
A maioria das empresas e de seus executivos evitaria e até encararia como um insulto ser rotulada como "woke".
Não é o caso de Mark Constantine. Esse termo tem diversos significados, podendo significar para alguns, por exemplo, ter consciência social e racial e se opor a opressores, mas para outros representar hipócritas que acreditam ser moralmente superiores e que querem impor ideias progressistas.
Mas o fundador e diretor-executivo da Lush assume o rótulo como um distintivo de honra e não se constrange em transformá-lo em filosofia de negócios.
A empresa é conhecida por colocar o ativismo no centro de seu negócio de bombas de banho coloridas, produtos efervescentes usados na banheira que liberam fragrâncias, óleos e corantes, ao abordar temas que vão de direitos trans à responsabilização policial.
Aos 73 anos, Constantine mantém o comando da empresa com os princípios que marcaram sua trajetória de três décadas no comércio de rua britânico, ao longo da qual a Lush saiu de uma pequena loja em Dorset, no sul da Inglaterra, para se tornar uma marca global, com 869 unidades e faturamento anual de £ 690 milhões (cerca de R$ 4,3 bilhões).
A Lush adotou algumas das posições mais ousadas do varejo britânico, incluindo o encerramento de algumas de suas contas em redes sociais por preocupação com o impacto sobre jovens e, mais recentemente, o fechamento de lojas por um dia em protesto contra a fome em Gaza.
"Eu gosto de ser woke", admitiu Constantine.
Autodeclarado "excessivamente dedicado e nerd", apaixonado por aprender, ele acorda antes do amanhecer para se dedicar à sua principal paixão — escrever sobre o canto dos pássaros — entre sessões de meditação e a técnica de Alexander, método terapêutico voltado à postura e ao movimento.
Mas a mensagem dele é cristalina para quem rejeita abertamente seus valores: "Você não deveria entrar na minha loja".
É uma declaração forte em um momento em que muitas empresas evitam debates políticos ou culturais por medo de afastar clientes e colocar os lucros em risco.
A Ben & Jerry's há muito tempo expõe abertamente seu ativismo social, o que já gerou atritos com sua controladora.
Para Constantine, a diferença está na estrutura do negócio. Enquanto a Lush segue independente, ele avalia que vender a empresa significa abrir mão de seus valores.
"Se você vendeu o seu negócio para outra pessoa, está exigindo demais esperar que ela faça tudo do jeito que você quer. O que Ben e Jerry deveriam ter feito? Nunca deveriam ter vendido", afirmou.
O cofundador da Ben & Jerry's, Ben Cohen, disse que foi contrário à venda, mas sustenta que, por se tratar de uma empresa de capital aberto, a legislação dos Estados Unidos não deixou alternativa. Segundo ele, a missão social da marca foi incorporada ao contrato com a controladora.
"Tenho enorme admiração pela Lush, por seus valores e pela forma como usa sua ferramenta mais poderosa — a própria voz — para defendê-los", disse Cohen à BBC, após a entrevista de Mark Constantine ao podcast Big Boss Interview, da BBC, acrescentando: "Não estou 'pedindo' nada".
Em entrevista ao podcast da BBC,em meio à intensa preparação para o Natal, Constantine afirmou que se preparar para o período festivo é "muito parecido com uma guerra".
"Você tem suas tropas, seus suprimentos. Tudo está organizado e pronto. A única questão é quando o ataque vai acontecer", disse.
Ele sugere, em tom bem-humorado, que homens tendem a sair mais para comprar presentes de última hora, afirmando que a empresa vê muitos clientes do sexo masculino "que entram na loja na véspera de Natal e dizem que são fregueses habituais".
Mas, para Constantine, a chave para atrair consumidores em primeiro lugar é tornar o varejo "divertido".
A Lush transformou as compras em uma experiência, com ofertas como tratamentos de spa e festas para clientes.
Segundo ele, iniciativas desse tipo podem ajudar a conter o declínio das ruas comerciais tradicionais.
Enquanto parte do empresariado argumenta que o aumento das contribuições patronais para o National Insurance — sistema de previdência do Reino Unido — e do salário mínimo pode resultar em congelamento de contratações, Constantine vê o movimento de outra forma.
"É uma boa notícia para todos e positiva para a economia, porque significa mais dinheiro circulando justamente na base", afirmou.
"As pessoas que estão recebendo esses aumentos estão na base da pirâmide."
"Fico satisfeito em pagar esse valor adicional para levar os salários a um patamar adequado, e acho que isso deveria ser celebrado."
No entanto, o histórico salarial da Lush não é isento de falhas. Em 2020, a empresa admitiu ter pago salários abaixo do devido a funcionários na Austrália, deixando de repassar mais de US$ 4 milhões (cerca de R$ 20 milhões) ao longo de quase uma década. Após a entrevista ao podcast Big Boss, um porta-voz da companhia afirmou à BBC: "Cometemos erros, identificamos esses erros e pagamos o que devíamos, além de garantir que eles não voltem a ocorrer".
No mesmo ano, a Lush também enfrentou denúncias de más condições de trabalho em sua fábrica australiana. O porta-voz acrescentou: "Desde que essas preocupações foram levantadas, desenvolvemos rapidamente um plano de ação para enfrentar os pontos problemáticos".
A Lush é uma empresa de capital fechado pertencente aos seis cofundadores, Mark Constantine e sua mulher, Mo Constantine, além de Rowena Bird, Helen Ambrosen, Liz Bennett e Paul Greeves, todos responsáveis pela criação do negócio em 1995 e que seguem atuantes desde então.
Dois dos três filhos de Constantine também trabalham na empresa, o que agrada especialmente ao executivo, que acredita que a família está no centro de um negócio bem-sucedido e é fundamental para sua longevidade.
"As empresas familiares oferecem melhores retornos sobre o investimento em todos os níveis", concluiu, sustentando que elas duram mais porque conseguem atravessar tanto os períodos de prosperidade quanto os de dificuldade.
É uma lição que ele disse ter aprendido com a falecida Dame Anita Roddick, fundadora da The Body Shop, onde tudo começou para Constantine, em 1977, quando passou a fabricar e fornecer produtos para as lojas de Roddick.
No entanto, ele afirmou que o governo não compreende "a força das empresas familiares", após anunciar que, a partir de abril de 2026, os ativos de empresas familiares acima de £ 1 milhão (cerca de R$ 6,2 milhões) estarão sujeitos ao imposto sobre herança quando transferidos a parentes.
Na avaliação de Constantine, a medida forçará muitos proprietários a vender seus negócios, o que representa "a verdadeira preocupação no processo de sucessão".
Um porta-voz do Tesouro britânico afirmou que o governo é "favorável aos negócios", destacando que manteve o imposto corporativo limitado a 25% e vem promovendo reformas na tributação sobre propriedades comerciais.
"Atualmente, 53% do alívio fiscal conhecido como Business Property Relief — equivalente a £ 533 milhões (cerca de R$ 3,3 bilhões) — beneficia apenas 158 propriedades. Nossas reformas vão direcionar esses recursos para serviços públicos essenciais", disse o porta-voz.
Apesar disso, Constantine segue otimista em relação ao futuro do comércio de lojas físicas.
Mas ele acredita, que o varejo moderno se beneficiaria de um retorno a valores tradicionais que antes definiam o setor no Reino Unido, em especial a inovação e a gentileza.
"Eu gosto de servir. Gosto daquela sensação à la Jeeves", disse, com um sorriso, citando o personagem da ficção inglesa conhecido pelo zelo com seus patrões.
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