Opinião

Artigo: Chega de malandragem

Correio Braziliense
postado em 28/01/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

ORLANDO THOMÉ CORDEIRO - Consultor em estratégia

A democracia representativa passa por uma crise em diversas partes do mundo ocidental, e o Brasil não foge à regra. Segundo a última pesquisa DataFolha, realizada em dezembro de 2021, apenas 10% dos entrevistados consideram o trabalho do Congresso Nacional ótimo ou bom, o menor índice na atual legislatura, contra 41% que apontam como ruim ou péssimo. O mesmo instituto, em setembro do ano passado, revelou que 61% dos brasileiros não confiam nos partidos políticos, enquanto 35% dizem confiar um pouco e somente 3% têm muita confiança.

Hoje, existem 33 agremiações aptas a disputar as eleições de outubro. Além dessas, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), existem processos em andamento para criação de 83. Na Câmara dos Deputados as bancadas eleitas em 2018 representavam 30 diferentes legendas. Atualmente, após algumas mudanças, há 24 delas com representação naquela casa legislativa. É óbvio que esses números são escandalosos.

Por seu lado, é forçoso reconhecer que houve algumas tentativas de impedir a proliferação de legendas que, em sua grande maioria, não apresentam nenhum tipo de identificação ideológica com segmentos da sociedade. A primeira iniciativa data de 1995 quando o Congresso Nacional aprovou legislação criando a cláusula de desempenho pela qual, a partir de 2006, os partidos precisariam alcançar um mínimo de 5% de votos no âmbito nacional e 2% em pelo menos nove estados para poderem ter direito ao funcionamento pleno no parlamento, além de acesso ao fundo partidário e ao tempo de televisão.

Assim foi, e o resultado das eleições de 2006 indicaram que apenas sete dos 29 partidos registrados à época conseguiram cumprir a exigência. Porém, em dezembro desse mesmo ano, o Supremo Tribunal Federal (STF), por unanimidade, revogou a medida.

E, como agravante, na contramão da premissa de fortalecimento das organizações partidárias, vimos prevalecer por décadas uma legislação permitindo a constituição das chamadas coligações organizadas exclusivamente para disputa das eleições legislativas. Dessa forma, eram habituais as alianças entre partidos sem identidade programática entre si, apenas com o intuito de eleger alguns representantes para logo depois do pleito se separarem.

Em 2017, em um movimento importante, o Congresso resgatou a exigência da cláusula de barreira, com validade a partir das eleições de 2018, e aprovou a proibição de coligações a partir de 2020. As eleições municipais naquele ano confirmaram o que já se sabia desde 1995: sem coligações, a maioria das legendas não conseguiria superar a cláusula de barreira em 2022. Com muitos dirigentes partidários em pânico, houve inúmeras tentativas no Congresso Nacional para revogar ambas as decisões, mas, felizmente, não tiveram êxito. Entretanto, na última hora, tiraram da gaveta e aprovaram um projeto que permite a criação das chamadas federações partidárias.

A base da proposta é criar condições para que diversas organizações partidárias possam se unir para disputar as eleições, mas com a obrigação de se manterem federadas durante os quatro anos da legislatura seguinte, nos três níveis de representação parlamentar: nacional, estadual e municipal. Ou seja, no quadriênio seriam obrigadas a funcionar como se fossem um novo partido, quase como uma fusão.

Aberta essa possibilidade, o que se tem visto é uma corrida desenfreada de diversos partidos de pequeno e médio porte em busca de constituírem uma federação entre si ou com agremiações de grande porte. Porém não tem sido simples. Há empecilhos que passam pela definição de candidaturas a governos estaduais e composição das listas de candidaturas legislativas para a disputa de outubro, bem como para as eleições municipais de 2024. E tudo precisa estar resolvido até março.

Nas últimas semanas começaram a circular informações de que lideranças de diversos partidos, preocupadas com essa situação, articulam uma mudança crucial a ser apresentada e votada em 2023, qual seja, derrubar a obrigação de manutenção das federações pelos quatro anos seguintes. Ora, isso seria nada mais, nada menos, que a volta das famigeradas coligações. É impressionante como a maioria das lideranças não se constrange, nem mesmo diante do elevado grau de desaprovação pública registrado em diversas pesquisas.

Em fevereiro, o STF deverá retomar o julgamento da ação do PTB solicitando a proibição das federações. Acompanhando as manobras em curso que visam deturpar o modelo original, só nos resta torcer para que nossa Suprema Corte acate a solicitação. Afinal, ninguém aguenta mais tanta malandragem.

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