ELEIÇÕES

Visto, lido e ouvido: Brasil em constante luta para sair do passado

Circe Cunha
postado em 16/03/2022 06:00
 (crédito:  Ed Alves/CBDA Press)
(crédito: Ed Alves/CBDA Press)

Duas podem ser as hipóteses que explicariam o favoritismo do ex-presidente Lula em muitos institutos de pesquisa de opinião. Há, nesse caso, um fato curioso a ser observado quando se verifica que o petista, por todos os acontecimentos que redundaram em sua prisão e também na de seus mais próximos colaboradores, foi transformado numa espécie de candidato invisível, que só é visto por iniciados da sua seita, em ambientes especiais e fechados e pelas redes virtuais da internet.

Tem-se aqui um autêntico candidato fantasma à brasileira, fabricado, sob medida, pelos ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de um polêmico processo antijurídico, que trouxe consigo até um neologismo estranho: "descondenação", ainda não tratado nos dicionários tradicionais. Não por outra, as eleições de 2022 vão se configurando num pleito inusitado, digno das ficções tipo surrealistas. As duas hipóteses capazes de explicar o favoritismo do ex-presidente são os desacreditados institutos de pesquisa, por suas metodologias acrobáticas, e um caráter que considera a corrupção e o roubo dos recursos públicos atos sem grandes importâncias para a vida política e para o próprio sentido de cidadania.

A acreditar nessa hipótese, estamos num caminho sem volta rumo ao brejo. A outra explicação para a vantagem nas pesquisas do ex-presidente é a de que o esquecimento dos fatos pretéritos, numa espécie de Alzheimer político severo e coletivo, afeta a maioria dos eleitores nesse país. Vale lembrar que não é o que se vê nas ruas. Mas, em qualquer uma das duas hipótese, estamos no sal, desidratados de saúde e de caráter.

O simples fato de os brasileiros, como também atestam pesquisas recentes, classificarem o tema "combate à corrupção" como um projeto para o país menos importante do que fatores como a inflação e o desemprego demonstra que a má formação, ou a ausência total desta, faz de nossos cidadãos presas fáceis para a engabelação desses profissionais da política.

O que se poderia esperar de um cidadão minimamente atento é que negasse perdão a gestor público ladrão. A explicação para o favoritismo nas próximas eleições de pessoas que dilapidaram os cofres públicos e empurraram o Brasil para a mais profunda crise de todos os tempos não pode ser debitada a sentenças do tipo que nos classificam como um país sem seriedade. Tampouco pode ter sua explicação no conluio estabelecido, de forma sorrateira, entre os eleitores e os eleitos.

Há uma explicação que parece fugir aos alfarrábios de psicologia ou mesmo à hipótese do inconsciente coletivo, tudo isso com pitadas e propensões à autoflagelação e até à parafilia. Há, caso se confirmem as previsões dos institutos de pesquisa, um fenômeno de ordem psíquica, a ser estudado no comportamento dos eleitores ou dos que publicam as pesquisas. Basta coletar as previsões das eleições passadas para compreender os índices bizarros de preferência e os votos recebidos.

Caso não exista mesmo essa doença mental, as probabilidades mais aceitas para explicar o comportamento do tipo esquizofrênico dos eleitores, só poderá ser buscado em tratados sociológicos como o de Sérgio Buarque de Holanda em Raízes do Brasil, 1936, ou de Casa Grande e Senzala, de Giberto Freyre, 1933. O mais certo, e talvez mais popular, seria buscar explicações do tipo antropológicas e sociais para essas preferências do eleitorado em obras como Pedro Malasartes ou Macunaíma, de Mário de Andrade, publicada em 1928. Até que o eleitor possa entender, definitivamente, que a corrupção antecede a males como inflação e desemprego e está na raiz de todos os nossos problemas como nação, muitas eleições terão passado, mantendo o Brasil onde sempre esteve: no passado.

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