Opinião

O que restou do sonho da universidade da nova capital?

Correio Braziliense
postado em 26/12/2021 06:00
 (crédito: kleber sales)
(crédito: kleber sales)

REMI CASTIONI E GILBERTO LACERDA DOS SANTOS - Professores da Faculdade de Educação da UnB

Em 1961, menos de 500 dias desde sua inauguração, Brasília viveu momentos de intensa agitação política. Teve dois presidentes da República e um primeiro-ministro. Entre os atropelos da agenda parlamentar, desde a leitura da carta de renúncia de Jânio Quadros, em 25 de agosto de 1961, e o impedimento da posse de João Goulart, alguns projetos da área da educação tiveram tramitação surpreendentemente acelerada nos meses que se sucederam até dezembro de 1961.

Um deles foi o Projeto de Lei 1.861/1960, que deu entrada no Congresso Nacional no dia da inauguração de Brasília, em 21 de abril de 1960. Menos de quatro meses depois de aprovada pela Câmara, a criação da Fundação Universidade de Brasília - FUB, foi sancionada por João Goulart, por meio da Lei 3.998, de 15 de dezembro de 1961.

A criação da FUB e da UnB foi viabilizada depois de vencidas resistências do círculo íntimo de Juscelino Kubistchek, particularmente dos seus fiéis escudeiros, Israel Pinheiro e Bernardo Sayão, que a queriam fora da capital. A pedido de Clovis Salgado, ministro da Educação, representativas lideranças educacionais foram escaladas para elaborar a proposta da UnB: Pedro Calmon, João Christovão Cardoso, Anísio Teixeira, Ernesto Luiz de Oliveira Júnior, Darcy Ribeiro e Almir Castro. A educação era uma das 30 metas do governo JK, que precedeu a própria meta-síntese, que foi a construção de Brasília.

Anísio Teixeira era a figura principal nesse tabuleiro. Entre 1951 e 1964, dirigiu o Inep e a Capes, que concentravam 80% dos recursos do então Ministério da Educação e Cultura. Em 1959, Anísio Teixeira, encarregado por JK, dirigiu a Comissão de Administração do Sistema Educacional de Brasília (Caseb), a qual já previa a criação de uma universidade para a nova capital.

A parceria com Darcy Ribeiro foi fundamental no projeto da UnB. Primeiro pelo seu trânsito com os meandros da política, depois pela vivência com os educadores no Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais, onde discutia o papel exercido pela educação na sociedade. Sua principal formulação fora entender que a universidade teria de ficar longe dos governos e ter autonomia. Aprendendo com as frustrações do projeto original de Anísio Teixeira, a UDF, abortado pelo Estado Novo, Darcy Ribeiro dotou a UnB de condições ímpares para "sobreviver", caso precisasse, com a incorporação de um significativo patrimônio imobiliário, incluindo 12 superquadras na Asa Norte e ações de empresas estatais.

Pensada de forma diversa das demais, a UnB propunha inicialmente acesso dos jovens aos seus cursos de graduação a partir de grandes áreas de conhecimento. A escolha das profissões se daria posteriormente. O primeiro contato seria nos Institutos Centrais e depois, quando os alunos tivessem melhor compreensão, iriam para as carreiras profissionais. A precocidade evitaria a evasão, debate atualíssimo que já era enfrentado por Anísio e Darcy. Tendo por coração o Instituto Central de Ciências, desenhado por Oscar Niemeyer e Lelé Filgueiras, o câmpus da UnB foi pensado de forma harmônica ao projeto pedagógico inovador.

Entretanto, o projeto ousado de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro, elaborado bem antes da instalação da universidade, denominado de Plano Orientador da UnB, permanece intacto apenas no papel e vem sendo gradativamente desfigurado. Poucos anos depois de sua criação, no golpe militar de 1964, Anísio Teixeira, então reitor da universidade que ele próprio concebera, foi apeado da reitoria. A reforma imposta pelos militares em 1968 sufocou o modelo vanguardista dos ciclos de formação inicial, dando gênese a um movimento de aniquilamento do projeto anisiano de Universidade para o Brasil.

Mais recentemente, o ano de 2019 se iniciou deixando para trás a ousadia impressa na criação da UnB. Inexplicavelmente, em sessão do Conselho Universitário, o Plano Orientador da UnB foi revogado sem ampla discussão com a comunidade universitária (Resolução 17/2018), sob a égide de atualização de sua missão e de seus rumos, tal qual fizera o autoritarismo nas duas vezes anteriores — o Estado Novo e o golpe militar. Ou seja, não existe mais o plano revolucionário da dupla que se encontrou e deu vida a um projeto progressista de universidade para o Brasil. Assim, de ato em ato, vai sendo desmanchado o projeto renovador de uma universidade ímpar para o Brasil. Perdemos todos, posto que sonhos tão pertinentes e atuais não podem ser revogados. Lutemos então pela manutenção dos ideais de Anísio Teixeira e Darcy Ribeiro. E permaneçamos combativos em prol da universidade anisiana, cujo modelo ainda é capaz de provocar uma mudança radical em nossa sociedade.

 


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