Visto, lido e ouvido

Tenha fé no jogo

Circe Cunha
postado em 18/12/2021 06:00

"Fazer uma fezinha", que no jargão dos apostadores significa apostar num determinado jogo de azar, agora pode ser interpretado também como ter fé na bancada evangélica, pois com ela o retorno dos cassinos ao país será garantido, mesmo que isso vá totalmente contra os preceitos contidos no livro sagrado que esses políticos celestes juram conhecer em profundidade.

Numa frase resumida, poderíamos afirmar, sem medo de errar, que o que se viu na noite de quinta-feira na Câmara dos Deputados, com a aprovação da isenção do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) para os templos religiosos, e com o aval ao regime de urgência para a tramitação do projeto de lei que permite o retorno dos cassinos e dos bingos ao país, foi uma manobra digna da mais clara manifestação de hipocrisia já vista nos últimos tempos.

Desde que assumiu a presidência da Casa, o deputado Arthur Lira, por sua ações, não consegue esconder de ninguém que tem, entre suas metas políticas, a aprovação total das atividades dos cassinos e dos bingos em todo o país. Os reais, e talvez inconfessáveis, interesses que estariam por trás dessa manobra ainda não estão bem claros para muita gente. Sobretudo para a grande maioria dos cidadãos de bem desse país, que já sabem, de antemão, que essa volta a um passado que não mais existe e que não tem sentido algum agora, trará, a tiracolo, um conjunto de outros malefícios a serem incorporados a um país já mundialmente famoso pela violência e pelo poderio, sem limites, do crime organizado.

Já se sabe, também, que esse poderio adquirido pelo crime organizado, que comanda largas parcelas do território urbano, ao mesmo tempo em que compra, por suborno, a proteção de policiais e outros altos figurões da República, para que aplaine suas atividades dentro e fora dos presídios, vai estendendo seus braços por dentro do campo político, financiando candidaturas e se opondo a outras contrárias aos seus desígnios.

A possível aprovação dos cassinos e bingos, que agora ganha outro patamar com a tramitação de urgência, um expediente que deveria ser usado apenas para casos de grande interesse nacional, servirá, como já foi aqui mesmo dito, para financiar, em larga escala, o crime organizado e todos aqueles que vivem sob sua sombra.

O que se estranha, se é que isso ainda é possível nesse país surreal, é que a bancada evangélica, também conhecida como bancada da Bíblia, que sempre se pronunciou, da boca para fora, contra a jogatina, e conforme está contido no Livro Sagrado, tenha se aliado àqueles que sempre desejaram a volta dos chamados "palácios do azar". Nesses estabelecimentos, transformados em verdadeiras agências bancárias do crime, onde o dinheiro de outras atividades ilegais será imediatamente branqueado, a sorte fica apenas com os malfeitores e todos aqueles que se beneficiam com essa atividade.

Para um país imerso em problemas sociais, econômicos e políticos gravíssimos, e que nos coloca na rabeira e nos subúrbios do mundo civilizado, a volta dos cassinos, acrescenta o que poderá ser a gota d'água para o transbordamento da nação. Mesmo em países como os Estados Unidos, onde a lei existe e é cumprida, há problemas sérios envolvendo os cassinos e a sua manipulação por máfias. Aqui, onde os órgãos de fiscalização funcionam à nossa imagem e semelhança, a chegada dos cassinos será uma festa.

O pior é que amanhã, quando tudo estiver perdido, os responsáveis por essas manobras nefastas já não poderão ser mais punidos, ficando a conta da banca nas costas dos brasileiros, que tudo permitem.

 


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