Opinião

Chile entre a esquerda e a ultradireita

Correio Braziliense
postado em 18/12/2021 06:00

VITOR PINTO - Escritor e analista internacional

Amanhã, em segundo turno, o Chile decidirá quem será o próximo presidente da República: se o jovem Gabriel Boric, de 35 anos, concorrendo pela coligação Apruebo Dignidad, ou José Antonio Kast, 55 anos, pelo Partido Republicano.

Depois de fracassarem as tentativas da oposição de formar uma frente única contra o governo conservador de Sebastián Piñera, o 1º turno assistiu a uma dura luta entre sete candidatos de peso. O resultado foi que Kast assumiu a dianteira com 1.961.122 votos, correspondendo a 27,91% dos que compareceram às urnas, contra 1.814.809 conferidos a Boric, ou 25,23%. Os outros cinco somaram 33,4% dos sufrágios, o que lhes dá forte significado na definição de alianças para o turno decisivo, para o qual Boric contará com o apoio de 22 agremiações políticas, contra seis que se perfilarão ao lado do candidato oficialista. Como votar não é obrigatório pela legislação, o comparecimento limitou-se a 47,34% dos eleitores, que, mesmo assim, foi considerado como positivo pelos analistas de política chilena.

De acordo com as últimas pesquisas de opinião (não mais é permitido fazê-las duas semanas antes do dia de votação), Gabriel Boric deverá ser o próximo presidente. Pela empresa Criteria, a vantagem do postulante de esquerda é de oito pontos (54% x 46%). Firmando a mesma tendência, a Cadem cravou em 40% x 35%, com 25% de indecisos, e a Activa Pulso, em 42,2% x 28,3% com 21% de indecisos. Ou seja, ainda está tudo em aberto. Das 25 regiões eleitorais em que se divide a nação, Boric venceu em apenas seis, mas entre elas estão as mais populosas (Metropolitana, onde está a capital Santiago, e Valparaíso).

Depois da longa ditadura de Pinochet, o Chile teve governos democrata-cristãos e, mais recentemente, Ricardo Lagos, do Partido pela Democracia, e Michele Bachelet, do Partido Socialista (em dois mandatos intercalados) —, ambos agora apoiando Boric — seguidos por Piñera.

O escritor peruano Vargas Llosa, que perdeu a eleição mais ganha de todas para o desconhecido Alberto Fujimori, logo transformado em um cruel ditador, declarou-se favorável a Kast. Retratando com fidelidade a divisão do país em dois lados, o Congresso eleito em novembro estará rachado meio a meio. Como as agremiações políticas de origem dos dois candidatos ao 2º turno têm representações minoritárias, o governo a ser escolhido obrigatoriamente dependerá de outras forças para aprovar seus projetos.

A guerra nas urnas antepõe, de um lado, um ultradireitista da pesada — Antonio Kast — tido como o Bolsonaro do Chile (parece que no cone sul há uma epidemia destas figuras, como demonstra a eleição para o Parlamento argentino de Javier Milei) com as costumeiras propostas antiaborto e contra os pobres, grupos LGBT, união entre pessoas do mesmo sexo, etc. É um saudosista dos tempos de Pinochet, educado desde pequeno em uma família cujo chefe (Michael Kast), nascido na Alemanha, filiou-se aos 18 anos ao Partido Nazista. Embora o tenha abandonado mais tarde ao migrar para o Chile, tudo indica que o filho aprendeu bem o que lhe foi ensinado.

De outro lado, Gabriel Boric é deputado em segundo mandato, eleito por uma pequena agremiação — Convergência Nacional — que é parte da Frente Ampla. Estudou direito na Universidade do Chile, tendo sido presidente da Federação de Estudantes. Descendente de pai croata e mãe catalã, teve de aguardar um tempo para candidatar-se à Presidência até completar a idade mínima estabelecida pela Constituição.

Nas primárias, derrotou ao alcalde (prefeito) de Recoleta, município da Região Metropolitana de Santiago, Daniel Jadue do Partido Comunista (PCCh) que, em seguida, passou a compor a sua coligação. O PCCh, a exemplo de outros originários da linha soviética, é reformista e não radical, tendo ativa participação na política nacional. A plataforma eleitoral de Boric inclui essencialmente propostas de caráter social, como a defesa de direitos dos trabalhadores e a instituição de um sistema de saúde universal. Também propõe substituir o lema há 186 anos constante da bandeira nacional "Por la razón o la fuerza" (pela razão ou pela força) por algo mais contemporâneo e menos belicoso como "Por la fuerza de la razón".

 


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