Por CRISTOVAM BUARQUE- Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB) e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação
Entre 1958 e 1994, o Brasil ganhou cinco Copas do Mundo e teve 10 moedas: somos o país do futebol e da inflação. A vocação para o esporte vem da prática por todos os brasileiros desde a infância, a vocação para desvalorizar a moeda vem do casamento irresponsável entre política populista, sem compromisso nacional, com economia keynesiana mimética, sem adaptação à nossa realidade.
O economista britânico John Maynard Keynes (1883-1946) formulou proposta para países já desenvolvidos, com responsabilidade fiscal entre entes políticos, razoável grau de austeridade entre consumidores e agentes públicos, numa sociedade com distribuição de renda e acesso a serviços públicos, em tempo anterior ao consumismo do pós-guerra. No artigo Quanto é Bastante, Keynes especulava sobre o limite máximo de renda necessária para uma vida digna.
Sua formidável proposta de aumentar o gasto público como instrumento para recuperar o emprego e a atividade em economias desenvolvidas com política responsável foi importada para o Brasil sem considerar nossa cultura política populista, num país dividido socialmente, com imensos bolsões de pobreza, tolerante com concentração de renda e ineficiência econômica, com voracidade por consumo e gosto pela ostentação, e fascinado pela possibilidade de sair do subdesenvolvimento caminhando "50 anos em 5", tendo a ilusão de que é possível beneficiar a todos sem sacrificar ninguém.
Quando Keynes disse "no longo prazo, todos estaremos mortos" para justificar a intervenção do Estado na recuperação da economia na Europa e Estados Unidos, os economistas brasileiros usaram a frase no sentido de construir uma economia nova e rica com política velha, sem reformar a sociedade dividida e acostumada a não respeitar limites de gastos para satisfazer a volúpia e a ostentação de privilegiados.
O resultado foi que a "direita" decidiu explorar o Estado para oferecer subsídios a indústrias ineficientes, manter privilégios injustos, fazer investimentos em obras ostentatórias; e a "esquerda", sem criticar os gastos da elite rica, defendeu necessários benefícios sociais, sem propor reformas nem tocar em privilégios ou na ineficiência da economia privada e gestão pública. Até porque a esquerda representa parcela de assalariados beneficiados pela concentração de renda e gastos públicos. Por isso, não defende responsabilidade fiscal, uma vez que os maiores salários são reajustados por leis ou graças à força dos sindicatos.
Com esse casamento entre populistas e keynesianos miméticos, a inflação passa a ser aceita como prática normal da economia e da política, obrigando o país a trocar de moeda a cada poucos anos, o que é facilitado, porque a inflação continuada cria desprezo à moeda nacional. O Brasil não tem apego à sua moeda, vista como provisória, tanto no valor quanto no nome. A inflação está tão embrenhada na cultura e na política, que foi preciso uma lei determinar regras de responsabilidade fiscal, porque não se espera isso de políticos. E a lei não foi suficiente, exigindo o extremo e inusitado gesto de inserir na Constituição um teto de gastos.
Nenhum país com casamento responsável entre políticos e economistas precisa desse gesto que o Brasil precisou mas não mantém. Esquerda e direita, bolsonaristas e petistas, se unem pelo fim da emenda constitucional do teto para quebrar limites e trazer de volta a inflação que permite o populismo e a volta da genial loucura e perversa indexação de preços. Filha do casamento irresponsável, permite ao Brasil ter a moeda protegida para alguns e desvalorizada todo mês para trabalhadores e pobres. Keynes não teve essa criatividade porque não precisava. Nem o apartheid na África do Sul cometeu essa perversa artimanha de separar a moeda dos brancos da moeda dos negros e assim usar a inflação para concentrar renda.
A desculpa anterior era promover o desenvolvimento que eliminaria a pobreza. Depois de sete moedas, a pobreza e a concentração de renda se mantêm agravadas. Agora, a desculpa é ajudar diretamente a população carente que passa fome. Busca-se dar um auxílio emergencial aos pobres, sem tocar nos privilégios, sem desconcentrar renda, sem eliminar desperdícios, sem parar subsídios à ineficiência, aumentando fundo partidário e emendas de parlamentares, e logo voltar à adoção de duas moedas, uma que se desvaloriza e outra que se reajusta. A ajuda aos pobres será paga com cheque sem fundo da "moeda fake" com que o Auxílio Brasil será pago aos que de fato precisam.
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