao país dois bombardeiros supersônicos Tupolev 160 (TU-160), o "Cisne Branco", além de mais de 100 pilotos e militares russos, em apoio ao governo de Nicolás Maduro

Questionado se Moscou estaria fornecendo ajuda a Caracas, pouco depois da publicação do relatório, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, limitou-se a dizer que seu país mantinha contato constante com a Venezuela e se negou a fornecer mais detalhes.

Por outro lado, a porta-voz do Ministério de Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, expressou em entrevista coletiva seu "firme apoio às autoridades venezuelanas na defesa da soberania nacional".

"Uma agressão direta agravará a situação, em vez de solucionar os problemas que, potencialmente, podem ser totalmente resolvidos pela via legal e diplomática, dentro do âmbito jurídico", destacou ela.

No último domingo (7/12), a agência de notícias russa Tass informou que o vice-ministro de Relações Exteriores do país, Sergey Ryabkov, declarou que o país se mantém "ombro a ombro" com a Venezuela.

"Expressamos nossa solidariedade com a Venezuela, com quem assinamos recentemente um acordo de associação estratégica e cooperação", segundo a Tass.

"Apoiamos a Venezuela, como ela também nos apoia, em muitos setores. Nestes momentos difíceis, nós nos solidarizamos com Caracas e os líderes venezuelanos."

"Esperamos que o governo Trump se abstenha de agravar a situação e levá-la a um conflito em grande escala. Solicitamos que proceda desta forma", conclui a agência russa.

Mas estas reações estão muito distantes do verificado em 2018, quando a Rússia enviou para a Venezuela mais de 100 pilotos e militares, além de dois aviões bombardeiros com capacidade nuclear.

Foi uma demonstração de força e apoio frente aos Estados Unidos, que haviam acabado de rejeitar os resultados favoráveis a Maduro, publicados pelo Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela, controlado por pessoas próximas ao presidente.

Outras prioridades

Reyes Matta foi embaixador chileno na China, durante o primeiro governo da ex-presidente Michelle Bachelet (2006-2010).

Ele afirma que a Venezuela deixou de ser importante para Pequim e Moscou no contexto geopolítico atual, ainda mais após o retorno de Trump à Casa Branca.

"Atualmente, não há motivos para defender a Venezuela, nem para a Rússia, nem para a China, considerando seus outros problemas, como a guerra da Rússia na Ucrânia e a China tentando conviver com o presidente Trump no cenário internacional", explica ele.

O presidente americano Donald Trump cumprimenta o presidente chinês Xi Jinping, antes de uma reunião bilateral em 30 de outubro de 2025, na Base Aérea de Gimhae em Busan, na Coreia do Sul
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Donald Trump e Xi Jinping se reuniram em outubro em Busan, na Coreia do Sul, onde definiram uma trégua nas alíquotas de importação. Os Estados Unidos decidiram reduzir pela metade sua alíquota de 20%, para reduzir o fluxo de fentanil da China para os EUA

Desde a invasão da Ucrânia em 2022, a Rússia destinou enormes recursos financeiros e ativos militares a uma guerra que vem drenando suas finanças e suas forças armadas, além de desencadear uma série de sanções por parte do Ocidente.

Tudo isso resulta em menos disponibilidade de dinheiro e armas para aliados ideológicos que, provavelmente, perderam importância nos planos do presidente russo, Vladimir Putin.

"A Rússia não irá se arriscar a receber mais sanções, nem a China irá se arriscar a sofrer mais tarifas de importação por defender Maduro", declarou à BBC o diretor do Laboratório de Política e Relações Internacionais (PoInt) da Universidade Icesi em Cáli, na Colômbia, Vladimir Rouvinski.

As relações entre os Estados Unidos e a China são marcadas por tensões comerciais, desde que Donald Trump assumiu a presidência e anunciou tarifas de importação a diversos países.

A situação parecia complicada, mas uma reunião entre Trump e Xi Jinping na Coreia do Sul, no final de outubro, foi qualificada como positiva pelos dois líderes, abrindo as portas para possíveis acordos.

Os Estados Unidos reduziram pela metade sua alíquota de 20% sobre produtos chineses, em troca do controle do fluxo de fentanil. Mas as tarifas sobre outros bens da China foram mantidas, atingindo, em média, cerca de 50%.

Para Pequim, defender Maduro provavelmente significaria colocar estes avanços em risco, sem grandes benefícios além dos ideológicos.

A China reavalia seu apoio a Maduro

Documentos oficiais obtidos pelo jornal The Washington Post indicam que Maduro também enviou uma carta para o presidente chinês, Xi Jinping, solicitando "maior cooperação militar" para combater "a escalada entre os Estados Unidos e a Venezuela".

Na carta, Maduro pediu ao governo chinês que acelere a produção de sistemas de detecção de radar pelas empresas chinesas, provavelmente para que a Venezuela possa ampliar suas capacidades militares.

Foto de 30 de julho de 2017, mostrando oficiais da Força Aérea do Exército Popular de Libertação da China (FAELP) participando da cerimônia internacional dos Jogos Militares Internacionais de 2017 em Guangshui, na província chinesa de Hubei
Getty Images
A Venezuela compra equipamento militar chinês desde 2005, ao custo de centenas de milhões de dólares

Por muitos anos, os empréstimos chineses para a Venezuela foram fundamentais para os investimentos e o desenvolvimento da economia do país sul-americano.

Entre meados dos anos 2000 e 2016, a Venezuela foi o principal destino dos empréstimos chineses na América Latina.

Segundo a organização Conselho de Relações Exteriores, Caracas recebeu nesse período cerca de US$ 50 bilhões (R$ 273 bilhões) a US$ 60 bilhões (R$ 328 bilhões, pelo câmbio atual).

Estes empréstimos representaram mais de 40% do total proveniente da China para a América Latina, transformando a Venezuela em um elemento fundamental para a expansão da influência chinesa no continente.

Mas o colapso econômico do país e a deterioração da sua indústria petrolífera fizeram Pequim reavaliar o quanto de apoio deseja oferecer a Nicolás Maduro.

Nos últimos anos, a China reduziu a concessão de novos financiamentos. Agora, o país se concentra principalmente em garantir o reembolso dos empréstimos já realizados.

Rouvinski calcula que a China não deseja prejudicar antecipadamente as relações que poderá vir a ter com um futuro governo de transição.

"Acredito que a China esteja disposta a negociar com qualquer governo que venha a substituir Maduro e considere que apoiar excessivamente o presidente atual poderia trazer consequências negativas com a queda do regime", explica ele.

Recentemente, no seu programa de rádio Con Maduro, o presidente venezuelano declarou que a China "apoia publicamente o direito da Venezuela de exercer sua soberania e a paz".

'Maduro está completamente sozinho'

Fernando Reyes Matta defende que os eventos políticos ocorridos na Venezuela no ano passado também influenciaram a mudança de postura de Moscou e Pequim em relação a Caracas.

"Não acredito que nenhum dos dois países esteja disposto a apoiar um regime que conta com tão pouco respaldo interno", destaca ele. "Mas tanto a Rússia quanto a China sabem que as últimas eleições presidenciais da Venezuela tiveram características de fraude muito evidentes."

As eleições de julho do ano passado foram marcadas por sérias acusações de fraude. O Conselho Nacional Eleitoral, controlado pelo governo, proclamou a vitória de Maduro, mas não apresentou provas, nem os dados detalhados da votação, como ocorreu em processos anteriores.

Some-se a isso que a oposição, liderada por María Corina Machado (que recebeu recentemente o Prêmio Nobel da Paz), publicou atas eleitorais indicando que o candidato opositor, Edmundo González, teria se sagrado vencedor.

"Desta vez, Maduro está completamente sozinho", destaca Vladimir Rouvinski. "Talvez a Rússia e a China continuem criticando a intervenção americana, mas não estão dispostas a ir além disso."

A reação dos dois países coloca em evidência que o governo de Nicolás Maduro não pode mais contar com o respaldo absoluto das duas potências, que desempenharam papel importante em crises anteriores.

Desta vez, a permanência de Maduro e seu círculo provavelmente dependerá mais da sua própria capacidade de resistência e da disposição do presidente americano Donald Trump de prosseguir com sua campanha contra o governo venezuelano.

Trump acusa Maduro de ser o líder do Cartel dos Sóis, um grupo classificado recentemente como organização terrorista.

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BBC
Norberto Paredes - BBC News Mundo
postado em 22/12/2025 16:18 / atualizado em 22/12/2025 16:26
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