Governo e Congresso concentram esforços para minimizar os impactos do aumento dos combustíveis sobre o bolso dos motoristas e sobre a inflação, o pesado imposto que recai sobre a sociedade em momentos de crise como o atual. Combustíveis geram reajustes em cascata em itens que dependem de óleo diesel, gasolina e gás de cozinha para serem fabricados ou transportados, no caso de produtos, ou prestados, no caso dos serviços. A pressão contra o aumento ontem se inverteu com as cotações do barril do petróleo recuando para baixo do patamar de US$ 100, a estatal, agora, será pressionada a reduzir o valor dos combustíveis. Mas, na tempestade, o retrato de um dia não garante um mês e, diante das incertezas em relação ao conflito na Ucrânia, não é possível prever o comportamento do valor das commodities.
É preciso medidas para que exatamente essas oscilações não sejam motivo para problemas internos de preços. Auxílios são necessários, mas representam sempre uma parte da sociedade pagando para que outra não sofra uma consequência indesejada, assim como reduções de impostos são bem-vindas, mas representam perda de arrecadação para municípios, estados e União. Para uma parcela significativa da sociedade, é o Estado quem garante educação e saúde, ainda que de forma que deixe a desejar. Sem recursos, nem isso será oferecido aos cidadãos menos favorecidos. A economia de um país não se sustenta com múltiplos auxílios ou sem arrecadar impostos. Pelo contrário, caminha para se tornar ainda mais enfraquecida.
O aumento dos combustíveis é apenas um dos problemas oriundos da invasão da Ucrânia pela Rússia e a série de sanções econômicas impostas. A falta de fertilizantes e a redução na oferta de alimentos no mundo vão agravar o problema da fome no país, onde cerca de 20 milhões vivem hoje sem ter como se alimentar com regularidade. A perspectiva com os problemas na Ucrânia e na Rússia, grandes produtores de trigo, milho e girassol que devem ter o plantio e a comercialização reduzidos pela guerra, é de quebra na produção de alimento mundial, com forte impacto sobre os preços. A região é também grande produtora de fertilizantes.
Esse quadro e a perspectiva de que a Organização Mundial do Comércio (OMC) retire os direitos comerciais da Rússia levaram a ONU a alertar para o aumento da fome no mundo e para uma elevação de 20% no valor dos alimentos, levando junto a inflação em todo o mundo e agravando problemas sociais. O Brasil é um dos maiores produtores de alimentos do mundo, com uma safra de grãos estimada este ano em 271,9 milhões de toneladas, mas é também o maior importador do mundo de fertilizantes, com 85% do volume usado no campo sendo comprado fora do país. Ou seja, sem adubo, o país não atingirá a previsão de safra, com impacto sobre o abastecimento do mercado interno e perda de vendas no exterior no momento em que a redução da oferta na Europa abre possibilidade de negócios.
A ministra da Agricultura, Tereza Cristina, tem viajado em busca de fornecedores que supram a ausência dos fertilizantes da Rússia. Foi ao Irã no fim de 2021 e agora está no Canadá. Esse parece ser o único gesto do governo diante de uma crise maior do que a dos combustíveis que pode atingir o Brasil em pouco tempo. Sem planejamento e uma orientação econômica para enfrentar problemas de oferta de produtos, o governo brasileiro age de forma desordenada e por impulso, como ao decidir, depois de anos importando, dar início à produção de fertilizante em terras indígenas no Norte do país. Até as mineradoras se posicionaram contra a medida.
O Brasil pode conseguir os fertilizantes necessários, mas a que preço? Para o problema da inflação, que o mercado financeiro já vê caminhar para 7% este ano, o Banco Central elevará os juros hoje, medida que encarece o crédito, desestimula investimentos produtivos e sufoca os endividados. Juros altos travam o avanço econômico e, sem expansão da atividade, o desemprego cresce e a renda do trabalho cai. Para preços em alta, os juros sobem, mas e para a fome? É bom o Palácio do Planalto se preparar para enfrentar a escassez de alimentos que pode atingir o mundo e, consequentemente, o Brasil nos próximos meses, impactando um número muito maior de brasileiros.
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