Editorial

Visão do Correio: Bondades com responsabilidade

Correio Braziliense
postado em 20/04/2022 06:00

O governo do presidente Jair Bolsonaro pode estar armando uma armadilha fiscal para o ano que vem, que tende a dificultar até mesmo o início de um segundo mandato em caso de reeleição. Se não, deixará como herança uma bomba orçamentária que vai estourar em 2023. As iniciativas e medidas que empurram para o ano que vem despesas que deveriam ser honradas este ano se avolumam e devem aumentar ainda mais com a promessa de anúncio de um "pacote de bondades" em ano eleitoral. Nesse caso, as benesses soam como irresponsabilidade. Isenções fiscais, correção de valor nos auxílios emergenciais, reajuste dos servidores públicos impactarão fortemente o Orçamento da União, o que, sem contrapartida no aumento das receitas (arrecadação, privatização, royalties etc.) implicará dificuldades extras em um quadro de inflação pressionada por juros elevados e baixo crescimento econômico.

O Planalto é pressionado por greves no Banco Central e no INSS e pela ameaça de protestos das Forças de Segurança Nacional — leia-se Polícia Federal e Polícia Rodoviária Federal e agentes penitenciários — insatisfeitas com as idas e vindas em relação à promessa feita pelo presidente de reestruturação das carreiras, com aumento de salários, suspensa por ele mesmo no início deste ano em meio aos protestos de outras categorias que reivindicam reajustes salariais. Sem espaço orçamentário este ano, o governo promete uma correção de 5% para todo o funcionalismo em 2023, inclusive destinando R$ 11,7 bilhões para esse fim na proposta de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). O aumento de 5% para todo o funcionalismo, anunciado inicialmente para este ano, desagradou os policiais.

E não é apenas o reajuste dos servidores, que estão há quatro anos sem aumento, que pressionam o Orçamento de 2023. É preciso lembrar que, para pagar um Auxílio Brasil de R$ 400 a cerca de 17,5 milhões de famílias, o governo aprovou a PEC dos Precatórios e postergou o pagamento de R$ 47,4 bilhões em precatórios (dívidas consolidadas por decisões judiciais), com parte desse valor tendo que ser honrado em 2023. A PEC, aprovada no fim de 2021, abriu um espaço orçamentário de cerca de R$ 100 bilhões no Orçamento deste ano para pagamento dos benefícios sociais (R$ 50 bilhões) e outras despesas, com uma sobra da ordem de R$ 10 bilhões, insuficiente para contemplar o aumento salarial para todos os servidores federais este ano. O gasto do Auxílio Brasil está previsto apenas para este ano, sem continuidade em 2023, o que, caso ocorra, exigirá outros R$ 50 bilhões.

Na esteira das promessas, o presidente, que busca a reeleição, anunciou ainda a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), uma promessa de campanha em 2018 que não foi cumprida até agora. A intenção é elevar a faixa de isenção dos atuais R$ 1.903,98 para R$ 3 mil a partir do ano que vem, gerando uma redução de receita estimada em mais de R$ 50 bilhões, que pode ser compensada com outras medidas tributárias que gerem arrecadação adicional. O governo conta com o aumento da receita para bancar as despesas deste ano, mas ainda não há uma previsão segura do total de impostos a serem recolhidos em 2023. Neste ano, apenas em janeiro e fevereiro, a Receita Federal arrecadou R$ 383,9 bilhões no primeiro bimestre, o melhor resultado para o período desde 1995.

Com as despesas para 2023 crescendo antes mesmo da metade do ano de 2022, o que se apresenta no horizonte é a possibilidade de o próximo governo ser obrigado a acabar com o teto de gastos, mecanismo que limita o aumento das despesas à inflação do ano anterior e permite a contenção da dívida pública, o que, por sua vez, permite que as taxas de juros da economia não sejam pressionadas pelas contas públicas, estimulando o crescimento econômico. As despesas públicas controladas são ainda um fator de redução na demanda e na inflação.

Esse é o risco do pacote de bondades oferecido com o dinheiro que está por vir e que pode ficar para outro governante: inviabilizar o primeiro ano de governo, caso o teto de gastos seja mantido. O pacote de bondades deste ano pode se tornar um cavalo de Troia em 2023. Por isso, tudo que se exige é responsabilidade do governo com as contas públicas.

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