VIAGEM OFICIAL

Artigo: As bandejas de prata de Pedro, o Grande

Correio Braziliense
postado em 17/02/2022 06:00
 (crédito: Caio Gomez)
(crédito: Caio Gomez)

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS - General de Divisão da Reserva

Em março de 2019, uma numerosa comitiva brasileira estava na primeira viagem oficial do chefe de governo a um país amigo. Os Estados Unidos da América (EUA), sob o governo de Donald Trump, eram o nosso destino. Tudo indicava que o president of the United States (Potus) seria facilmente reeleito. Assumira, com naturalidade, a liderança dos governos conservadores que emergiram pelo mundo. Havia uma tietagem explícita de alguns integrantes da delegação em relação a Trump, a ponto de parecer subserviência em alto grau.

Pousamos na Base Aérea de Andrews e fomos recebidos com pompa regulamentar. Ficamos alojados na Blair House, localizada em frente à Casa Branca, um hotel para comitivas oficiais em passagem pela cidade de Washington, D.C. Agenda plena. Conversas com empresários americanos e brasileiros, reuniões com lideranças religiosas, visita guiada à central de inteligência americana, entrevista a um canal de TV conservador e, finalmente, encontro entre os dois presidentes no salão oval da Casa Branca.

Muitos acordos, pouca concretude e diversas imagens e postagens para as mídias sociais dos políticos e assessores. Pedido de apoio para acesso à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), convite para integrar, como país visitante, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), acordo para uso da base de lançamento de Alcântara e mais uma dezena de memorandos de intenções.

Três anos são passados. Nesse período, uma pandemia atingiu o mundo em todos os quadrantes, apostas erradas em Macri (Argentina), Trump (EUA) e Netanyahu (Israel), isolamento pela política ambiental pessimamente comunicada, acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Europeia patinando são alguns dos desafios concretos na diplomacia brasileira de agora.

Nesta semana, outra comitiva, agora mais modesta, viajou em busca de relevância. Desta feita, o destino foi Moscou. Em plena campanha eleitoral, expectativas pueris servem de justificativas para a longa viagem. A alegação mais divulgada para o encontro foi a de que o país precisa de fertilizantes para a agricultura, setor importante da balança comercial.

Após 16 horas de uma cansativa viagem, escalas em outros países, driblando territórios sobre áreas em conflito, a comitiva chegou ao destino sob rigoroso esquema de checagem e quarentena para a covid-19, aos quais, segundo a imprensa, foi submetida toda a delegação brasileira. O encontro com o czar Putin foi sob rígida norma de segurança sanitária.

Março de 2019, fevereiro de 2022, imagens distintas, para momentos e prestígio distintos. Quais as mensagens que iremos transmitir? Estamos preparados para a réplica russa? O que temos a oferecer e a receber? Distantes milhares de quilômetros, nesse jogo de sedução e poder, os Estados Unidos observam com interesse redobrado essa guinada do Brasil em direção à potência que tantos anos se rivalizou com aquele país pelo hegemonia do planeta.

Se a Rússia quase iniciou um conflito por entender que a Otan estava ciscando em seu terreiro de influência, como Washington agirá diante de um suposto aumento de influência russa nos países sul-americanos?

A falta de pragmatismo do nosso governo no campo internacional salta aos olhos. E sem objetivos bem definidos não se chega a lugar nenhum. Há três anos jogávamos beisebol com os americanos. Agora, queremos jogar hóquei no gelo com os russos. Mesmo os desatentos, já imaginam o placar.

No passado, a diplomacia brasileira sempre foi muito respeitada, por sua elevada qualificação, sendo fonte de inspiração a tantos outros países. Embora o Itamaraty seja um órgão de Estado, com diretivas que perpassam períodos de governo, precisa ajustá-las ao mandatário de ocasião. Nem sempre consegue convencer o chefe do Executivo, último responsável pelas interlocuções entre países, a agir conforme o momento da boa diplomacia.

Nessa viagem a Moscou, brincadeiras fora do contexto, lição de casa atrasada e poder de barganha debilitado são ingredientes que darão azia após o jantar servido em bandejas de prata da época de Pedro, o Grande. Certamente não será a delegação russa que passará mal. Países não são amigos. Têm interesses comuns que podem mudar a cada momento conforme esses interesses deixem de interessar. O resto é foto para mídia social.

Paz e bem!

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